Combater a alta evasão escolar, melhorar a infraestrutura das escolas, pagar em dia o salário e oferecer formação continuada a professores são algumas das estratégias que analistas apontam como essenciais para o Rio Grande do Sul manter o pequeno avanço conquistado no último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado na terça-feira (16) pelo Ministério da Educação.
O Ideb, um indicador que vai de zero a 10 com base na nota de estudantes em português e matemática e na aprovação e na evasão escolar, mostra que o Rio Grande do Sul teve pequenos avanços em todas as etapas da educação, com uma melhora mais marcada no aprendizado no Ensino Médio – veja, nos gráficos logo abaixo, como o Estado se saiu nos últimos anos.
O avanço foi discreto. O ensino gaúcho ficou abaixo de todas as metas estipuladas para o período, salvo nos anos iniciais do Fundamental na rede privada, e, comparando a outras unidades federativas, estamos em faixa intermediária. Mas foi bem recebido porque houve evolução depois de um período de estagnação.
Para manter os avanços, analistas apontam algumas urgências a serem focadas pelo poder público, sendo a mais premente o combate à alta evasão e reprovação. No Ensino Médio, 27% dos estudantes reprovaram em 2018, a maior taxa do país, e a evasão foi de 7,4%, também uma das mais altas. Os dados são do Anuário Brasileiro da Educação Básica, divulgado neste ano pelo Movimento Todos pela Educação.
Tradicionalmente, as taxas de desistência costumam ser maiores no Ensino Médio e no 6º ano do Fundamental. Em 2019, 530 mil estudantes gaúchos largaram a escola – mais da metade, jovens de 14 a 17 anos, segundo dados da PNAD Contínua 2019.
As principais causas apontadas são a desigualdade social, que leva jovens ao mercado de trabalho para ajudar na renda de casa, e o desinteresse nos estudos, em virtude de o currículo ser pouco relacionado à realidade. O problema deve piorar em razão da pandemia, que impõe quase seis meses de ensino remoto e maior desemprego.
A solução mais imediata é fortalecer a rede de assistência, destaca Rosane Zimmer, professora do curso de Pedagogia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Na prática, isso envolve enviar mais verba a instituições de assistência social, responsáveis por inserir famílias no Bolsa Família ou outros programas e trazer os jovens para centros de convívio, onde ficam no turno inverso enquanto os pais trabalham.
— A evasão já era o maior problema da educação gaúcha. Precisamos pensar em políticas para ajudar zonas de vulnerabilidade. Como dizer a uma família que o aluno não pode trabalhar se a mãe diz que ele precisa ajudar no sustento? Precisamos de uma rede, sobretudo dos Cras (Centro de Referência de Assistência Social), para acolher as famílias — diz Rosane.
O que é o jornalismo de soluções, presente nesta reportagem
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Veja, a seguir, outras saídas indicadas por pesquisadores para que a educação gaúcha siga melhorando:
Pagar em dia e aumentar o salário de professores
A desvalorização da carreira é consenso entre pesquisadores como um dos fatores para o baixo desempenho da educação no Brasil e, em específico, no Rio Grande do Sul. Professores estaduais estão há 56 meses com salários parcelados e quase seis anos sem reajuste, segundo o Cpers-Sindicato, que representa a categoria.
No ano passado, o salário bruto médio mensal de professores públicos gaúchos com graduação completa era de quase R$ 3,8 mil por mês, sendo que a média dos demais profissionais com o mesmo nível de formação era de R$ 5,1 mil, segundo o Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação (PNE) 2020, do Ministério da Educação (MEC).
Na prática, há pouca atratividade para os melhores vestibulandos, baixo incentivo para cursar pós-graduação e menos motivação em sala de aula, destaca Luciane Uberti, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— O que um plano de carreira e valorização salarial faz? Atrai pessoas. Física formou sete alunos na licenciatura no primeiro semestre de 2019 na UFRGS. Não é uma profissão atrativa. Um professor com mestrado e doutorado na prefeitura (de Porto Alegre) ganha quase o mesmo de um professor do Ensino Superior. No Estado, não tem isso. Quem vai querer emprego e se formar sem plano de carreira? O plano de carreira afeta o desempenho do aluno, que terá um docente qualificado e motivado a progredir na carreira e fazer cursos — comenta.
