Problema histórico no Brasil, a falta de vagas em creches foi tema de novo relatório apresentado pelo Ministério da Educação (MEC). Conforme o levantamento, são 632 mil crianças de zero a três anos aguardando em filas para acessar a Educação Infantil no país. Só no Rio Grande do Sul, a demanda reprimida é de 38.835 vagas. Pensando nisso, especialistas discutem estratégias para garantir o direito constitucional às famílias.
Entre as propostas, estão a construção de escolas e conclusão de estruturas inacabadas, compra de vagas em Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e instituições privadas e informatização de sistemas. As opiniões, porém, não são unânimes. O que é compartilhado entre os profissionais é a necessidade de que o serviço seja prestado com qualidade para os estudantes.
Para a professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Andréia Mendes dos Santos, uma resposta inicial está nos investimentos de diferentes ordens, incluindo a construção e instrumentalização de novas escolas.
— A solução vem pela ampliação da oferta. O que podemos pensar é como conseguir a ampliação, que se dá através desses exemplos, que são de investimento. Também pensar em parcerias, na formação dos profissionais, na qualidade dessa escola. É isso o que vai tornar a Educação Infantil mais forte — afirma, citando que um dos critérios para a organização das propostas é a territorialidade, com debate em parceria com as comunidades.
Além das obras e da busca por prédios municipais ou estaduais que possam ser aproveitados para a Educação, a gerente de políticas públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal – entidade que atua pela promoção do desenvolvimento das crianças desde 2007 – Beatriz Abuchaim indica a compra de vagas em OSCs:
— Temos o case de São Paulo, em que mais de 80% das vagas em creches são por meio de instituições parceiras, filantrópicas. A própria prefeitura garante que esses profissionais tenham a mesma formação de quem está trabalhando na rede direta. Não é o processo perfeito, mas foi se especializando ao longo do tempo.
Porém, Beatriz afirma que é necessário realizar a supervisão das unidades e controle de qualidade em termos de ambiente, alimentação e práticas pedagógicas. Já no caso das vagas compradas em unidades privadas, a especialista questiona se há a mesma possibilidade de fiscalização, tendo em vista que ocorre uma pulverização das crianças em diversas instituições.
É importante entender que a terceirização, por convênios ou compra de vagas, nunca é a melhor opção em termos de qualidade da oferta.
PAULO FOCHI
Professor da Escola de Humanidades da Unisinos
Na avaliação do professor da Escola de Humanidades da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Paulo Fochi, a compra de vagas não é a melhor alternativa. As filas para o acesso, segundo ele, são equacionadas com a construção de escolas.
— É importante entender que a terceirização, por convênios ou compra de vagas, nunca é a melhor opção em termos de qualidade da oferta. Isso passa por várias questões: infraestrutura, o valor que é repassado pelo governo federal por criança, que é abaixo (do processo tradicional), condições de trabalho dos professores mais precárias, salário menor... Tudo isso, no final das contas, vai impactar na qualidade — avalia.
Informatização, critérios e formas de atendimento
Outros fatores citados por Beatriz para que o processo seja qualificado são a informatização das filas, com o objetivo de dar transparência aos encaminhamentos (recomendação expedida pelo Ministério Público do RS), e estabelecimento de critérios de priorização: como os de crianças com deficiência e as que estejam expostas a violência doméstica.
— A principal coisa é saber qual é a demanda por creche em cada município. Ter isso organizado e informatizado. Um ponto do levantamento que chamou a atenção é que apenas 11% das cidades brasileiras têm sistemas integrados de dados em relação à demanda de creche. Muitos processos são feitos ainda no papel — sublinha a gerente.
Para o professor Fochi, a questão da universalização também deve ser discutida. O especialista salienta que a “vaga pela vaga” não é a resposta:
— A universalização esbarra em uma questão que os municípios, para ampliar o serviço e avançar no número de vagas, parcializam o atendimento. É comum a muitas cidades a retirada de crianças do turno integral e parcialização desses acompanhamentos. O que uma criança de seis anos, que está em um turno na escola, faz no restante do tempo? — questiona o professor.
Falta de universalização na pré-escola preocupa
A representante da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal destaca que a meta da universalização da pré-escola, ainda não atingida, é mais um dado que preocupa.
— É muito importante que os governos municipais façam uma busca ativa escolas dessas crianças, informando para as famílias que essa faixa etária tem matrícula obrigatória. E, tendo realizado a matrícula, que acompanhem a frequência escolar. Até mesmo porque os alunos que estão fora geralmente são os de maior vulnerabilidade — justifica Beatriz.
Desenvolvimento infantil
O acesso à educação inclusiva e equitativa e de qualidade faz parte da agenda 2030 para a Educação, parte dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil, ação em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU). Quando o atendimento é privado, a professora Andréia afirma que a criança está "perdendo tudo".
— Está perdendo de fazer amarrações de qualidade sobre aquilo que acontece no cotidiano dela. A Educação Infantil apresenta o mundo para a criança. Sem isso, ela não descobre experiências, acompanhadas do professor. Perde todo o repertório que é base para as aprendizagens, concretas e de conteúdo, que vêm a partir do Ensino Fundamental. Sem falar das questões socioemocionais.