O anúncio de que todas as universidades federais do país terão um corte de 30% em seu orçamento neste ano foi recebido com preocupação por reitores do Rio Grande do Sul. Eles afirmam que as instituições já sofrem com falta de recursos, não têm mais onde cortar despesas e podem ver-se diante de uma situação insustentável.
O bloqueio geral das verbas – que inclui também os institutos federais – foi comunicado na noite de terça-feira (30) pelo secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Arnaldo Barbosa de Lima Junior, em uma entrevista ao Jornal Nacional. Veio depois de um outro anúncio, segundo o qual perderiam os 30% apenas a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), punidas por causa do que o ministro Abraham Weintraub definiu como "balbúrdia" nas instituições.
Com a revelação de que a redução de gastos seria generalizada, os reitores começaram a fazer as contas – e a concluir que elas não fecham. No comando da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paulo Burmann afirma que a medida do governo é um "ataque duro" que vai "levar à insustentabilidade da instituição". O reitor entende que o corte ocorre no contexto de uma "caricatura" que foi feita da universidade pública, jogando a sociedade contra as instituições.
— Trabalhamos sem recursos de capital, já bloqueados no início do ano, o que leva a preocupação em relação às obras em andamento. Um grande percentual, mais de 80%, está concluído. Embora tenha havido manifestação dizendo que obras em andamento com percentual elevado de conclusão serão garantidas, não temos essa segurança. Cada dia é um dia. Não conseguimos executar o planejamento por conta da incerteza do orçamento. Trabalhamos extrapolando todos os limites — lamentou.
O reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Vicente Oppermann, ressalvou ainda não ter recebido confirmação da redução dos repasses, mas considerou o quadro "muito grave", com impactos sérios no ensino, na pesquisa e na extensão universitária. Oppermann diz que ainda não há informações sobre se a tesourada inclui os 25% de corte já anunciados no início do ano – ou seja, mais 5% sobre o orçamento total – ou se representaria 30% adicionais.
— Aí, sim, seria absolutamente inaceitável. Trabalhamos com isso (os 25% a menos) e sabemos que teremos grandes dificuldades de alcançar o fim do ano fazendo as atividades que realizamos.
Oppermann também se posicionou sobre as acusações de "balbúrdia" feitas pelo ministro, que ele acredita que não possam ser dirigidas a UFRGS:
— Sobre a chamada "balbúrdia" e presença de sem-terra, quero ratificar que a universidade tem autonomia e liberdade. Ela é um espaço crítico de construção de cidadania e, por ser pública, todos têm acesso e direito de usar.
Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o reitor Pedro Hallal avalia que o corte "inviabiliza o funcionamento da instituição". Ele afirma que, nos dois anos e meio de sua gestão, o orçamento foi inadequado e que, mesmo assim, a universidade conseguiu se encaixar, fazendo uma série de cortes:
— Tudo que era minimamente excessivo nós cortamos. No primeiro ano, conseguimos uma economia de quase R$ 10 milhões mexendo nos terceirizados (limpeza, portaria etc). Uma redução de mais de 10%. De lá para cá, a UFPel convive com um cenário em que empata as contas de custeio.
Hallal observa que o orçamento nominal da universidade, da ordem de R$ 800 milhões, na verdade é uma ficção, porque mais de 90% desse valor é destinado a servidores ativos ou aposentados, sem ser gerenciado pela reitoria. Sobram R$ 70 milhões, que afetam principalmente o custeia – despesas como energia elétrica e papel higiênico para os banheiros:
— Há muitos anos estamos escolhendo qual conta pagar. No fim do ano, conseguimos entrar em dia com todo mundo ou quase todo mundo. Se essa redução se confirmar, não conseguiremos pagar. Não temos margem para corte de custeio nenhum. Para mim, é lamentável, pois esse corte não é verdadeiro. É uma chantagem para aprovação da reforma da Previdência. É uma postura quase que infantil.
Situação semelhante à UFPel vive a Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA). Lucia Campos Pellanda, reitora da instituição, diz que há dois anos convive com um grande contingenciamento.
— Reduzimos tudo o que deu para não prejudicar a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Nossos cursos têm alta densidade tecnológica. Requerem muitos equipamentos, laboratórios e professores. Dessa forma, fica muito crítico. Faltarão insumos para os laboratórios.
Lucia afirma que a universidade trabalha no limite e que o bloqueio vai obrigar a instituição a fazer cortes de terceirizados.
