A recente afirmação do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, de que a ideia de universidade para todos não existe, nos remete aos debates do final dos anos de 1960 sobre o dilema "universidade para todos ou para uma elite intelectual?", que precedeu a reforma universitária de 1968 e a da Educação Básica em 1971.
Como resposta às pressões do movimento estudantil e da classe média pela expansão das vagas, tornou-se recorrente, nos bastidores do governo militar, a ideia de que a solução para o problema da oferta de vagas seria a diminuição da demanda por educação superior, reformulando o ensino secundário (atual Ensino Médio), criando três áreas de formação profissional, para a rápida inserção dos estudantes no mercado de trabalho – argumento próximo ao utilizado pelo atual ministro.
A questão pode ser analisada a partir de três demandas: a do estudante, que busca qualificação humana e profissional; a do setor produtivo, por profissionais qualificados; e a da sociedade, por ciência e reflexão sobre a cultura. Na visão dos reformadores dos anos 1960 e 70, a expansão da educação superior deveria ser controlada de forma que apenas 18% dos jovens chegassem à universidade, porcentagem que até hoje não foi atingida. A restrita expansão do Ensino Superior foi direcionada a produzir uma elite profissional e intelectual, não conseguindo atender às três demandas. Junto à pequena expansão do setor público, houve uma primeira forte expansão de instituições privadas que buscavam atender às demandas dos estudantes e às do setor produtivo.
A educação superior é cara, pois é onde se transmite a cultura, a ciência e as técnicas nos seus mais altos níveis. Em qualquer lugar do mundo desenvolvido, ela não é plenamente custeada pelos alunos; mesmo nos Estados Unidos, as mensalidades são apenas uma parcela do orçamento das universidades. Todavia, as instituições privadas, para atenderem ao "mercado consumidor" de educação, procuram, em grande parte, ser instituições de baixo custo.
Como se verifica nos diversos tipos de avaliações promovidas pelo Ministério da Educação e/ou ranqueamentos nacionais e internacionais, grande parte dessas instituições oferece formação precária aos estudantes e profissionais mal qualificados para o setor produtivo.
Podemos dizer que o modelo das reformas de 1968 e 1971 criou dois tipos de instituições: as universidades de elite, na sua grande maioria públicas, e as instituições de baixo custo. O Ensino Médio dividiu-se em cursos técnicos de quatro anos, cursos pseudoprofissionalizantes de três anos e escolas de "elite" preparatórias para os vestibulares.
A terceira demanda, a da sociedade (por ciência e reflexão sobre a cultura), é parcialmente atendida pelas assim chamadas "universidades de elite", que conseguem manter um volume razoável de produção científica, mas ainda insuficiente.
Nos anos de 1990, a partir da teoria do capital humano (a educação é um capital que pode ser revertido em rendimentos aos seus portadores) e da reforma do Estado, houve uma exponencial expansão das instituições de baixo custo.
Apesar de essa expansão ajudar a diminuir a carência de profissionais, acarretou na formação de muita mão de obra que efetivamente não atende ao setor produtivo, gerando um grupo de profissionais inaptos a serem inseridos no mercado de trabalho.
A opção em desconsiderar a necessária expansão das universidades e de resgatar práticas de pseudoprofissionalização pode perpetuar e aumentar o atraso tecnológico e científico do Brasil.
JOSÉ CARLOS ROTHEN
Professor da UFSCar
Nos anos 2000, a expansão das instituições de baixo custo continuou, mas houve uma expansão significativa das "universidades de elite", usando os termos de Vélez Rodriguez. Contudo, o desequilíbrio das matrículas a favor das faculdades de baixo custo ainda é grande. Como política social, foram criadas as políticas de cotas destinadas a afrodescendentes e a alunos de baixa renda.
Considerando esse pequeno histórico, podemos afirmar que o ministro Rodriguez, ao resgatar uma proposta já implantada no passado, nos traz um falso dilema. Primeiro porque, ao considerar em sua análise apenas a demanda dos estudantes por qualificação profissional, desconsidera as demandas de profissionais qualificados, de ciência e reflexão sobre a cultura. Segundo, o país forma ainda poucos profissionais com nível superior, ou seja, mesmo se a opção for deixar a universidade para formar uma elite intelectual, ainda o número de estudantes é insuficiente.
Terceiro: o ministro confunde diversificação de formações com a polarização universidade/Educação Básica/curso técnico; investimento em um deles não rivaliza com investimento nos outros, pois são complementares.
A opção em desconsiderar a necessária expansão das universidades e de resgatar práticas de pseudoprofissionalização pode perpetuar e aumentar o atraso tecnológico e científico do Brasil.