O professor Fabrício Figueiró, 35 anos, consulta a agenda, reorganiza as aulas e sua pesquisa acadêmica e aciona a sogra para cuidar do pequeno Caetano, de um ano e 10 meses. A esposa trabalha em Nova Santa Rita e passa o dia fora. Na manhã dessa segunda-feira (26), o filho do casal voltou à creche, em Porto Alegre, pelo menos por algumas horas – após reabrirem no início da manhã, parte das escolas do ensino privado voltou a suspender as atividades presenciais, logo que o governo do Estado recuou na deliberação.
— Independentemente se vai ser de um lado ou de outro, uma definição organizada seria o ideal. Da noite para o dia, a gente não consegue mudar os planos — afirma o professor.
Caetano estava incomodado em um primeiro momento, e chegou a chorar grudado no pescoço do pai. Se adaptou e passou a brincar com os coleguinhas da Anjinho do Saber, no bairro Rio Branco. A escola de Educação Infantil manteve o acolhimento aos pequenos – sobre terça-feira (27), depende de nova decisão para organizar seus horários. Irá fechar, caso a Justiça decida pela proibição, segundo a direção.
Na Escolinha Cativar, bairro Partenon, nove das 12 crianças do turno regressaram. Do quadro de profissionais, seis educadoras, uma nutricionista e duas trabalhadoras da limpeza foram escaladas para manter as salas do Maternal e do Infantil em ordem. A diretora Lisiane Aguirre Gouvea mostra o grupo de WhatsApp com as famílias: imagens compartilhadas pelos responsáveis dos meninos e meninas são trocadas com mensagens de otimismo.
— Uma mãe toda orgulhosa tirou foto do filho com a mochila nas costas. Como tu vai dizer que ele tem que ir embora? Não posso deixar meus alunos e os pais na mão. Eles trabalham, se programaram — conta.
Às 10h30min, a turma dos alunos de um e dois anos de idade assistia a um vídeo, interagindo com a professora. De tão baixinhos, não alcançavam os pés no chão quando sentados na cadeira.
A diretora da Escola de Educação Infantil Pirueta, Fernanda Barbat Antunes, reuniu as profissionais às 8h. Previa receber os alunos somente a tarde na escolinha do bairro Menino Deus, porém muitos pais já não tinham com quem deixar seus filhos.
Às 11h, uma reunião virtual debatia a intenção das famílias. A esperança da educadora é que haja uma definição antes do fim do dia. Enquanto isso, afirma, quem mais sofre são as crianças. Ela se emociona ao falar do afeto entre os amigos, crianças que criaram uma expectativa muito alta do reencontro.
— Mexe muito com o emocional. Os coleguinhas sentem muito a falta um do outro. E a gente trabalha com criança, mas não é criança. Essas decisões na calada da madrugada, às 11 da noite de um domingo, fazem parecer que somos criminosos — desabafa.
Na Rede Tartaruguinha, as lições duraram poucos minutos. Assim que o governo do Estado afirmou que suspenderia as atividades — por volta de 7h45min —, o empresário Lino Ortiz decidiu fechar as seis unidades da Capital:
— A gente compra comida, chama funcionários, liga para os pais. Falta respeito. Mas eu vou cumprir o que diz a Justiça — garantiu.
Os materiais colocados pelas pedagogas para receber a turma foram retirados da fachada do prédio, no bairro Menino Deus. O banner “que bom que vocês voltaram” era enrolado pela coordenadora de ensino, Tatiana Wotzasek, que se disse “com vontade de chorar”.
— As crianças ficam no meio disso tudo — complementa.
A policial militar Gessica Lima, 30 anos, reclama ter que trabalhar na linha de frente – nas ruas, durante a pandemia –, e ficar sem opção de onde deixar Alice, 10 meses.
— Não tenho com quem deixar, vou tentando equilibrar. Divido a alegria de vir hoje com preocupação se estará aberto amanhã — lamenta.
A pequena Amanda Weizenmann, quatro anos, aluna da Educação Infantil do Colégio Santa Doroteia, adiantava nesta manhã a arrumação da mochila para a aula que começaria no turno da tarde desta segunda-feira. Agora, Caroline Blessmann, mãe da pequena, precisará ajudar no desmanche do material e contar para a filha que o retorno à sala de aula foi, novamente, postergado.
— Ela estava muito animada com o retorno, tinha até me perguntado se o coronavírus tinha ido embora. Vou explicar a situação e pedir calma. Às vezes, tenho a impressão de que é mais difícil para a gente, os pais, do que para os filhos. Isso porque eles não têm noção do que estão perdendo da infância, a gente tem consciência disso. Contudo, acredito que ela vai ficar frustrada, porque a ansiedade dela estava muito grande. A inconstância das decisões é muito ruim e cruel. É preciso que os poderes conversem entre si, alinhem as propostas antes de mexerem com a expectativa das famílias —pontua.
