Pauta prioritária do governo Bolsonaro, a reforma da Previdência começa a ser discuta no Congresso Nacional a partir desta terça-feira (26), sob pressão da oposição. Considerado um dos porta-vozes mais didáticos no assunto, o economista e consultor legislativo do Senado Pedro Fernando Nery explicou nesta terça, em entrevista á Rádio Gaúcha, quais são os temas essenciais do ponto de vista fiscal da proposta: idade mínima, previdência dos servidores e pensão por morte .
Ainda, segundo Nery, se por um lado a reforma trata de questões de combate a privilégios, existem pontos que afetam também as populações mais vulneráveis.
— É bem verdade que nem tudo que está na reforma é combate a privilégios — disse — Existem pontos em que a tendência, se for seguido o processo que ocorreu com a (proposta) do presidente Temer, podem ser retirados pelo Congresso nacional — completou.
Confira a entrevista completa com Pedro Nery
O senhor é uma pessoa que explica de forma didática a reforma da previdência. Muitos dizem que bastaria resolver a corrupção e que nada mais seria preciso. Por que a reforma é necessária?
Quando a gente fala de Previdência, a gente fala de uma despesa que tem uma ordem de grandeza com uma magnitude muito grande.
Esse argumento de que basta resolver o problema de corrupção, claro que é problema difícil, retira recursos que podem ser investidos em outras áreas, mas quando a gente fala de Previdência, a gente fala de uma despesa que tem uma ordem de grandeza com magnitude muito grande. Somente no Distrito Federal, a gente paga neste ano de 2019 mais de R$ 800 milhões de benefícios, mais de R$ 20 mil por segundo de despesas. Então, embora a gente possa pensar em medidas complementares, a dificuldade que a gente tem é que essa despesa previdenciária cresce em uma velocidade muito rápida. Cresce, somente na União, R$ 50 bilhões todo o ano. Isso é equivalente a recriar uma CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) todo o ano. Não à toa, desde o governo da presidente Dilma, passando pelo Temer e agora Bolsonaro, diferentes correntes ideológicas têm colocado a reforma da Previdência como prioridade, ainda que se possa questionar em quais benefícios ela deva focar.
O que o governo tem dito é que a reforma do Paulo Guedes combate privilégios e estariam concentrados no serviço público. De fato está?
Sem dúvida, ela combate privilégio, altera desde a aposentadoria do político, o servidor mais privilegiado, por exemplo um juiz, um promotor, mas é bem verdade que nem tudo que está na reforma é combate a privilégios. Se por um lado ela provoca uma convergência mais rápida das regras entre servidores públicos e regime geral, que é o operado pelo INSS, também é verdade que existem questões de privilégios que não estão sendo alteradas. Alterar previdência rural não é questão de combate a privilégios. Existem pontos em que a tendência, se for seguido o processo que ocorreu com a (proposta) do presidente Temer, podem ser retirados pelo Congresso nacional, que dizem respeito a populações mais vulneráveis.
Com relação à análise que será feita a partir de hoje no Congresso, o que não pode ser retirado para que a reforma não seja enxugada a ponto de não ter o resultado que se espera?
Acho que tem três pontos que têm impacto fiscal maior e que não dizem respeito a grupos mais vulneráveis. São temas que deveriam ficar até o final da proposta. Um deles é a criação da idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição, hoje é a única que não existe idade mínima— em média se dá aos 53 anos para mulheres e 55 para os homens, enquanto para os mais pobres já é exigido 65 anos em alguns benefícios. Esse é um benefício que tem uma despesa de R$ 170 bilhões por ano, 20 vezes o que a gente gasta com ensino profissional. É, normalmente, a regra fundamental de qualquer reforma, seja na de Dilma ou de Temer. Neste mesmo sentido, (o segundo ponto) tem a questão da Previdência dos servidores, que é um problema para Estados e municípios, como a gente sabe bem pela própria situação do Rio Grande do Sul. E o terceiro ponto seria a questão da pensão por morte, que é um tema sensível, que está associado a um drama familiar, mas somente no governo federal a gente já gasta com pensão por morte cinco vezes mais do que a gente gasta com o Bolsa Família. São cerca de R$ 160 bilhões por ano. Por isso, desde o governo Dilma se propõe que o benefício seja de 100% somente em famílias mais vulneráveis e, em caso de poucos dependentes, seja proporcional.
