Quando decidiu transformar seu maior hobby em trabalho, Denys Coelho, 54 anos, não imaginava o rumo que o negócio tomaria anos depois. A cervejaria Zagaia Brewery foi criada em 2016, em Itaara, na região central do Rio Grande do Sul, com o objetivo de abastecer bares da cidade vizinha, Santa Maria. Mas a chegada da pandemia de covid-19 mudou o cenário. Com os estabelecimentos fechados, o empreendedor se viu sem clientes e precisou investir em uma alternativa não planejada: o engarrafamento de cervejas.
— Em 2020, o negócio praticamente foi a zero. Foi um momento muito difícil, mas que nos levou a engarrafar as cervejas em garrafas plásticas de um litro e um litro e meio para suprir a necessidade de faturamento da cervejaria — relata o proprietário.
E as adaptações do negócio não pararam por aí. Como os clientes passaram a ir até a Zagaia para buscar as garrafas e muitos eram amigos de Denys, acabavam bebendo por lá mesmo, entre tanques e barris. No ano seguinte, essas cenas se tornaram ainda mais frequentes, o que levou o empresário a criar um ambiente próprio para consumo dentro da cervejaria.
Hoje, a Zagaia revende cervejas artesanais para bares, restaurantes e supermercados de Itaara e Santa Maria, mas também recebe em sua sede, todos os sábados, pessoas de diferentes cidades que desejam provar uma Helliquia, uma Macchina, uma Arrogant ou uma Lobisomem do Perau - que tem seu nome inspirado em uma lenda local - direto da fonte. A empresa tem oito funcionários, sendo quatro envolvidos com a produção, dois com as vendas e dois com o marketing, mas Denys e a esposa, Maria Helena Romano Coelho, sempre participam do atendimento aos clientes nos finais de semana.
As cervejas engarrafadas também podem ser compradas diretamente na sede da cervejaria, que funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, na Estrada Alcides Pinheiro, 5.360, na Estação Pinhal, em Itaara. O contato é pelo telefone (55) 3015-6886.
Com 200 hectares, a propriedade onde fica a cervejaria pertence a Denys e conta com trilhas e duas cascatas, uma delas com 30 metros de altura e batizada de Zagaia. Aos sábados, empresas de ecoturismo costumam reunir aventureiros para explorar o local. Os passeios terminam em brinde com cerveja para repor as energias. De acordo com o empreendedor, por questões de segurança, é necessário aderir aos eventos desses grupos especializados para percorrer as trilhas.
Um deles é o Ecotrekking Santa Maria, que promove trilhas na Zagaia uma vez por mês, pelo valor de R$ 35, sem incluir o deslocamento até a cervejaria. Informações podem ser obtidas pelo Instagram @ecotrekking_sm e reservas devem ser feitas pelo WhatsApp (55) 98114-0789. O outro é o Grupo Bandeirantes da Serra, cujos valores variam de acordo com as atividades escolhidas. Informações e reservas pelo número (55) 98408-5750.
— Em nenhum momento se imaginou esse caminho, realmente foi uma situação que veio do mercado para nós. E aí coube a mim, como empreendedor, identificar a oportunidade e saber explorar — comenta Denys, ressaltando que a aproximação com os clientes foi um ponto muito positivo dessas mudanças.
Empreendedorismo no RS
Com o objetivo de apresentar histórias inspiradoras, a série contará semanalmente as trajetórias de empreendedores que transformaram uma ideia ou um sonho em realidade. Fundadores e sócios de 10 empresas de diferentes cidades gaúchas compartilharão os desafios superados e darão dicas para quem deseja abrir seu próprio negócio nos ramos de tecnologia no campo, saúde, moda, cuidados com o corpo, entre outros.
Da engenharia elétrica para a cerveja
Graduado em engenharia elétrica em 1990, Denys começou a empreender na área da informática antes mesmo de se formar. Desde então, fundou e foi sócio de diferentes empresas. O interesse pelos negócios, resume, vem de família: o pai, já falecido, também era empresário. Já a paixão pela produção de cerveja artesanal, ganhou força junto aos amigos.
