O Conselho da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) criticou nesta sexta-feira (18) as nomeações do presidente Jair Bolsonaro para a direção de unidades de ensino, que têm desprezado os primeiros colocados em votações da comunidade acadêmica. A associação contabiliza 14 nomeações nessas condições desde o início da gestão presidencial, o que é visto como "um ataque à autonomia constitucional das universidades federais".
Na quarta-feira (16), o professor Carlos André Bulhões Mendes foi nomeado como reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por Bolsonaro. Bulhões, apesar de integrar a lista de candidatos a reitor enviada pela UFRGS ao Ministério da Educação (MEC), não foi o primeiro colocado na consulta pública acadêmica feita em julho.
O presidente da Andifes, Edward Madureira Brasil, que é reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), defende que o primeiro da lista seja o nomeado, como vinha sendo feito há pelo menos 20 anos, mesmo que no decreto nº 1.916 de 23 de maio de 1996 esteja previsto que o presidente possa escolher qualquer nome da lista.
— Cada universidade regulamenta e define o processo de escolha de seus dirigentes e, na grande maioria das vezes, nós tivemos o respeito a essa lista e a nomeação do primeiro colocado. Do ano passado pra cá, isso deixou de ser uma prática corriqueira, e temos pessoas com percentual de representatividade muito baixo sendo nomeadas como reitores. Mesmo que legal, há um claro problema de legitimidade — comenta o presidente da Andifes.
De acordo com a instituição, o posicionamento não tem a ver com a capacidade de gestão do segundo e terceiro colocados da lista, mas sim o respeito à comunidade que se pronunciou. Casos como a nomeação de Bulhões geram estagnação, falta de estabilidade e dificuldades na administração das universidades, uma vez que o reitor não consegue colocar suas ideias em prática, aponta.
— O projeto escolhido por aquela comunidade acadêmica foi outro. A autonomia acadêmica não deve sofrer pressão de governo e qualquer grupo de interesse. A pesquisa e a ciência devem ter liberdade — completou o vice-presidente Marcus David (UFJF).
Entidade articula reação
Para assegurar que a nomeação do primeiro colocado aconteça, a Andifes está articulando com o MEC e tentando sensibilizar a população sobre os prejuízos da conduta de Bolsonaro.
— Nós estamos condenando a instituição a um retrocesso de gestão. Se quisermos um sistema robusto de pesquisa, ensino, extensão, cultura e inovação, quem deve conduzir é quem possui legitimidade. Precisamos sensibilizar o governo de que nossa defesa é a defesa do desenvolvimento científico — reforça Marcus David.
Outra alternativa seria a alteração da legislação para a dos institutos federais cujos conselhos indicam apenas um nome.
A reportagem não obteve resposta ao pedido de posicionamento feito à Presidência da República. Na ocasião da nomeação na UFRGS, o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS) ressaltou a legalidade da escolha.
— O reitor foi escolhido dentro da lei, numa lista tríplice. Quem quiser nomear o reitor, que faça 58 milhões de votos — afirmou.
Cortes orçamentários preocupam instituições
A Andifes diz que, diante dos cortes previstos no orçamento do MEC, o custeio e os investimentos das universidades federais poderão ser inviabilizados, "levando à paralisação da ciência, da pesquisa e da educação superior pública e gratuita".
— O orçamento é insuficiente para fazer face às despesas de manutenção. Tivemos 17,5% reduzidos. Estamos diante de dois problemas, que prejudicam enormemente o funcionamento das universidades, que são instituições que podem apontar uma saída segura à crise econômica e de saúde pública — destaca Edward.
A Andifes está trabalhando para reverter o corte junto ao Congresso Nacional.
Edward Madureira comenta que o corte anunciado para 2021, somado aos três anos sem reajustes, implica em algumas universidades terminando o ano com despesas em aberto e iniciando o próximo com dívidas - isso em um período em que a população estaria vivendo os impactos da pandemia de coronavírus.
— Algumas universidades não conseguiram chegar nem ao meio do ano, tendo interrupção de serviços essenciais como segurança, limpeza e energia — conta Edward.
Paralelamente, o corte atinge os recursos das políticas de assistência estudantil, o que causa suspensão de bolsas.
A segunda vice-presidente Joana Angélica Guimarães (UFSB) aponta que o corte já comprometeu a capacidade das universidades se reinventarem.
— Não há mais onde cortar, e, se continuar assim, haverá uma mudança na forma como atuamos e atendemos, tornando as universidades elitistas. A universidade de Ensino Superior terá de buscar alternativas que não condizem com sua natureza, que é a qualidade, democracia, acesso público, perdendo o patrimônio construído até aqui — diz.
Em nota, o MEC disse que a crise econômica causada pela pandemia fará com que a administração pública tenha de lidar com redução no orçamento, "o que exigirá um esforço adicional na otimização dos recursos públicos e na priorização das despesas".
"Objetivando minimizar o impacto da redução do orçamento para 2021, além da liberação de 100% dos recursos alocados diretamente nas universidades federais na LOA de 2020, o MEC liberou recursos adicionais para as universidades voltados a projetos de redução de despesas, como, por exemplo, painéis fotovoltaicos, vigilância eletrônica, conclusão de obras para redução de aluguéis, ações de inovação, combate à pandemia da covid-19, conectividade à internet, entre outras, que totalizaram aproximadamente R$ 450 milhões", disse o MEC.