Qual a análise que o senhor faz com relação à Previdência dos militares? Alguns dizem que o governo tirou com uma mão e deu com a outra. No mesmo texto tem a recomposição salarial, de reestruturação de carreira.
Não foi um tratamento estendido a nenhuma outra categoria, somente aos militares, e isso gerou um desconforto grande.
Acho que a questão da Previdência foi bem endereçada, tem uma proposta boa. Mas de fato, o problema foi ter colocado com isso um pacote salarial que praticamente anula a economia com essa reforma. Esse a gente sabe que não foi um tratamento estendido a nenhuma outra categoria, somente aos militares, e isso gerou um desconforto grande, por ser uma categoria que está agora ligada ao núcleo do poder. A Previdência militar tem um custo muito elevado, já são R$ 45 bilhões, é 50% a mais que todo o Bolsa Família, é metade do orçamento da defesa, são benefícios em média maiores que até de servidores públicos. São pagos também muito precocemente: 90% dos militares das Forças Armadas se aposenta antes dos 55 anos, 50% antes até dos 50 anos.
Essa proposta era esperada com muita expectativa. O cálculo era de que significará uma economia de R$ 50 milhões aos Estados. Esse número até agora ninguém conseguiu explicar direito. Aqui no RS, os militares já pagam 14% de contribuição para a Previdência e o plano de saúde é à parte. No caso das Forças Armadas, os 14% seriam com o plano de saúde, a alíquota máxima para a Previdência propriamente dita seria de 10,5%. De onde viria essa economia e até que ponto ela é automática?
Eu entendo que a questão das alíquotas não se aplica, não acho que há redução das alíquotas dos militares estaduais. Mas uma parte importante deste impacto se deve à elevação do tempo de serviço. Hoje na Brigada, acredito que o tempo para ir para a reserva é de 30 anos de tempo de serviço. Com a transição, o militar teria que ter um tempo de 35, então acho que o impacto se deve a isso.
A questão seria política? A Assembleia teria que aprovar aqui, seria mais complicado aumentar o tempo de serviço se já temos alíquota mais alta que a das Forças Armadas.
É uma questão sensível, não à toa a dificuldade de tratar este tema. Ainda está numa escada de muita controvérsia e muita incerteza. Muito do desgaste que se tem dito sobre a reforma da Previdência se deve a essa proposta (dos militares) apresentada.
Existe a discussão de votar a proposta de Michel Temer no Congresso. Uma questão que preocupa é o sistema de capitalização para os novos trabalhadores no futuro, e o que dizem os estudos é que, na hora que os trabalhadores precisarem, ela pode ser insuficiente para cumprir a necessidade.
Os economistas em geral têm uma preocupação muito grande com o regime de capitalização.
É verdade que a proposta do Temer é diferente porque ele não tratava dessa questão de capitalização. Na verdade, os economistas em geral têm uma preocupação muito grande com o regime de capitalização, porque como a gente já está hoje em sistema deficitário, quando você retira contribuições do atual sistema que pagam os aposentados e migra elas para um regime de capitalização, em que elas são investidas e colocadas no mercado financeiro, você na verdade aumenta o déficit. Até por isso que a migração para um regime na implementação da proposta de Bolsonaro tende a ser uma migração lenta e gradual.
O que diz a proposta é que vai haver uma lei no futuro tratando deste tema, ou seja, não basta aprovar a PEC que foi mandada. Seria preciso um Projeto de Lei (PL). E uma diferença que tem desde já do projeto do Chile, que de fato é problemático, é a vinculação ao salário mínimo. A proposta de Bolsonaro diz que mesmo que a pessoa não consiga poupar o suficiente, ninguém vai ganhar menos que o salário mínimo. Agora embora a gente fale muito do Chile, é preciso lembrar que muitos países do mundo têm uma parte de sua Previdência no regime de capitalização. O Chile é um caso extremo e não acho que a gente vai se encaminhar para isso, não.