Caso seja aprovada sem alterações pelo Congresso Nacional, a reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro terá de encarar um desafio em plena ascensão no Brasil nos últimos 25 anos. Conforme identifica o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), trata-se da geração "nem, nem" madura, a faixa que fica entre 50 e 64 anos de idade. Esses trabalhadores não estão atuando nem estão aposentados. Uma população sem renda que tem em comum a baixa escolaridade, uma barreira a mais para um novo emprego. Esse contingente mais do que dobrou nos últimos 25 anos, chegando a 7,3 milhões de brasileiros em 2017, dado mais atual do instituto.
— Nosso estudo começou com homens, mas nos últimos anos começamos também a focar nas mulheres. O recorte até 64 anos prevê a proposta de reforma da Previdência do governo, que coloca a idade mínima de 65 anos para homens. Essa faixa sem emprego não consegue contribuir para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com os anos que faltam para se aposentar, é uma espécie de limbo — explica a pesquisadora do Ipea e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ana Amélia Camarano.
A Previdência que o governo propõe prevê idades mínimas de 62 anos para mulheres e de 65 anos para homens, com pelo menos 20 anos de contribuição para ambos. O maior crescimento dessa população no período estudado foi entre os homens. Eram quase 300 mil em 1992 e passaram para cerca de 1,7 milhão em 2017, aumento superior a cinco vezes. Entre as mulheres, passaram de 3 milhões para 5,6 milhões no mesmo período, alta superior a 86%. Como as mulheres, tradicionalmente, ficavam fora do mercado e atuavam em atividades domésticas, os números são maiores. Em comum, a maior parte dessa geração tem a baixa escolaridade. Cerca de 75% desses trabalhadores não têm o Ensino Fundamental completo.
— Também existe o preconceito do empregador em relação ao empregado mais velho. Acha que esse trabalhador tem menor produtividade, menor força física, mais problemas de saúde. E, cada vez mais, consideram esse perfil mais difícil de se adaptar às mudanças tecnológicas — avalia Ana Amélia.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), referente ao 4º trimestre de 2018, aponta que a faixa acima dos 60 anos representa 2,6% dos mais de 12 milhões de trabalhadores desocupados no Brasil (312 mil). A maior fatia de desempregados concentra-se entre 25 e 39 anos, com 34,4% (4,1 milhões). Os números diferem do Ipea, já que a PNAD baseia-se em amostra de domicílios e não faz recorte específico na faixa entre 50 e 64 anos.
Cerca de 2,5 mil vagas mapeadas
O estudo do Ipea descreve o dia a dia da agência do Sine Estadual no centro de Porto Alegre. Para quem atende ao público que vai ao local em busca de uma vaga, a presença de cabelos brancos na sala de espera virou rotina. Tanto os "nem, nem" quanto outra fatia de maduros que poderiam ser chamados de "nem, com" — sem emprego, mas já recebendo do INSS.
— Eu faço bastante atendimento e chama a atenção a procura de vagas por pessoas acima dos 50 anos. Muita gente que não está aposentada ainda. Mas também há os aposentados que não estavam mais empregados, mas que se viram obrigados a voltar a trabalhar para reforçar a renda da família — conta a coordenadora da agência, Bárbara Barbieri.
Ela destaca a dificuldade que o pouco estudo acrescenta no caminho desses desempregados. Há empregadores que procuram, por exemplo, serventes de obras com Ensino Médio. Mas ela destaca iniciativas que pretendem aproveitar o que essa mão de obra tem de melhor, como experiência e responsabilidade. Uma delas é a plataforma MaturiJobs, criada para recolocar pessoas mais velhas no mercado, que chegou com mais força ao Estado neste mês em uma parceria com a Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (Anapps). O portal mapeou 2,5 mil vagas para pessoas com mais de 50 anos no Rio Grande do Sul.
Segundo o IBGE, o Brasil teve aumento na geração de empregos para pessoas acima dos 60, mas o ritmo é inferior ao da elevação populacional. Entre o final de 2012 e 2018, a participação dos trabalhadores mais velhos cresceu 1,6 ponto percentual, indo de 6,5% (5,826 milhões) para 8,1% (7,507 milhões) de todos os ocupados. Acontece que, no mesmo período, essa parcela de pessoas avançou 2,8 pontos, de 16,6% (26,212 milhões) para 19,4% (33,077 milhões) do total da população.
Especialista em mercado de trabalho, a coordenadora de Recrutamento e Seleção da AST Facilities Ticiana Teixeira indica que uma defesa contra eventual preconceito de empregadores pode estar nas mãos desses trabalhadores.
— Para essa faixa etária, ainda mais, disposição é a palavra-chave. É preciso mostrar na seleção que se tem agilidade, vitalidade para assumir a vaga, aceitando a mesma cobrança que um funcionário mais jovem tem. Essa postura quebra preconceitos que o empregador tenha quanto à capacidade do profissional mais maduro — pontua.
Jorge aposta na experiência
Aos 53 anos, o pedreiro Jorge Rangel de Rangel diz estar no auge da sua capacidade. Construir é o ofício ao qual se dedicou por quase toda a vida e, por causa desse trabalho, acabou em canteiros de obras por todo o Brasil. Jorge passou por Pernambuco, Minas Gerais, e Rio de Janeiro, onde participou de um trabalho dos quais mais se orgulha: as obras de reforma do Maracanã.
— Trabalhei na obra da parte nova do Maracanã. Fazia de tudo um pouco, ia de carpinteiro de ferreiro. Acho que dormia umas cinco ou seis horas por dia só — lembra.
Nos últimos dois anos, atuava em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, na construção de silos para armazenamento de grãos. A rotina impunha ficar longe de casa, na zona sul de Porto Alegre, para onde retornava a cada 15 dias. Mas no final de 2018, acabou demitido e voltando para a Capital. Jorge refez seu currículo e, quase todas as manhãs, sai para entregá-los tanto em canteiros de obras quanto em empresas de seleção para serviços gerais. À tarde, faz o que pode para ajudar nas atividades do lar, como pequenos consertos e limpeza. Sobre aposentadoria, mesmo tendo começado aos 14 anos, não tem perspectiva de receber o benefício. Há períodos em que atuou sem contribuir para o INSS.
Junto com o seguro-desemprego, cuja última parcela já foi paga, a aposentadoria da mulher ajuda nas contas de casa. Exemplo clássico do perfil identificado pela pesquisa do Ipea, o pedreiro tem o Ensino Fundamental incompleto. Em sua busca por trabalho, tem se impressionado com a falta de interesse dos empregadores em, pelo menos, fazer uma entrevista com ele.
— Eles pegam o teu currículo, dizem que vão dar uma olhada, e pronto. Fica só nisso. A impressão é de que eles querem a gurizada mais nova, mesmo. Mas eu sei fazer coisas que essa turma jovem fica abismada de ver, e estou muito bem para trabalhar, sim. É só me darem uma oportunidade — avisa Jorge.