A ideia de fazer a própria bebida surgiu em 2007, em um encontro em Santa Maria, cidade natal do empreendedor. Na época, ele estava fazendo MBA em Porto Alegre e encontrou, na Zona Norte, um fornecedor de receitas e insumos de cerveja artesanal. Em casa, com panelas, o grupo de amigos produziu aquela que seria a primeira de muitas para Denys.
Questionado sobre a qualidade da primogênita, ele se diverte:
— Se me perguntarem "ficou boa?", a resposta é não. Mas a gente adorou! Porque com a cerveja tem isso, é tipo concurso de miss: a minha filha é a mais bonita, independentemente de não ser.
A partir desse dia, Denys continuou produzindo e participando de eventos cervejeiros dentro e fora do Brasil. Já em 2015, resolveu empreender mais uma vez: junto a um amigo, abriu um bar cervejeiro em Santa Maria, semelhante àqueles que havia conhecido em viagens para o Colorado, nos Estados Unidos. No ano seguinte, comprou dois tanques fermentadores de 500 litros, fez o registro no Ministério da Agricultura e começou a montar a Zagaia para abastecer o local.
— As coisas foram dando certo e me desfiz da participação no bar em 2017. O valor que eu obtive foi todo injetado na fábrica que, inicialmente, só fornecia para esse bar em função da pequena capacidade de produção. Mas continuei investindo, sempre com recursos próprios, e a cervejaria foi crescendo, se desenvolvendo. Até 2019, o negócio já tinha crescido significativamente e vinha atendendo outros bares de Santa Maria — explica.
No total, o empreendedor já investiu cerca de R$ 900 mil na cervejaria, que hoje tem nove tanques fermentadores e faturamento de aproximadamente R$ 100 mil mensais.
Queda de clientes devido à pandemia não foi o único desafio
Mesmo com uma longa estrada no ramo dos negócios, Denys teve dificuldades para transformar seu hobby em uma atividade rentável e com perspectivas de futuro. Para ele, esse é o grande desafio do empreendedor e envolve, principalmente, estabelecer um posicionamento de marca, manter-se nele - mesmo ao fazer adaptações no modelo de trabalho - e encarar o mercado. Isso porque, muitas vezes, o comportamento que o mercado propõe às empresas, baseado nos concorrentes e nos potenciais consumidores, pode acabar levando à falência.
Como exemplo, o cervejeiro cita os refrigerantes de dois litros que eram vendidos a um baixo preço nas gandolas dos supermercados antigamente:
— Aquilo era o mercado tocando uma música para que os empreendedores produzissem refrigerante barato. Não sobrou nenhum, porque entraram em uma briga de quem fazia mais barato. Na cerveja artesanal, isso é o que os americanos chamam de primeira onda: pessoas que não estão preparadas entram no mercado e ele acaba aniquilando com essas empresas.
Sem as mudanças feitas durante a pandemia, Denys acredita que teria se desencantado e desistido do negócio. Por isso, considera uma decisão acertada, mas acrescenta que, mesmo sem ter planejado as adaptações com antecedência, manteve o posicionamento em relação ao tipo de produto e, inclusive, ao valor.
— Não posso ser o mais barato, porque preço é indicativo de qualidade também. Fazer cerveja diferenciada envolve selecionar os ingredientes, muitas vezes até de fora do país. Eu não economizo. Cervejaria artesanal não deve economizar em insumos ou ingredientes, porque é aí que vamos trazer a diferença e o cliente vai perceber um aroma frutado ou herbal diferenciado no produto — ressalta.
Mesmo assim, afirma que, se pudesse recomeçar, iniciaria o negócio com passos mais curtos e iria avançando de acordo com a demanda, para não precisar empurrá-lo para frente, saindo em busca de clientes que comprassem o que já havia produzido — algo que, principalmente nos últimos dois anos, lhe gerou um desgaste pessoal muito grande.
