Cerca de 8% do déficit de vagas em creches no Rio Grande do Sul é referente à fila de Porto Alegre. Conforme a Secretaria Municipal de Educação (Smed), são 3.077 crianças aguardando por matrículas na etapa creche, de zero a três anos de idade.
No Estado, a demanda reprimida é de 38.835 estudantes, conforme recente levantamento divulgado pelo Gabinete de Articulação para a Efetividade da Educação (Gaepe-Brasil) e pelo Ministério da Educação (MEC).
Pelo acompanhamento da Smed, neste ano 12.673 alunos buscaram vagas na rede e 5.133 foram atendidos em instituições públicas – representando um déficit de 7.540 crianças. Segundo a secretaria, o número foi semelhante à média de anos anteriores. A partir disso, diferentes ações foram desenvolvidas para reduzir a fila e chegar às 3.077 vagas (confira abaixo).
Entre os casos de quem não foi contemplado até o momento está o da manicure Priscila Mariza Pereira, 36 anos. Moradora do bairro Restinga, ela conta que realizou a inscrição do filho, Miguel Pereira dos Santos, 1 ano e 4 meses, ainda no ano passado.
— Exatamente à meia-noite, assim que abriu o portal, eu estava ali e fiz (a inscrição). Para pegar o resultado, a gente tem que ir de escola em escola, que eles botam uma lista do lado de fora, e aí tu tens que procurar o nomezinho, né! O Miguel não ficou nem entre os 20 nas quatro escolas, então, quer dizer que nem na espera ele ficou. Este ano eu vou tentar de novo. Vamos ver se eu consigo — relata.
Para continuar trabalhando e dar conta da rotina, Priscila divide os cuidados do filho. Três dias da semana, Miguel fica em uma creche informal, que não é credenciada no município. O investimento mensal da família é de R$ 360, além de contribuições de alimentação e materiais. Nos demais dias, a profissional leva o pequeno junto para o salão de beleza. Em alguns casos, ainda conta com a ajuda da avó da criança, mas que já é idosa.
— Além do gasto com a creche e o prejuízo que tenho no trabalho, o desenvolvimento dele é o mais preocupante para mim. Porque ele não faz atividades pedagógicas, não tem uma rotina escolar, que é uma coisa que para mim faz toda a diferença. É bem complicado e, por isso, não vou desistir de conseguir uma vaga.
Smed afirma que não há déficit na etapa pré-escola
Em relação à pré-escola, a Smed afirma que atualmente não possui déficit. A secretaria informa que ocasionalmente podem surgir casos de novas matrículas, mas que são organizados dentro das próprias escolas. A pasta considera déficit as situações em que o ajuste não é possível a curto prazo. Conforme a Smed, entre 2021 e 2024 foram criadas sete mil vagas de zero a cinco anos.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), que acompanha o tema, apontou para um atendimento de 39,4% na etapa creche (zero a três anos) e 84,9% na pré-escola (quatro e cinco anos) em Porto Alegre. São números relativos a 2023, que dizem respeito às matrículas, considerando os dados do censo por idade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os percentuais também são utilizados pela Defensoria Pública e Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).
O que a Smed está fazendo para reduzir a fila:
Até março:
- 1.806 vagas compradas por ordem judicial
- 568 vagas compradas por acordo com a Defensoria Pública
- 289 matrículas em vagas contratualizadas com a rede privada
Restando, em março de 2024, o déficit de 4.877.
Abril:
- 300 vagas em acordo com a Defensoria
Até junho:
- 530 vagas em acordo com a Defensoria
- 1.000 vagas por meio de Organizações da Sociedade Civil (OSCs)
- Novo edital para credenciamento de escolas privadas para compra de vagas, com objetivo de 1,5 mil vagas
Agosto:
- Até o momento, foram credenciadas, por meio de edital, 1.147 vagas, sendo 779 novas vagas
- Destas, 199 foram contratadas e a previsão é que as demais sejam formalizadas em setembro.
Assim, a Smed trabalha atualmente com déficit de 3.077 vagas de creche.
Defensoria Pública acompanha cumprimento de ação civil pública
Em Porto Alegre, o tema das filas na Educação Infantil é acompanhado de perto pela Defensoria Pública. Uma ação civil pública proposta em 2018 busca garantir vagas nesta etapa.
— A partir da decisão, foi firmado um acordo entre a Defensoria e a Smed, no sentido de estabelecer um fluxo extrajudicial para o encaminhamento de vagas. Quando a família vai até a secretaria e não é contemplada com a vaga, recebe orientação para se dirigir à Defensoria — explica a dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca), Paula Simões Dutra de Oliveira.
A partir daí, há a solicitação para matrícula em escola privada. Além do preenchimento de formulários e da instituição ter que se localizar a 2 quilômetros da residência ou trabalho dos pais, são requisitados três orçamentos.
— Esse fluxo é uma forma de atender a demanda, que é uma questão histórica. Não é a maneira ideal, mas é uma forma de administrar. A criança tem o direito de ser matriculada na sua comunidade, em função da questão do pertencimento — cita a dirigente do Nudeca, lembrando que estar no ambiente escolar também representa ganhos em relação à segurança, cuidados alimentares e organização da rotina da família.
O acordo com a Smed é renovado com aditivos sempre que as vagas se esgotam. A atualização mais recente, ocorreu em junho, com 530 vagas. O atendimento para quem está aguardando na fila pode ser feito pelo e-mail nudeca@defensoria.rs.def.br ou presencialmente na sede da Defensoria (Avenida Sete de Setembro, 666, Centro Histórico, Porto Alegre), com agendamento pelo (51) 3201-0749.
No caso da moradora Priscila, a alternativa não é viável. Ela conta que não existem creches particulares que atendam aos critérios como o da distância de 2 quilômetros da residência ou trabalho da família.