O tempo recomendado de afastamento por covid-19 pelo Ministério da Saúde sofreu novas mudanças nesta segunda-feira (10). O clima entre empregados e empregadores, no entanto, é de impasse – se a quarta versão do Guia de Vigilância Epidemiológica Covid-19 da pasta indica um período de cinco a 10 dias de quarentena, a depender do quadro de saúde do paciente, duas portarias de junho de 2020, do Ministério da Saúde e do Ministério da Economia, ainda estabelecem o afastamento do trabalhador por 14 dias em caso de contaminação.
Com a mudança proposta pelo Ministério da Saúde, pessoas com quadro leve ou moderado se isolariam por, no mínimo, sete dias. Porém, se ao quinto dia completo o paciente estiver sem febre e sem uso de medicamento antitérmico há pelo menos 24 horas, ele poderia realizar o teste RT-PCR, o mais indicado, ou o antígeno. Se o resultado for negativo, poderia sair do isolamento, evitando aglomerações, viagens e contatos com pessoas com comorbidades até o décimo dia. Se for positivo, deveria manter o isolamento até completar o décimo dia.
A orientação do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) é de que os empregadores não sigam a mudança anunciada, uma vez que, em termos trabalhistas, o que vale são as portarias. No entanto, não há problemas em pedir que o profissional trabalhe em regime de home office, desde que ele seja considerado por seu médico como apto a trabalhar. A recomendação é de que a avaliação do médico se sobreponha às normas gerais definidas pelo Poder Público.
Confira abaixo perguntas e respostas sobre o reflexo do anúncio do Ministério da Saúde nas regras trabalhistas:
A redução do tempo de isolamento passa a valer a partir de quando?
Na verdade, a mudança feita pelo Ministério da Saúde é uma recomendação à população geral, e não uma regra. Em ambiente de trabalho, há regras específicas, previstas nas portarias conjuntas 19 e 20, de 18 de junho de 2020, do Ministério da Saúde e do Ministério da Economia, que precisam sofrer alterações para terem validade, segundo a procuradora Priscila Dibi Schvarcz, do MPT-RS. Nas portarias, consta que trabalhadores positivados para covid-19, com suspeita da doença ou que tiveram contato com alguém contaminado devem ser afastados de suas atividades presenciais por 14 dias, devendo ser apresentado documento comprobatório.
Em qual dos documentos (Guia de Vigilância Epidemiológica Covid-19 ou portarias) a Justiça poderá basear suas decisões sobre este assunto?
O desembargador Francisco Rossal de Araújo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), ressalta que trata-se de uma situação muito nova e que ainda não há casos do tipo para embasar um posicionamento concreto. Mas ele afirma que, em termos de projeção, o que vale são as portarias que estão em vigor:
— Para que o tempo de isolamento seja diminuído tem que ter uma nova portaria reduzindo esse prazo. Então, por enquanto, estão valendo as portarias de 14 dias. Se vier uma nova portaria, seguiremos a nova regra.
O período de quarentena anunciado pelo Ministério da Saúde é o que vale no RS?
Sim, tem vigência nacional. No entanto, o governo do Estado pode definir regras mais rígidas, como um tempo de isolamento maior, por exemplo, conforme o advogado trabalhista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Gilberto Stürmer.
— Havendo uma indicação específica do governo do Estado de alguns protocolos, se sobrepõem às normas gerais, se forem mais rígidas. A questão é que existem normas conflitantes, então é preciso atualizar essas portarias para não haver insegurança jurídica para os empregadores — destaca o docente.
Durante o período de isolamento, o profissional pode trabalhar em home office?
O isolamento não impede de que o funcionário trabalhe em home office ou teletrabalho, se estiver bem para trabalhar, conforme o advogado Willian Machado, sócio do escritório Fernandes Machado Business Law.
— O funcionário deve ir ao médico e apresentar um atestado para o afastamento. O isolamento, por si só, significa trabalhar em casa, mas, se ele estiver incapaz para trabalhar, o adequado é buscar atendimento e ficar de licença saúde — indica Machado.
