O vice-presidente Hamilton Mourão defendeu que estudantes de universidades federais paguem uma taxa mensal, desde que tenham condições financeiras. O dinheiro arrecadado poderia ser canalizado para alunos mais carentes. GZH apresenta duas opiniões sobre o tema:
A universidade pública é capaz de competir?
Vítor Höher Nunes*
Algumas das críticas dos liberais às intervenções estatais são os seus efeitos inesperados, que temos dificuldade de mensurar ou até mesmo prever. O atual formato do ensino superior público é um dos exemplos disso. A gratuidade da universidade pública gera uma competição ferrenha pelas poucas vagas. Na prática, a maior parte delas acaba sendo preenchida por estudantes advindos de colégios particulares e que tiveram condições de investir em um bom curso pré-vestibular.
Uma parcela significativa de alunos de universidades públicas é composta de estudantes de classe média-alta que teriam condição de pagar pelo próprio ensino. Assim, temos uma transferência de recursos dos impostos, financiados por toda população, para um pequeno grupo de alunos que não precisaria de nenhum tipo de subsídio para ter um ensino de qualidade.
Recentemente, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu que, quem tivesse condições financeiras, deveria arcar com os custos do seu ensino, caso estivesse em uma universidade pública. Tal medida poderia ter alguns efeitos interessantes. Boa parte da reputação das instituições públicas de ensino advém do fato de contarem com alunos de elite do país, que tiveram uma educação de base de alto nível e são atraídos pela ausência de custo. Se tiverem que pagar de qualquer forma, o único incentivo para alguém escolher uma universidade estatal seria a qualidade do seu ensino. Caso a iniciativa privada ofereça uma educação mais qualificada, os alunos naturalmente migrarão para lá.
Por mais que uma instituição privada ofereça um bom serviço, é difícil concorrer com alguém que não cobra nada pelo atendimento. Em pé de igualdade, a qualidade ofertada ao estudante será o mais preponderante. Além de tudo, o objetivo de uma universidade pública deveria ser auxiliar na formação de uma elite intelectual no país, não um instrumento de transferência de renda de A para B. Se a universidade pública não conseguir formar alunos qualificados competindo em condições de igualdade com a iniciativa privada, nem deveria existir.
*Diretor de Formação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE)
diretoriaformacao@iee.com.br
Ensino público é direito garantido na Constituição
Dilvo Ristoff*
Instituir o Ensino Superior público pago é afrontar o princípio constitucional da gratuidade (Art. 206). Sim, a Constituição, feita por brasileiros, pode ser por eles desfeita. No entanto, enquanto não for, o ensino público será gratuito em instituições oficiais. Mudar este preceito requer debate de toda a sociedade. Trata-se de princípio! E de princípios não se abdica por razões levianas.
Devemos mudar a Constituição para que ela diga que o ensino deve ser pago nas instituições públicas? Claro que não! O princípio é bom! Numa sociedade justa, a educação deve ser direito de todos e não privilégio de alguns, como, aliás, também prevê a Constituição (Art. 205).
Seria, evidentemente, uma insensatez defender ensino gratuito em instituições elitistas. Foi por isso que o campus público mudou nos últimos anos, graças a Sisu, Reuni, Lei das Cotas, etc. O propalado elitismo da universidade pública é coisa do passado. Para registro: 70% dos seus estudantes têm renda familiar de até 1,5 salário mínimo e raros são os bem aquinhoados (ver estudo da Andifes). Sustentar que a universidade pública deve ser paga porque lá só estudam os ricos é desinformação ou desonestidade.
Mais: a universidade pública gratuita não é invenção brasileira. Na Europa, muitos países têm gratuidade total (Alemanha, Suíça, Noruega, Suécia, Finlândia etc.). Alguns cobram taxas irrisórias e poucos cobram valores mais altos. Junto-me aos países com total gratuidade e, também, aos que aprovaram a nossa Constituição, por entender que, sendo a educação direito de todos, cabe ao Estado buscar, pela cobrança de impostos, os recursos que assegurem esse direito.
Propor que a universidade pública seja paga significa negar o bom princípio afirmado na Constituição para toda a educação pública. Por essa lógica, caberia negar também a gratuidade na educação básica e retornar ao tempo em que ela era privilégio de poucos. Não há mais espaço para tamanho retrocesso.
*Professor do programa de mestrado em Métodos e Gestão da Avaliação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)