Um robozinho que se move de maneira autônoma, um carrinho improvisado controlado por aplicativo, caixas e mais caixas de materiais como fios coloridos e chips. Turma formada, em sua maioria, por adultos e, à frente, o professor vestindo uma camiseta com o logotipo da série Star Wars. É esse o cenário que é montado, semanalmente, nas sextas à noite, nas aulas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola pública de Alvorada.
No período noturno, a sala 19 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Alfredo José Justo, que pela manhã recebe alunos dos anos finais e, à tarde, dos anos iniciais, concentra pessoas de realidades muito diferentes. Os 25 estudantes têm entre 16 e 51 anos e históricos variados que os levaram a abandonar os estudos na idade escolar adequada.
Alguns tiveram de começar a trabalhar muito cedo, outros não levavam a escola a sério em idade infantil e, depois de um tempo – seja na busca infrutífera por um emprego, ou por uma mais ampla dificuldade de se adaptar ao mundo –, perceberam que estar na sala de aula é essencial.
– Nós temos alunos que estão há muito tempo repetindo o ano, temos ex-alunos que não concluíram os estudos e voltam para a EJA, temos aqueles que precisaram sair para trabalhar e não concluíram o Fundamental, mas depois viram a importância disso. E temos uma gurizada que largou por “malandragem” e agora está vendo que não consegue emprego sem essa formação – detalha João Stasiuk, vice-diretor da escola.
Para frequentar a EJA, o aluno deve ter, no mínimo, 15 anos completos. Até os 14 anos, deve estar matriculado nas escolas de ensino regular.
Mesmo diante das dificuldades e das diferenças, a turma da sala 19 se mostra unida pela vontade de concluir essa etapa e obter o diploma de Ensino Fundamental. E todos têm descoberto, na robótica, uma importante aliada.
– Essa questão de socializar a informação, trocar ideia, deixar um pouco de lado só o virtual, a rede social, e ir para uma prática real, com problemas, com erros e acertos, com discussão e aprendizado... Isso é essencial para eles poderem trabalhar com outras pessoas, tomar decisões, fazer projeções – garante o professor de matemática, física e robótica Cilon Nunes.
A intenção dele é fazer da robótica educacional, para esses jovens e adultos, uma ferramenta de auxílio na preparação para o mercado de trabalho, com especial ênfase para aquelas vagas que demandam conhecimentos básicos de tecnologia da informação – que são, apressa-se a explicar Cilon, maioria na atualidade.E a metodologia tem dado efeito. Mãe de quatro filhos, a estudante Angelita Raupp, 38 anos, conta que as atividades práticas a estimulam a aplicar as lições no seu dia a dia, em casa e no trabalho.
– Já olho os fios e quero mexer, saber como foram feitos. Dá vontade de aprender. Logo, logo, vou começar a desmontar tudo lá em casa porque quero conhecer como as coisas funcionam. Meu filho mais novo vai adorar! – diverte-se Angelita.
As atividades são feitas em pequenos grupos, dando a oportunidade para que cada integrante mexa nas peças, conecte os fios, erre, tente de novo, acerte, aprenda. Assim, explica o professor Cilon, os alunos desenvolvem suas relações interpessoais, socializam informações e conhecimento, interagem, dialogam, cooperam. Preparam-se, enfim, melhor para o mundo, e isso enquanto aprimoram seus conhecimentos na busca por um emprego – ou por uma vaga melhor.
– É bem importante a preparação para o mercado de trabalho. Isso é necessário para todos devido à alteração que as profissões estão recebendo com a tecnologia. E especialmente relevante para os alunos da EJA – explica Cilon.
A prefeitura de Alvorada incentiva as atividades, tendo fornecido, no ano passado, os kits que o professor tem utilizado em aula e incluindo, na sua folha de pagamento, as horas em que o docente desenvolve a aplicação da robótica na escola. Conforme a secretária de Educação, Viviane Dutra, “a robótica é de extrema importância para propiciar aos alunos da rede municipal de ensino um conhecimento dinâmico e diferenciado”.
Em uma noite de junho, os alunos aprendiam sobre eletricidade enquanto aplicavam princípios de robótica. Cada grupo havia recebido um “kit Arduino”, nome dado a uma placa semelhante a um pequeno computador muito utilizada para ensinar informática de maneira didática. Os alunos, um por um, montavam, do zero, um circuito elétrico simples.
– Se você conectou deste lado, só este lado vai ter fluxo de corrente – orientava o professor, dando lições sobre a ligação de um circuito elétrico.
Era uma das primeiras aulas de robótica da totalidade T4 – que equivale, aproximadamente, aos anos finais do Ensino Fundamental – da Educação de Jovens e Adultos na escola Alfredo José Justo. Entre curiosos e desinteressados, os alunos ora prestavam atenção, ora mexiam no celular, ora conversavam. Até que uma caixa é aberta no meio da sala.
