Eles já descobriram a América junto com Cristóvão Colombo. Estiveram ao lado de combatentes na Segunda Guerra Mundial. Visitaram museus ao redor do mundo. E até deste planeta já saíram, vendo a Terra a partir do espaço, rodeados de estrelas – tudo em segurança, sem sair da escola. Com uso da realidade virtual, alunos de Pelotas, no Sul do Estado, estão vivenciando o mundo, e até o universo, com experiências atuais e históricas que enriquecem em muito seu aprendizado.
Ao colocarem os óculos, eles enxergam um ambiente totalmente novo. Imersos, conferem, na prática, alguma outra realidade. E se transportam como se realmente estivessem presentes em um local diferente. E isso não se limita a experiências impossíveis: alunos do Ensino Fundamental e Médio já conferiram, por exemplo, em primeira pessoa, como é o dia a dia de alguém com deficiência visual e se colocaram na pele de uma pessoa em cadeira de rodas.
A realidade virtual é aplicada como complemento de algumas aulas a turmas da educação infantil ao Ensino Médio, com especial ênfase no final do Ensino Fundamental, na Escola Santa Mônica, da rede privada. A iniciativa começou em 2017, e tem ganhado força desde então, sendo aplicada a disciplinas tão variadas quanto Física e Língua Portuguesa, Artes e Geografia. Unindo educação e tecnologia, a prática vai ao encontro do que revelou uma pesquisa divulgada pelo Google na semana passada: 95% dos professores brasileiros acreditam que levar a tecnologia para a sala de aula prepara os estudantes para o futuro.
— Essa é uma ferramenta poderosa. A gente consegue ir muito além, porque o aluno vivencia aquilo que ele está estudando. Ele experimenta. Então não fica somente no abstrato — diz Elizangela Laroque, coordenadora de tecnologia educacional do colégio.
Em uma dessas aplicações da realidade virtual, estudantes do 3° ano do Ensino Fundamental viam, muitos pela primeira vez, vídeos com imagens em 360°. Um deles os colocava dentro de um lixão: amontoados de resíduos à frente, atrás, abaixo, de ambos os lados, para onde quer que eles olhassem. A professora, diante de uma sala de aula alvoroçada – porque todos queriam participar de uma vez, mas são apenas cinco óculos de realidade virtual disponíveis para as três unidades da escola, que soma 1,4 mil alunos –, tentava repassar lições sobre sustentabilidade aproveitando a visita virtual àquele cenário.
— Eu vi todo aquele lixo... fiquei preocupado. Estava vendo a poluição do ar, assim, subindo – descreve Gabriel Barboza Lhullier, nove anos, animado com a experiência e logo se conscientizando sobre os problemas apresentados no vídeo imersivo.
— Mas é bem legal. É uma experiência nova, né? Porque eu nunca usei óculos de realidade virtual. Eu achei bem interessante — completa ele.
Sua colega Valentina Porepp Verli, oito anos, chegou a se assustar.
— Eu tive que fechar os olhos uma hora porque fiquei com muito medo. Vi um monte de mosquitos no céu... Eu era um mosquito, na realidade — diz ela, recuperando o fôlego.
Mas tanto Gabriel quanto Valentina conseguiram relacionar o vídeo com aprendizados importantes: o mosquito Aedes aegypti precisa ser combatido, não se deve deixar pneus com água parada, é preciso eliminar suas larvas, se não eles vão transmitir doenças como a dengue, entre outras.
— A tecnologia vem em benefício da educação. E, quando bem utilizada, é sensacional, e ajuda realmente o aluno... É fantástico. Ele desenvolve muito mais rapidamente a noção do conteúdo, e também consegue perceber a utilização futura daquilo que ele está vendo em sala de aula – descreve Ênio Ludtke Ferreira, diretor geral da Escola Santa Mônica.
Em outra turma, no 1° ano do Ensino Médio, já mais acostumada ao uso dessa tecnologia, os alunos aprendiam conteúdos de Física. Divididos em grupos, alguns faziam um trabalho por escrito enquanto seus colegas ora usavam o equipamento para se sentirem flutuando pelo espaço, enxergando a Terra à frente e o Sol acima, ora erguiam tablets para, com o uso de realidade aumentada, ver surgirem planetas na tela a partir de uma simples folha de ofício.
— Eu gosto dessas atividades porque consigo vivenciar aquilo que estou aprendendo. Então eu compreendo melhor porque não penso só “ah, vou escrever isso e aquilo que a professora me explicou”. Por mais que eu também entenda dessa forma, quando tu vivencia, parece que aquilo te dá uma visão maior, mais ampla – conta a estudante Helena Boeira, 15 anos.
Não é sempre que o método encontra aplicação em sala de aula: em 2019, os alunos do 1° ano do Ensino Médio só tinham usado a tecnologia em duas outras oportunidades, para aprender mais sobre o acidente nuclear de Chernobil para uma aula de História e sobre a Grécia Antiga em lições de Filosofia. Mas, quando veem os óculos de realidade virtual a postos, os jovens sempre se motivam.