Modernizar currículo
Medida comumente adotada no mundo para manter jovens na escola é ensinar, no currículo, conteúdos que dialoguem com a realidade. Em Portugal, uma política chamada Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular agrupou escolas por região e permitiu que elas desenvolvam um currículo próprio, destaca Rosângela Fritsch, professora da pós-graduação de Educação na Unisinos e especialista em políticas educacionais. Na prática, a escola pode mexer na forma de ensino em parte da carga horária das aulas – unindo disciplinas em uma só, como dar uma matéria de físico-química e matemática, ou intercalando uma semana normal de aula com uma semana de estudos só sobre um tema.
— Nossos currículos e modos de funcionamento ainda são do século 19 para atender a um jovem do século 21. Isso significa pensar uma escola organizada de outra forma. Nossos professores continuam ensinando com aula expositiva. Em Portugal, eles não só criaram essa nova política como estão fazendo muita formação de professores, uma categoria envelhecida. E lá, professores universitários são consultores dos governos, algo que não ocorre aqui, onde há um distanciamento da universidade — afirma Rosângela.
Dentre as medidas citadas por pesquisadores do mundo inteiro, professores podem fazer mais saídas de campo (dar aula de biologia no parque, por exemplo), discutir tecnologia nas escolas (como combater fake news) e dar mais espaço a discussões em grupo e menos a aulas expositivas. A aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio deve ocorrer nos próximos meses no Rio Grande do Sul, o que promete mudar os conteúdos a serem ensinados.
Manter uma política ao longo dos anos
É consenso entre professores e pesquisadores que, no Brasil e no Rio Grande do Sul, as políticas de educação mudam a cada quatro anos. Resultado: nenhuma mudança tem tempo o suficiente para ser implementada. Analistas pedem continuidade dos gestores públicos.
— Os estudos nacionais e internacionais mostram que precisamos repensar escola e currículo. Para começar, tem que ter no Brasil um plano de Estado para a educação, algo que não temos. No Rio Grande do Sul, temos alternância de governo a cada quatro anos, e cada governo implementa o seu currículo de Ensino Médio — diz Rosângela Fritsch, da Unisinos.
Contratar professores em suas áreas
Professora de Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rosane Zimmer destaca também o alto número de professores estaduais que ensinam em disciplinas que não são de sua graduação, o que implica menor domínio do conteúdo para ensinar aos alunos. A saída seria contratar professores para suas disciplinas, em vez de direcionar os já contratados para áreas semelhantes.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, no Rio Grande do Sul, quase 60% dos professores de física fizeram outra graduação e 85,6% dos professores de sociologia seguiram outro curso. Também há distorções no Fundamental – nos anos finais, quase metade dos professores de Geografia seguiram outro bacharelado.
— No Censo, você vê que tem muitos professores fora de sua área. É inadmissível um professor ministrar uma disciplina que não é da área dele — afirma.
Oferecer cursos de formação a professores e diretores
Formar professores e diretores ajuda a mantê-los atualizados sobre a própria área, sobre didática e sobre como lidar com mudanças da realidade. Há mais de três décadas estudando e aplicando tecnologias variadas em sala de aula – e fora dela –, a professora da PUCRS Lucia Giraffa defende a importância da formação docente e do contato com tecnologia, questões evidenciadas em um momento como o atual.
— Sempre tivemos brecha de formação docente, e tudo o que já tínhamos se tornou mais urgente. Tem sido um período extremamente demandante, estressante, desafiador, mas também cheio de oportunidades, até para valorização do professor. Mas, ao mesmo tempo em que o contexto estressa, também oportuniza reflexões mais profundas, significativas e seletivas. É um momento importante para a sociedade perceber o que realmente é importante e valorizar a educação — define a pesquisadora, que dá aulas em cursos de Ciências da Computação e em Educação.
Melhorar infraestrutura das escolas
É mais difícil estudar sem a infraestrutura para aprender. Segundo o último Censo Escolar, quase 15% das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, que concentram a maioria dos estudantes gaúchos, não têm sequer banheiro. Outras 23% não têm laboratório de ciências e 56% não têm quadra esportiva. Pesquisadores pontuam que esse tipo de serviço deveria estar presente para todos os estudantes.
— A gente observa as escolas da rede municipal e estadual sem quadra, sem ateliê, sem salas multiuso e sem laboratório de ciência, sem nem entrarmos na questão de acessibilidade (a pessoas com deficiência). Temos escola pública sem banheiro ainda. Falta infraestrutura para o estudante — diz Rosane Zimmer, professora de Educação na PUCRS.