— Tentamos preservar os empregos, pois sabemos que essas pessoas dependiam disso, mas com a medida vamos ter que cortar, o que é muito ruim.
A Universidade Federal do Rio Grande (Furg), segundo a reitora Cleuza Dias, vive desafios orçamentários semelhantes:
— O orçamento atual já não era suficiente, o que nos levou a reduzir serviços de apoio como limpeza, vigilância, portaria, entre outros. Um bloqueio de 30% sobre esse valor inviabiliza atividades fundamentais para a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Estamos apreensivos e esperando mais esclarecimentos do MEC.
Já o reitor da Universidade Federal do Pampa, Marco Antonio Fontoura Hansen, diz que os cortes irão provocar o sucateamento das instituições.
— Espero haver bom senso do MEC, nossa mantenedora, pois desde 2016 estamos na Unipampa fazendo ajustes e chegamos no limite, sem cortes. Em havendo um corte de 30% fica praticamente inviável, em termos de custeio, atingir as metas e inclusive administrar a universidade.
Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o reitor Jaime Giolo projeta um cenário de paralisação das atividades, caso os cortes atinjam as verbas básicas para a manutenção dos cursos.
— Se esse corte de 30% atingir todas as despesas discricionárias, inclusive a assistência estudantil, será um cenário muito difícil para a UFFS, uma vez que a universidade não tem como atender isso e fazer a ginástica de atender as outras demandas de custeio. Se chegarmos na impossibilidade de pagar contratos de energia, de água, de terceirizados, da compra de material básico para o dia a dia da instituição, daí a situação fica mais grave, porque as instituições terão que parar de funcionar.
Reforma da Previdência e melhora da economia como fatores
Em nota encaminhada a GaúchaZH nesta quarta-feira (1º), o Ministério da Educação condicionou qualquer revisão do corte de 30% que foi anunciado à aprovação da reforma da Previdência e à melhora da economia no segundo semestre.
O comunicado também afirma que "o critério utilizado para o bloqueio de dotação orçamentária foi operacional, técnico e isonômico para todas as universidades e institutos, em decorrência da restrição orçamentária imposta a toda Administração Pública Federal por meio do Decreto n° 9.741, de 28 de março de 2019". De acordo com o MEC, do orçamento anual de despesas da Educação, de R$ 149 bilhões, R$ 24,64 bilhões referem-se a despesas não obrigatórias, dos quais foram contingenciados R$ 5,8 bilhões. O ministério definiu o bloqueio como "preventivo" e disse que ele incidirá sobre os recursos do segundo semestre, "para que nenhuma obra ou ação seja conduzida sem que haja previsão real de disponibilidade financeira para que sejam concluídas".
Em meio à polêmica, o ministro Abraham Weintraub se manifestou pelo Twitter, na manhã desta quarta-feira, dizendo que "para quem conhece universidades federais, perguntar sobre tolerância ou pluralidade aos reitores (ditos) de esquerda faz tanto sentido quanto pedir sugestões sobre doces a diabéticos".
Números das instituições
UFRGS
- Orçamento 2019: deve repetir o de 2018, de R$ 178 milhões*
- Estudantes (graduação e pós): 45 mil
- Professores: 2,6 mil
- Técnicos-administrativos: cerca de 2,6 mil
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
- Orçamento 2019: R$ 140 milhões*
- Estudantes: 28 mil
- Professores: 2 mil
- Técnicos-administrativos: cerca de 2,7 mil
Universidade Federal e Pelotas (UFPel)
- Orçamento 2019: R$ 70 milhões*
- Estudantes: 20 mil
- Professores: 1350
- Técnicos-administrativos: cerca de 1,3 mil
Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
- Orçamento 2019: (não informado)
- Alunos (graduação e pós): 11,2 mil
- Professores: 825
- Técnicos-administrativos: 1,1 mil
Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA)
- Orçamento 2019: R$ 31 milhões
- Estudantes: 4.653
- Professores: 377
- Técnicos-administrativos: 215
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
- Orçamento 2019 : R$ 58.255.197,00
- Estudantes: 9.763
- Professores: 712
- Técnicos-administrativos: 693
*Os valores correspondem apenas à verba destinada às despesas de custeio (aquelas que mantêm a instituição em funcionamento, como luz, água, telefone e serviços de limpeza, por exemplo) e de capital (que inclui obras, compra de livros e equipamentos). O montante destinado às folhas de pagamento não entra nesse cálculo.
**GaúchaZH também tentou, sem sucesso, os dados da Unipampa.