Os docentes em atividade nunca tinham tido a experiência de um Dia do Professor como esse 15 de outubro de 2020. Em meio à pandemia que forçou, durante meses, que todos esses profissionais lecionassem aulas online – uma experiência nova para muitos –, e ainda traz dúvidas sobre segurança, possibilidade de retorno presencial e até a ideia de que este foi um "ano perdido" na educação, a data convida à reflexão. O que se aprendeu sobre o ensino remoto, o contato não mais tão próximo com os alunos, o aprendizado a distância? E como lidar com isso em meio aos tantos outros desafios impostos, não só no ensino, pelo coronavírus?
Na semana passada, em meio ao retorno gradual do ensino presencial no Estado e a movimentos de pais e educadores contrários à volta às aulas nas escolas, GZH perguntou a seus leitores: o que você pensa sobre ensino remoto e aulas presenciais na pandemia? Para os professores, perguntamos, ainda: você conseguiu se adaptar ao ensino remoto? Como foi? Como essa adaptação afetou a sua rotina e a de sua família? Você sente alguma vantagem ou desvantagem em comparação ao ensino presencial? Gostaria de seguir nesse formato ou prefere voltar à sala de aula? Por quê?
A ação recebeu quase 600 respostas de todo o Rio Grande do Sul. Muitos foram os integrantes da comunidade escolar que relataram como têm sido suas experiências neste momento atípico para o ensino, envolvendo adaptação constante e muitas preocupações devido à pandemia do novo coronavírus. Em meio a diversos depoimentos, GZH destacou alguns para ilustrar o que pensam os professores sobre sua profissão neste período.
Para a professora Ânia Dóris Reis Nunes, 41 anos, o mais marcante é a saudade dos alunos. Ela garante que a segurança de todos é, claro, prioridade, e que a adaptação ao ensino remoto tem funcionado, após um início lento, mas não basta para substituir a falta que o contato direto com os estudantes faz – ainda que este, para a professora, não seja o momento para voltar à sala de aula.
— Tenho lembranças muito boas das aulas presenciais, mas entendo que não serão iguais às de antes da pandemia. Por isso, pelos protocolos a serem seguidos, por toda organização que a escola deverá impor, sinto receio em voltar a dar aulas presencialmente — diz Ânia, professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal de Porto Alegre.
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A preferência de Ânia é pelo ensino presencial, mas ela afirma que já se vê trabalhando de forma híbrida, incluindo muitas tecnologias em sua atuação diária na docência. Algumas dessas tecnologias, ela explica, só aprendeu a lidar em função da pandemia.
A professora Andressa Esswein, 43 anos, reforça o coro de um início de difícil adaptação ao ensino remoto, mas agora se diz mais preparada para os encontros virtuais com os alunos. Para ela, o maior desafio foi garantir a aprendizagem dos alunos, algo prejudicado pela falta de contato direto com os estudantes, tanto para entender quando o conteúdo foi compreendido quanto para ver quem ficou com dúvidas.
— Já os maiores benefícios foram em relação à utilização de novos softwares em sala de aula, porque os alunos gostam bastante e se interessam. E também à maior valorização da família e dos amigos, a proximidade entre os colegas. Houve uma aproximação entre as pessoas do trabalho e da comunidade escolar em geral — relata Andressa, que leciona Química para o Ensino Médio em uma escola particular de Porto Alegre.
Andressa lembra ainda algumas situações engraçadas envolvendo, por exemplo, a disponibilização de vídeos para aqueles estudantes que não conseguissem assistir à aula simultaneamente: por vezes, ela se esquecia de gravar uma aula, e acabava tendo que lecionar novamente – desta vez, sem ninguém na plateia. Agora ela conta que já aprendeu, e raramente esquece da gravação.
Professora da rede pública na Capital, Gisele Picada da Costa, 40 anos, concorda que existem muitos problemas, mas que o ensino remoto se mostrou um sistema viável. Também para ela os primeiros meses foram complicados, mas entende que a categoria mostrou força e capacidade de adaptação para oferecer aos alunos uma educação tão boa quanto possível neste período difícil.
— Essa adaptação afetou bastante nossa rotina no início, quanto à organização de espaços e horários. Trabalhei muitas horas fora dos turnos. Mas, com o tempo, essas dificuldades foram superadas — descreve Gisele.
Superando dificuldades e mostrando muita vontade de exercer sua profissão da melhor maneira, apesar de tantos desafios, as professoras garantem que aprenderam muito nesse período: sobre as possibilidades de oferecer educação mesmo diante de muitos obstáculos, a capacidade de se renovar na carreira que escolheram e o carinho que, mesmo a distância, nutrem pelos alunos. Afinal, mesmo no mais atípico do Dia dos Professores, algumas coisas não mudam.
Confira outros depoimentos sobre ensino remoto e aulas presenciais que recebemos a partir da ação de engajamento:
Aline de Abreu da Luz, de Esteio (RS), professora do Ensino Fundamental: É uma rotina totalmente diferente do contato com o aluno em sala de aula. O acesso à internet é precário para a maioria dos estudantes, o que dificulta muito o nosso diálogo e a nossa troca. Afeta em tudo. Infelizmente não há mais horário certo de trabalho. Os alunos fazem contato de acordo com o horário e o dia em que eles conseguem. Das 20h semanais que cumpria na escola, por mais que o planejamento e as correções das atividades sejam feitas fora destas 20h, não exigia uma carga de trabalho tão extensa e desgastante. Hoje, trabalhando de casa, tem dias que passo das 8h às 22h em frente ao computador atualizando planilhas, verificando formulários e atendendo alunos e pais. Não há mais divisão entre trabalho e entretenimento. É como se estivesse trabalhando o tempo todo.
