Implementada nas escolas brasileiras desde 2022, a reforma no Ensino Médio deverá passar por mudanças em 2025, que gerarão transformações, também, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), nos próximos anos. Nesse meio tempo, alunos do 2º ano enfrentam uma espécie de limbo – por um lado, recebem uma carga horária menor das disciplinas tradicionais do que quem ingressou na etapa até 2021, já que era necessário comportar a parte flexível do currículo. Por outro, farão, no ano que vem, um Enem ainda não adaptado à nova realidade.
Foi sobre esse impasse que perguntou, na semana passada, uma adolescente gaúcha ao ministro da Educação, Camilo Santana. Em São Paulo para participar de um painel do 7° Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), a estudante Maria Eduarda Guterres Escobar, 16 anos, furou um cordão de repórteres, durante coletiva de imprensa, para questionar como ficará o vestibular, diante das mudanças aplicadas e, posteriormente, suspensas nessa etapa.
— Eu achei importante perguntar, porque a gente nunca foi escutado, nunca teve a oportunidade de falar. Então, já que eu fui convidada pela Jeduca, eu achei que, por mim e por todos os outros, era o meu único momento de realmente poder falar e ouvir da pessoa que vai decidir o meu futuro. E foi bem decepcionante — lamentou a jovem, moradora de Porto Alegre.
A decepção da estudante se deve ao fato de a resposta do ministro ter sido inconclusiva – Santana sugeriu que Maria Eduarda aguardasse as mudanças para fazer o Enem ou que tentasse estudar um pouco mais sobre os conteúdos das disciplinas tradicionais. Não descartou, contudo, que implementasse outras soluções para o impasse.
Projeto de lei
Diante de críticas de especialistas, professores e estudantes sobre alguns pontos do Novo Ensino Médio – em especial, a redução da carga horária das disciplinas tradicionais –, o governo federal realizou uma consulta pública para receber sugestões de alterações na reforma.
O resultado do levantamento embasou um projeto de lei que deve ser encaminhado para tramitação no Congresso Nacional até o final deste mês. Entre os ajustes, está a volta da oferta de 2,4 mil horas nos três anos da etapa, de um mínimo de 3 mil horas, exclusivas para as disciplinas tradicionais. Hoje, a carga horária dessa parte inflexível do currículo, chamada de Formação Geral Básica, é de 1,8 mil horas.
Somente depois de ser analisada e aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a proposta entrará em vigor e as redes de ensino poderão fazer a reorganização. A intenção do ministro da Educação é de que tudo isso ocorra ainda em 2023, a fim de que 2024 seja o ano para os Estados e municípios fazerem as adaptações necessárias. Aí, em 2025, seria possível implementá-las.
No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) informou estar acompanhando os debates e encaminhamentos sobre o assunto. Em nota, a pasta afirmou que “assim que for definida uma posição, provavelmente ainda em 2023”, iniciará “o planejamento para as turmas de 2024, com ações pedagógicas de apoio aos estudantes do 3º ano do Ensino Médio, com foco no Enem”.
O texto ainda lembra que o Estado disponibiliza aulas preparatórias para o exame exibidas diariamente na TVE-RS e no canal do YouTube TV Seduc RS e conta com uma parceria com a plataforma online Curso Enem Gratuito, com um intensivo de 12 semanas, até as vésperas da prova, que inclui aulas e material de apoio.
Insegurança
Pesquisadora sobre o Novo Ensino Médio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ângela Chagas diz que a insegurança com o Enem aparece muito nas falas dos estudantes de Ensino Médio no estudo de campo que fez para a sua tese doutorado. A doutoranda relata que os alunos sentem que a formação que recebem não está de acordo com o que o Enem exige.
— O MEC (Ministério da Educação) já tem essa vontade de mudar o Novo Ensino Médio, mas diz que, no ano que vem, continua tudo igual. Não é possível continuar essa implementação da forma como está sendo feita. Hoje, estudantes do 2º ano já têm uma redução significativa dos componentes curriculares tradicionais, e, para o ano que vem, essa redução será ainda maior — alerta a estudiosa.
O 3º ano, de fato, é o período com menor carga horária da etapa destinado à formação geral básica. Na matriz curricular da rede estadual do RS, disciplinas como Literatura, Filosofia e Física, por exemplo, não são sequer oferecidas na última série do Ensino Médio, a fim de dar mais tempo para aulas sobre assuntos previstos na área de aprofundamento escolhida pelo aluno, que, hoje, não caem no Enem. Para Ângela, a reparação desse limbo deveria ser feita já para o ano que vem, e que, se isso não é possível através do MEC, que as próprias secretarias de Educação façam a ampliação da carga horária das matérias previstas no exame.
— Não é possível que os estudantes só tenham três períodos de Matemática e dois de Língua Portuguesa, sendo que uma das provas mais importantes é a de Redação. É fundamental que se abra esse debate com a sociedade aqui no Rio Grande do Sul, para que, se não for possível a revogação, sejam feitas mudanças emergenciais — defende a pesquisadora.
O momento, no entendimento de Ângela, é de contenção de danos, para que os alunos não sejam ainda mais prejudicados.