Passar em concurso para magistratura não é fácil. Pelo menos isso é o que relata o juiz federal Kleiton Ferreira. Nascido em Arapiraca, no Alagoas, o magistrado é candidato a virar famosinho nas redes. Ele mantém uma conta em rede social em que dá conselhos, fala da sua formação até passar para juiz e ainda divulga audiências que conduz na Justiça Federal. Só no Instagram, ele tem quase 200 mil seguidores.
Num dos vídeos, Kleiton Ferreira conta que o processo para chegar o posto no Judiciário foi um perrengue. Advogado por 10 anos, decidiu prestar concursos, fez tentativas por cinco anos, reprovou várias vezes, e acabou passando só em 2019.
— Eram 10 vagas, passaram 10 e fui o último colocado, mas passei.
À época dos concursos, Ferreira já tinha dois filhos e atuava em um escritório de advocacia, mas ele diz que era difícil conciliar o trabalho e o estudo. Os clientes ficaram mais escassos, os problemas financeiros apareceram, ele teve de vender o carro, e era complicado lidar com o sono, virando noites em meio aos livros.
— Teve uma semana que eu não fui trabalhar, aí, durante essa semana, bem próximo da prova, eu ficava 14 horas, 12 horas estudando, trancado dentro do quarto. Uma coisa absurda — contou em um dos vídeos de seu canal nas redes sociais.
No mesmo vídeo, ele relata que esse período também o marcou pelo uso de um medicamento.
— Foi nessa época que eu me viciei em ritalina. Ah, meu amigo. Eu não vou esconder aqui meus erros. Tomava ''com força''.
Ele conta que o medicamento dava uma euforia que ajudava nos estudos, mas que não valia a pena pelos efeitos colaterais.
— Isso causou um problema muito grande. Você não faz ideia do que um remédio pode causar a uma pessoa. Uma dependência química e até os estados de pensamento e suicídio. Isso é muito sério — adverte o juiz e aconselha:
— Tome café, meu amigo.
Popular nas redes
Ferreira viralizou nas redes e seu Instagram tem quase 200 mil seguidores graças a vídeos de audiências online – gravadas e compartilhadas pelo próprio juiz – em que ele bate papo com as pessoas e as trata com camaradagem e de forma humanizada, sem a formalidade comum ao Judiciário.
Em vídeo com quase 40 mil curtidas, ele atende uma mulher que busca pensão pelo marido falecido. Ela aparece na audiência usando óculos de sol e o juiz logo pergunta, "a senhora está com problema de vista?". Quando ela responde afirmativamente, ele emenda: "mas é estiloso esse óculos da senhora".
Ele pergunta se foi ela que escolheu os óculos, a compara com uma "artista de cinema" e só depois entra no caso.
Em outro caso publicado em suas redes, ele declara procedente o pedido de aposentadoria de uma mulher que diz não saber ler ou escrever, mas não sem antes questionar a assinatura nos documentos.
— Eu vi aqui uma assinatura que a senhora fez, tão bonitinha a letra — comenta.
Quando a mulher conta que foi o advogado que a ajudou a assinar, ele ri e acrescenta que "valeu a intenção".
Quando diz que ela está aposentada, a partir de um acordo entre a autora e o INSS, a mulher começa a chorar. E Ferreira descontrai:
— Pelo amor de Deus, dona Edna, fique calma, porque toda vez que alguém chora eu começo a chorar também — diz Ferreira.
O vídeo, postado por ele em suas redes sociais, tem mais de 54 mil curtidas.
Nos Estados Unidos, há um outro juiz reconhecido justamente pelas audiências humanizadas e bem-humoradas. Seu nome é Frank Crapio e sua rotina no tribunal está retratada no reality show Caught in Providence.
Professor, entregador de móveis, advogado, carteiro: as profissões de Kleiton Ferreira
Antes de ser juiz federal e se tornar conhecido pelas suas audiências descontraídas, Kleiton Ferreira diz que perseguiu outras vocações. Afirmou que logo no fim do ensino médio, fez cursinho de redação para tentar o vestibular de medicina, mas, como ele próprio conta, não se dedicou, "só tirava zero" e não passou no vestibular. Então voltou para Arapiraca, sua cidade natal, e começou a cursar Biologia. Já no primeiro período, virou professor.
Depois do nascimento da primeira filha, mudou de rumo, porque, de acordo com ele, as aulas pagavam pouco. Foi trabalhar com o pai, que tinha uma empresa de móveis. Segundo seu relato em um vídeo nas redes, começou varrendo o chão e cresceu até se tornar entregador de móveis. Mais adiante, passou em um concurso nos Correios, para ser carteiro.
Enquanto entregava cartas, mudou também de faculdade. Deixou Biologia para ingressar no Direito, o que mudou também sua profissão. Depois do nascimento do segundo filho, passou em um concurso para estagiário da Justiça Federal e saiu dos Correios – o salário era menor, mas ele tinha mais tempo para estudar.
Mas o trabalho por lá não foi o que ele esperava.
— Eu era muito ruim em quase tudo o que fazia — conta no vídeo.
Ele errava tanto no estágio que foi avisado de que seria desligado. Depois disso, "virou uma chave", começou a estudar mais e trabalhar o máximo que podia, até ser convidado para estagiar em um escritório de advocacia particular. Após, passou na OAB e trabalhou como advogado tributarista por 10 anos.
Foi então que buscou os concursos para magistrado, passou por dificuldades financeiras, complicações de relacionamentos, problemas psicológicos, até finalmente passar no concurso para o Tribunal Regional Federal da 2ª região, no Rio de Janeiro, no final de 2018.
— Fui o último colocado, assim como no estágio, assim como no Correio, também no concurso da justiça federal. O último, mas passei — diz.
Mas a posse também atrasou, primeiro por problemas no próprio TRF, depois pelo desafio da pandemia. Foi empossado apenas em novembro de 2020. Só então pôde assumir o cargo. Mais tarde, conseguiu transferência para o TRF da 5ª região para ficar lotado na vara de Patos, na Paraíba.