Conhecimento sobre gestão empresarial é peça-chave
Segundo Denys, quem quer empreender no ramo da cerveja precisa ter em mente que é algo estritamente empresarial e que é necessário ter noção do demonstrativo de resultado, onde vai estar listado todas as despesas e potenciais receitas do negócio. Isso, aponta, é o que falta para as pessoas - incluindo ele - que desejam abrir sua própria empresa. O engenheiro elétrico comenta que, na graduação, não teve aulas sobre tópicos como receitas, despesas, impostos e lucros de uma empresa.
É fundamental ter uma formação básica em gestão empresarial. Não adianta só gostar e querer fazer cerveja"
DENYS COELHO
Proprietário da cervejaria Zagaia
— Às vezes, as pessoas empreendem sem essa noção e, depois que o dinheiro inicial acaba, elas começam a fazer as contas e se apavoram com a dificuldade. Então, acho que é fundamental ter uma formação básica em gestão empresarial. Não adianta só gostar e querer fazer cerveja, até porque existem muitas pessoas que fazem boas cervejas — salienta.
Mas ele acredita que existe espaço para empreender nesta área no Rio Grande do Sul, principalmente devido à tradição cervejeira herdada dos imigrantes alemães e ao interesse sempre crescente pelo produto. Porém, julga que algumas cidades já estão saturadas, como Porto Alegre e Caxias do Sul, que aparecem em primeiro e quinto lugar na lista dos municípios brasileiros com mais cervejarias, tendo, respectivamente, 40 e 19 estabelecimentos.
Os números são do Anuário da Cerveja 2020, o mais recente divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e também mostram que o Rio Grande do Sul se destaca no ramo. Até o primeiro ano de pandemia no Brasil, o território gaúcho tinha 258 cervejarias e ocupava a segunda posição no ranking de Estados com mais registros de estabelecimentos, atrás apenas de São Paulo, com 285. De forma geral, o estudo aponta um crescimento de 14,4% no número de cervejarias entre 2019 e 2020.
— As pessoas passam a ser mais exigentes naturalmente. Ninguém quer beber pior, todo mundo sempre quer beber melhor. Isso tem acontecido com a cerveja e é aí que entra a minha oportunidade — comenta Denys.
Atualmente, a pretensão do proprietário da Zagaia é entrar com mais força no mercado local — a distribuição para além de Itaara e Santa Maria, afirma, ainda depende de um maior crescimento do negócio. Por isso, tem investido em trazer clientes para dentro da cervejaria aos sábados, já que o trabalho também ajuda a divulgar a marca e a desenvolver o conceito "beba local", incentivando que as pessoas consumam a cerveja da sua região.
Perguntas e respostas sobre cerveja artesanal
Denys, o que é cerveja artesanal?
É uma cerveja feita pela mão humana, em pequenos lotes, normalmente com ingredientes selecionados.
Quais são as etapas da produção?
Moagem dos ingredientes, brassagem (em que se converte o amido dos grãos em açúcares), clarificação (se retém todo o bagaço), fervura, whirlpool (quando se decanta os lúpulos), resfriamento do mosto, fermentação e maturação.
Qual o tempo de produção?
As primeiras etapas, que se referem à preparação do mosto, duram cerca de seis horas. As duas últimas, fermentação e maturação, podem levar de 25 a 60 dias, no total.
Qual a diferença entre a produção de uma cerveja artesanal e uma cerveja comum?
As etapas da produção de uma cerveja comum e uma cerveja artesanal são as mesmas, a diferença é que, na cerveja artesanal, o cervejeiro vai realizar manualmente todas as etapas. Na comum, é tudo automatizado. A ideia da artesanal é oferecer a experiência mais natural possível.
Os ingredientes são diferentes?
Sim. A produção de cerveja artesanal envolve a seleção de ingredientes. Muitas vezes, os insumos são comprados de outros países.
Quais são os tipos mais comuns?
Pilsen, Ipa, Apa, Red e Weiss. Mas as possibilidades são várias: a Zagaia, por exemplo, tem 52 receitas diferentes registradas.