– Dá um ânimo a mais, muda o ritmo. Às vezes tu está dentro de uma matéria há muito tempo e assim e, de repente, entende alguma coisa que não tinha entendido com o professor. Eu acho isso muito interessante. É um ambiente mais relaxado. Tu não tem que ficar na mesa, em filas, olhando para o quadro todo o tempo, sabe? – garante Vítor Aguilera de Castilhos, 15 anos.
Ação social em asilo
E não são só os alunos que aproveitam as vantagens da imersão promovida pelos vídeos de realidade virtual.
– Depois de vermos que o uso da tecnologia foi bem explorado em sala de aula, nós fomos além dos muros da escola. Foi aí que nós levamos os alunos e os óculos de realidade virtual para um asilo da cidade – explica Eliz, a coordenadora de tecnologia educacional.
Há alguns anos, alunos da escola têm visitado o Asilo de Mendigos de Pelotas em ações sociais que envolvem leituras, jogos e simples conversas, que já bastam para animar o dia dos moradores. Desde o ano passado, uma turma dos Anos Finais do Ensino Fundamental, pensando em aplicar a tecnologia também a essas visitas, passou a perguntar aos idosos: o que vocês mais gostam de fazer? Do que mais sentem saudades? Quando a resposta envolvia conhecer algum lugar ou reviver uma experiência, eles viam que podiam ajudar.
– Sinto saudade de dirigir um caminhão. Eu era motorista – declara um dos idosos, sentado em uma sala onde assistia televisão com outros moradores.
Portando um dos óculos de realidade virtual, José Vítor Valadão, 15 anos, trata de encontrar um vídeo que mostra, em primeira pessoa, a experiência de um motorista de caminhão.
Coloca, cuidadosamente, o aparelho frente aos olhos de um senhor que tem, acoplada à frente do andador, uma placa com seu nome pendurada – e recente, porque é do atual modelo do Mercosul. É então que o idoso se transporta para outro mundo.
— Tá muito rápida essa direção? — questiona José. — Vai me avisando!
— Não, tá bom! Estou dentro de um caminhão de novo! — comemora o senhor de 74 anos.
— E o que o senhor está sentindo?
— Nossa, como era bom! É muito bom recordar — responde ele, enquanto mexe a perna direita em movimentos involuntários, como se estivesse pressionando o pedal do acelerador novamente.
Alguns minutos depois, os dois desatam a conversar: sobre os lugares que cada um já visitou, as experiências, as sensações, como era o mundo ontem e como está hoje (“a gasolina era barata naquele tempo” é uma das frases que saem desses diálogos). Ambos ficam aprendendo com as interações, tanto tecnológicas quanto pessoais.
Os outros idosos que se interessam pela oportunidade querem relembrar situações diferentes, como caminhar por um parque repleto de verde, relembrar um dia na praia ou conhecer um país que visitaram há muito tempo ou nunca conheceram. Em todas as trocas, o aprendizado se faz presente.
— É uma ação de respeito ao próximo. A gente vê que todos eles estão descobrindo alguma coisa. Seja a mexer em uma tecnologia nova, seja a ouvir os mais velhos. E isso é algo que eles comentam durante muito tempo depois da visita — relata Marina Heineck, professora de Artes da Escola Santa Mônica.
Mesmo dentro do colégio, a ideia é que os alunos, sempre que for adequado, possam sair da sala de aula para ter outras experiências.
O que não necessariamente envolve deixar o ambiente escolar: com áreas dedicadas à robótica, à língua estrangeira, à matemática, os jovens conseguem vivenciar cada conteúdo de maneiras diferentes. Assim, se motivam, cada vez mais, a moldar a própria realidade – e não só a virtual.
O projeto
O que é?
Utilização de óculos de realidade virtual aplicados à educação. Com o equipamento, os alunos podem vivenciar um objeto de estudo em 360º sem sair da escola. A solução inovadora funciona como um convite à imersão em um ambiente virtual para que se possa fazer novas descobertas em ambientes diferenciados.
Quem faz?
Alunos dos primeiros anos do Ensino Fundamental ao final do Ensino Médio na Escola Santa Mônica, de Pelotas, em todas as disciplinas.
Desde quando?
A iniciativa teve início em 2017.
Responsável
Elizangela Laroque, coordenadora de tecnologia educacional da escola.
Objetivo
Promover o uso da tecnologia de realidade virtual no processo de ensino e aprendizagem, despertando maior interesse dos alunos e tornando o aprender e o ensinar ainda mais significativos.
Conquistas
- Prata no 13º Prêmio de Responsabilidade Social do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS) na categoria Participação Comunitária com o projeto “Uma viagem solidária por meio da realidade virtual” (2018);
- Prata no 8º Prêmio Inovação na Educação do Sinepe-RS na categoria Área Fim com o projeto “Educação Imersiva através da Realidade Virtual” (2017);
- Finalista do 6° Prêmio RBS de Educação com o projeto “No universo da sabedoria” (2018).
Saiba mais
escolasantamonica.com.br