No colégio do bairro Vila Ipiranga, cerca de 80 alunos distribuídos entra a Educação Infantil e o 1° e 2° do Ensino fundamental voltaram às aulas. Porém, estudantes do turno da tarde já não terão aula presencial após a decisão do governo, e as atividades voltam a ser ministradas de forma remota, comunica a escola.
Marinice Simon, diretora educacional da instituição, afirma que o desejo de voltar é grande, mas que isso deve ser feito de forma cautelosa.
— Gostaríamos de voltar, recebemos as crianças, mas temos que aguardar, porque não podemos agir na contramão. Mas estamos sempre na expectativa de retorno, porque a infraestrutura e os cuidados necessários já foram tomados para a volta às aulas — afirma.
Clima de indecisão
Na saída do Colégio Farroupilha, um pai — que preferiu não se identificar — segurava a mão da filha que é estudante da Educação Infantil. Ele conta que esperou o máximo que pôde até o momento de contar para ela que na segunda-feira a pequena iria para colégio ter aula presencial e rever os amigos e a professora. Ele conta que optou pela cautela porque, na sexta-feira (23), o clima já era de indecisão em relação ao tema:
— Ela ficou superfeliz quando contamos, porque ela quer voltar ao convívio escolar. Mas, agora, vem essa posição do governo. Isso é muito complicado porque mexe com as expectativas e os anseios das crianças. Minha filha sabe o contexto em que vivemos, mas foi criada a esperança de retomada. É tudo muito lamentável, parece que a Justiça e o governador estão brigando e fica esse constante clima de indecisão.
Enquanto monitorava o filho, aluno do 1º ano, brincar entre as plantas do jardim do Farroupilha, Maria Eduarda Carvalho, que atua como professora, relatou que o sentimento é de frustração. Para ela, não existe cenário ideal para a retomada das aulas e a insegurança permeará o convívio social por muito tempo.
— Obviamente, os riscos são controlados e minimizados lá dentro. Estou em uma posição de privilégio, porque esta é uma escola preparada para receber os alunos. Apesar da indefinição, optei por trazê-lo, porque sei que faria diferença para ele este dia, no qual ele poderia ver os amigos, socializar, enfim, ser criança. Falo isso como pessoa que está nas duas pontas. Sou professora, fico apreensiva de entrar em uma sala de aula, mas vejo que a perda social é enorme — pontua.
A nutricionista Samanta Petry se preparou e investiu para a retomada das aulas. Em função do crescimento do filho Arthur Petry, estudante do 2º ano, ela precisou comprar um novo conjunto de uniforme para ele conseguir entrar na escola Santa Doroteia. Porém, com o cancelamento das aulas, o dinheiro investido teve vida curta.
— Eu não sei como esse explicar para ele essa nova interrupção. É tudo muito lamentável, parece que estamos sendo feitos de bobos. O que me preocupa é que, em algum momento, essa conta vai chegar para a educação e o rasgo na desigualdade vai aumentar ainda mais — afirma.
Durante a tarde, algumas escolas de educação infantil continuaram a receber alunos. Na escola Cantinho do Saber, na zona sul da capital, a diretora Marcela Bortolon afirmou que os pais foram surpreendidos pela decisão que impedia a retomada das atividades presenciais, uma vez que eles haviam sido informados da reabertura pela escola, com base nas informações prestadas pela prefeitura de Porto Alegre e pelo governo do RS.
— Seguimos o que o governador e o prefeito falaram entre sexta-feira e sábado. Organizamos a escola e os pais foram informados. Não poderíamos, de forma alguma, voltar atrás e não receber as crianças, porque era combinado — destacou a diretora Marcela Bortolon. A escola instalou uma pia, tapetes sanitizantes e álcool gel na entrada para higienizar as crianças que chegam ao local.
Em outra instituição da zona sul, a situação foi semelhante. Conforme a diretora da escola infantil Portinari, Ana Paula Lauermann, cerca de 90% das crianças foram às aulas.
— Os pais trouxeram as crianças como o combinado ao longo do fim de semana. Alguns pais estão em home office, e podem ficar com as crianças. Mas muitos vieram hoje. A gente aguarda a decisão da justiça agora — completou.
O que dizem Sinepe e Sindicreches
Após reunião de diretoria realizada na manhã desta segunda-feira (26), o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) informou, em nota à imprensa, que as escolas devem suspender as aulas presenciais, inclusive as previstas para o turno desta tarde. "Diante da intimação recebida nesta manhã do Tribunal de Justiça do Estado do RS, o Sinepe/RS orienta para que as instituições de ensino suspendam as aulas presenciais, já a partir da tarde desta segunda, em cumprimento à decisão judicial", diz o texto.
O Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Estado do Rio Grande do Sul (Sindicreches-RS) também se manifestou por comunicado à imprensa no final da manhã. A instituição orienta que "todas as escolas que receberam suas crianças hoje cedo pela manhã mantenham suas atividades até que as famílias possam buscá-las com segurança".
O Judiciário, que havia reafirmado a proibição no domingo (25), julgará em segundo grau, às 18h desta segunda-feira, o pedido do Executivo para retomada das aulas presenciais.