De lá, Cilon retira alguns robôs que lembram versões pequenas de rovers dedicados à exploração espacial – você provavelmente já os viu em fotos recentes tiradas em Marte, ou recorda do formato graças a personagens animados de filmes como Wall-E. O professor mostra-os rapidamente para a turma e logo os coloca no chão. É então que as máquinas começam a vagar pelos corredores da sala, atraindo olhares, agora, totalmente interessados.
– Isto aqui foram colegas de vocês que fizeram em outros anos. Trouxe eles aqui para que vocês tenham um primeiro contato. E fiquem com água na boca – atiça o professor.
– Que bonitinho! – exclamava Michele Silva, 18 anos, logo sacando o celular para tirar fotos da novidade.
– Não fui eu que fiz, tá? Só ajudei. Quem fez foram meus alunos de EJA em 2018 – garante o docente, indicando que aquela turma também poderia atingir resultados semelhantes.
Enquanto Cilon explicava como os robozinhos foram feitos, sua ex-aluna Bruna Diana, 19 anos, hoje estudante de Pedagogia, controlava um deles pelo celular (e ambos não perderam a oportunidade para falar sobre como funciona a conexão via Bluetooth de aparelhos eletrônicos). Bruna, uma entusiasta do método e exemplo da sua eficácia, estava a postos para ajudar os alunos de EJA em seus primeiros passos na temática.
– Já entendi como funciona! Ele tem um senso de aproximação – descreve um dos alunos mais velhos, que trabalha com instalação e conserto de ar-condicionado e preferiu não ser identificado (nem todos sentiram-se à vontade em aparecer para as câmeras).
Olhando animados para os robôs que se mexiam pelo chão – e ora batiam em algum obstáculo, ora desfilavam incólumes entre as mesas – , os alunos revelavam um misto de admiração e preocupação.
– Achei que a gente fosse ter que fazer algo parecido hoje, já. Mas não. Ufa! Vai ser passo a passo – diz, aliviada, Michele.
Passado esse contato inicial, o professor pergunta:
– E aí, o que estão achando? Tá tranquilo, tá favorável?
– Não tá, não! – responde uma jovem. Colegas ecoam sua reação.
– Que bom, não é para estar mesmo – retruca Cilon, sabendo das dificuldades.
A novidade assusta, no começo, mas depois eles vão se acostumando.
– Achei que ia dar um choque. Ele ligou o robô e me assustei! Não sabia o que ia acontecer. Deu medo, mas depois foi tranquilo – acrescenta Bárbara Alves, 17 anos.
Já são 22 anos de docência para Cilon, que desde 2010 tem utilizado a robótica em sala de aula. Em anos anteriores, as lições foram dadas também para turmas de Ensino Fundamental e Médio, das redes particular e pública, em várias cidades da Região Metropolitana.
Bruna Diana, que auxiliava o professor na aula, é uma entusiasta da robótica, com que teve contato ao longo dos ensinos Fundamental e Médio em duas escolas públicas de Alvorada. Em seus estágios e depois de graduada, a jovem pretende aplicar o mesmo método.
– As pessoas atualmente têm uma tendência de serem um pouco mais agitadas. Quando trabalhamos com algo concreto, a aprendizagem fica mais rápida e interativa. Essa questão de visualizar, de tocar, ajuda muito. E pode ser aplicado para estudantes de qualquer idade.
Ao fim da aula, os alunos, já bem mais admirados que assustados, queriam logo conseguir resultados. Antes mesmo de acionarem uma luz de LED na placa Arduino, já queriam fazer um robô que, assim como os que eles viram na sala, também se mexesse por aí. Mas não são assim que as coisas funcionam, como explica o professor, aproveitando para dar uma lição para a vida.
– Às vezes, robótica é questão de paciência. Ela vai ajudar vocês, sejam mais jovens ou já veteranos, a ter mais calma para enfrentar os problemas – garante ele, que conclui, diante da impaciência dos jovens e adultos na sala:
– Não importa agora se você fez certo ou errado. O importante é tentar. E não desistir.
O projeto
- O que é? Robótica educacional para estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
- Quem faz? Estudantes da EJA nas turmas T3 e T4 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Alfredo José Justo, em Alvorada
- Desde quando? As aulas para a Educação de Jovens e Adultos começaram em março de 2018, mas a metodologia tem sido desenvolvida no município, em diferentes séries, desde 2010
- Responsável: professor Cilon Everaldo da Costa Nunes
- Apoio: prefeitura de Alvorada, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Smed)
- Objetivo: capacitar melhor, com lições práticas, os estudantes da EJA para o mercado de trabalho
- Conquistas: o professor calcula que tenha capacitado mais de 500 alunos no uso de novas tecnologias por meio das aulas de robótica
- Para saber mais: cilonnunes.blogspot.com