Qual a diferença entre isolamento e licença médica?
O isolamento é colocado em prática para evitar a contaminação de colegas. Mesmo não sentido nada, o funcionário precisa ficar isolado. Já a licença ocorre quando o indivíduo não tem condição de trabalhar.
— Eu posso trabalhar de casa estando em isolamento, desde que o médico diga que eu estou apto. Se estou com sintomas leves ou sem sintomas, não tem problema nenhum — resume Stürmer.
A avaliação médica se sobrepõe às normas do Ministério da Saúde?
Sim. Segundo o advogado Willian Machado, como o médico está mais próximo do indivíduo, ele define e, se entender que são necessários 10 dias para a recuperação do funcionário, a empresa deve respeitar.
No entanto, caso o paciente precise ultrapassar os 14 dias de afastamento previstos nas portarias, o médico terá que especificar as peculiaridades (como comorbidades ou outras questões de saúde) que levam a pessoa a precisar de um período maior para recuperação, destaca o desembargador Francisco Rossal de Araújo.
Se o funcionário está assintomático e pode trabalhar de casa, que tipo de equipamentos a empresa precisa prover?
A previsão é de que haja um acordo entre empregado e empregador ou um acerto definido por norma coletiva, com o sindicato da categoria. Mas, em geral, interpreta-se que o empregador tenha que fornecer ao funcionário os meios necessários para a realização do trabalho, o que pode ser negociado ou analisado caso a caso, diz o presidente do TRT4:
— Quem estabelece os fins, fornece os meios, trata-se de uma das projeções do princípio da boa fé.
Conforme a procuradora Priscila Dibi Schvarcz, em casos de teletrabalho – atuação remota por um tempo prolongado, para além de situações nas quais o trabalhador está com covid-19 – vários regramentos já preveem medidas como o ressarcimento de valores para pagar a internet e a energia elétrica e a oferta de mobiliário.
— No caso do isolamento por contaminação, o período é menor e, por isso, não é preciso tanta discussão. Mas as empresas normalmente já estão preparadas para essas situações, porque muitas têm reduzido sua presencialidade justamente para evitar surtos — relata Priscila.
A orientação de Stürmer é de que a empresa dê o mínimo de condições para o funcionário trabalhar naquelas condições, como internet e celular. No entanto, ainda que já haja regulamentos internos por empresas e acertos com sindicatos de algumas categorias, reconhece que ainda há muitos pontos a serem definidos no Congresso Nacional, para regulamentar o trabalho remoto.
Quem paga pelo teste, em caso de possibilidade de o profissional estar bem e poder voltar após cinco dias?
Segundo Willian Machado, se a empresa quiser que o funcionário volte, precisa arcar com o custo do teste – do contrário, deve deixar passar um período maior de isolamento. O professor Gilberto Stürmer acrescenta que sua recomendação, enquanto advogado, é que as empresas realizem os testes.
Entretanto, caso não seja uma exigência do empregador e o funcionário optar por fazê-lo mesmo assim, terá que pagar pela despesa, conclui o desembargador Francisco Rossal de Araújo.
O empregado pode ser demitido se não respeitar o período de isolamento?
Pode e inclusive já houve tivemos decisões nesse sentido da própria Justiça do Trabalho, segundo a procuradora Priscila. Ela adverte que se há violação da quarentena e a pessoa aproveita o período para viajar, por exemplo, há casos em que a empresa demitiu o funcionário por justa causa e a decisão foi mantida inclusive em 2º grau.
O presidente do TRT4 destaca, porém, que existe uma questão de respeito à privacidade dos funcionários e que é muito difícil as empresas monitorarem se a pessoa que está afastada segue cumprindo o isolamento:
— Não vejo nenhuma falta, isso não diz respeito a nenhuma questão trabalhista. Se espera que a pessoa em isolamento se mantenha em isolamento, mas tem que respeitar a privacidade das pessoas.