Na transmissão ao vivo do governo do Estado que divulgou o mapa definitivo de distanciamento controlado no RS, na tarde desta segunda-feira (22), nenhuma das regiões que estavam em bandeira preta desde o mapa preliminar passou a classificações mais brandas, o que significa que 68,4% da população está em áreas com o mais alto risco possível para o coronavírus. Apesar da classificação, o governador Eduardo Leite determinou que as aulas da Educação Infantil e do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental possam ser retomadas presencialmente.
Mesmo com os protocolos de segurança estabelecidos para as instituições de ensino, especialistas demonstram preocupação e temem que a decisão acarrete em um aumento da transmissão do coronavírus no momento em que as UTIs gerais do Estado apontam cerca de 86% de taxa de ocupação.
— É uma decisão muito inapropriada para o período em que estamos vivendo. O momento de volta às aulas não pode ser durante o pior da pandemia. Esse retorno será justamente quando há superlotação e colapso do sistema de saúde, somado ao cenário de eventos festivos recentes que certamente vai contribuir para piores fases, as quais vamos viver nas próximas semanas. Não esqueçamos que as crianças pequenas serão levadas à escola por adultos e idosos que podem ser portadores de doenças, e com os quais habitam — afirma Ronaldo Hallal, médico infectologista e consultor do comitê para covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia.
O especialista chama atenção também para o fato de que a volta às aulas implica na maior circulação de membros da comunidade escolar, que utilizam transporte coletivo e dependem de refeitórios e restaurantes para se alimentarem, o que pode contribuir para a transmissão do vírus.
Já o professor de epidemiologia da Universidade Federal do RS (UFRGS) e assessor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira entende que a decisão do governo não é equivocada e pode ser discutida a partir do ponto de vista epidemiológico:
— É impossível determos a transmissão do vírus totalmente, então, para não bloquear todas as atividades, é preciso fazer aberturas em pontos que não são tão vulneráveis. O ponto de corte adotado pelo governo leva em consideração o aspecto mais técnico, de levar de volta à escola crianças em fase de alfabetização. Do ponto de vista epidemiológico, poderia ser discutido inclusive se estudantes até o quinto ano não deveriam retornar também, já que os dados de óbitos de crianças no RS são muito baixos — afirma Jair.
Restrição de atividades
O governador Eduardo Leite decidiu também manter o sistema de cogestão do modelo de distanciamento controlado no RS, que permite que locais em bandeira preta, por exemplo, possam adotar medidas de combate à pandemia semelhantes às da bandeira vermelha. Em contrapartida, o governante tornou mais restritas medidas que independem das bandeiras vigentes, como a que restringe a circulação de pessoas e o funcionamento de estabelecimentos de atendimento ao público. A partir de terça-feira (23), o horário de restrição de atividades passa a ser das 20h às 5h.
— Tomara que a restrição de atividades a partir das 20h surta efeito, mas acredito que seja uma medida insuficiente, já que as demais atividades do dia a dia funcionam quase normalmente. O gestor tende a transferir responsabilidade para a população, mas não está levando em consideração que o transporte público está lotado, que faltam políticas adequadas de distribuição de máscaras e não há nenhuma abordagem educativa ou punitiva às pessoas que estão na rua sem máscara — pontua Hallal.
Entre os estabelecimentos que precisam encerrar suas atividades às 20h estão os supermercados, determinação questionada pelo epidemiologista Jair Ferreira:
— Não vejo coerência com relação à redução de horário dos supermercados, pois pode acabar causando ainda mais aglomerações. Quanto mais tempo de funcionamento, mais a concentração de pessoas se dilui — afirma Jair.
Um dos apelos feitos pelo governador foi para que os gaúchos sejam ainda mais vigilantes uns com os outros com relação aos protocolos de combate ao coronavírus, já que o RS nunca esteve tão próximo do esgotamento de sua capacidade de atendimento em unidades de saúde. A ocupação de leitos em UTIs no RS vem batendo recordes desde quinta-feira (18), quando havia 991 doentes com covid-19 em estado grave no RS, o maior número desde o Natal. A ocupação nesta segunda-feira, de acordo com o painel de monitoramento da Secretaria Estadual da Saúde (SES), é de 1.132 pacientes com diagnóstico positivo para coronavírus recebendo cuidados intensivos.