Maria Elia Gonçalves Martins, de Jaguarão (RS), professora do Ensino Fundamental: Foi difícil, já que o ensino remoto caiu em nossas vidas sem subsídio, treinamento e apoio adequado por parte do governo. Tivemos que nos "virar" com o que tínhamos, sofrendo constante pressão por parte do governo. [O ensino remoto] virou minha vida de cabeça para baixo. Minha filha também estuda remotamente. Compartilhar espaço, equipamento, internet, etc. Acredito que foi o que era possível de se fazer nesse período pandêmico. Ressalto que a escola pública nunca recebeu o investimento necessário para trabalhar com aulas remotas e tecnologias, portanto, dá para imaginar as dificuldades que encontramos. Acredito que enquanto não houver vacina, devemos nos manter na modalidade remota. A escola pública continua com suas mesmas precariedades e falta de estrutura. Como manter protocolos de segurança se falta até professor para sala de aula?
Jonathan Henriques do Amaral, de Bento Gonçalves (RS), professora do Ensino Médio e Superior: Mesmo com a necessidade de aprender a utilizar novos programas, a demanda de trabalho diminuiu, pois posso gravar um vídeo e utilizá-lo para diferentes turmas, se o conteúdo for o mesmo – o que me poupa tempo. Além disso, no estabelecimento em que trabalho, os professores foram recomendados a trabalhar menos conteúdos e fazer menos avaliações do que o normal, para não sobrecarregar os alunos. Assim, de modo geral, estou com uma carga de trabalho menor que a habitual. Há mais desvantagens do que vantagens, sobretudo no que diz respeito ao Ensino Médio, pois os alunos têm menor autonomia para trabalharem por conta própria. No ensino presencial, o professor tem um contato mais próximo com o aluno e, assim, consegue averiguar melhor a existência de problemas que interferem no aprendizado. A docência envolve uma dimensão afetiva que fica prejudicada quando há uma tecnologia intermediando a relação entre professor e aluno. Além disso, os processos de ensino e aprendizagem perdem a espontaneidade própria do trabalho em sala de aula: por exemplo, o professor não pode dialogar com os alunos durante uma explicação, registrando no quadro o que os alunos já sabem e trabalhando a partir disso. Embora as tecnologias tenham diversas vantagens, há algo que é próprio à relação "real" entre professor e aluno que só existe na sala de aula. Certamente gostaria de voltar à sala de aula, mas desde que haja segurança para isso. Embora a carga de trabalho seja menor, acho muito cansativo passar tanto tempo em casa, em frente ao computador. Vejo o ensino remoto como uma forma de redução de danos, mas não vejo como manter o mesmo nível de qualidade sem que haja atividades presenciais.
Fábio Carrion, de Porto Alegre (RS), professor da rede pública de ensino - No começo foi complicado. Mas o ensino remoto exige muito no sentido de preparar material e ainda atender toda a demanda. Não tenho folga, não tenho finais de semana. Antes eram 40h por semana com horário fixo. Isso não existe mais. Como a demanda para preparar material para 15 turmas é muito grande, acabo trabalhando em horários além das 40h. Gosto de estar na sala de aula e explicar a matéria, gosto do quadro, da sala de vídeo e da biblioteca, mas pretendo continuar com minha plataforma no Classroom mesmo depois do ensino remoto acabar, como ferramenta complementar. Hoje, prefiro continuar o ensino remoto, não estou disposto a dar aula em meio a uma pandemia e colocar minha família toda em risco.
João Batista Araujo, de Porto Alegre (RS), professor do Ensino Fundamental da rede pública - A fase de adaptação continua, pois sigo fazendo cursos de formação direcionados ao ensino híbrido. A pandemia atingiu a todos de um jeito ou de outro. Tive que investir na melhoria do meu computador. Tenho um filho que também está tendo aulas remotas e nossas atividades acontecem nos mesmos horários. Então a internet não está conseguindo atender nossa demanda. Troquei de operadora, mas os problemas de conexão continuam. Todo meu tempo é gasto em reuniões remotas, lives, cursos de formação e preparação de aulas. Mas a realidade do educador é esta mesmo independente de pandemia, pois nosso trabalho toda vida se estendeu para além do horário presencial na escola. As aulas presenciais são fundamentais na formação humana de crianças e adolescentes no sentido amplo do que significa educação. O ensino remoto é o que é possível no momento, e penso que serve muito mais para mantermos o vínculo com os alunos e com a comunidade escolar. A vantagem têm sido a economia de tempo e de custo do deslocamento até a escola. Eu sou do grupo de risco, portanto meu compromisso é com a vida em primeiro lugar. A minha, dos meus alunos e da minha família. Somente retornarei ao ensino presencial quando for possível tomar uma vacina eficaz e segura.
Silvia Mara Da Silva, de Porto Alegre (RS), professora do Ensino Fundamental da rede pública - A rede municipal de ensino de Porto Alegre não deu formação. Com a suspensão das aulas em março, para continuarmos a atender aos alunos fizemos contato por WhatsApp, pelo Google Sala de Aula. Assim, como muitos colegas, fiz cursos para gravar aulas e ministrar os conteúdos. A prefeitura apenas ofereceu uma proposta em julho e, mesmo assim, em uma aplicativo que há pouco teve a gratuidade. O contato com o aluno se dá a qualquer hora. Não há um horário estipulado. Às vezes é sábado à noite ou domingo pela manhã. Tenho áudio de alunos, pais, sobre uma dúvida ou para conversar. A vantagem é que me sinto segura e penso que assim como eu estou em isolamento, evitando saídas que não sejam para médico e mercado, as outras pessoas também estão. Como posso pensar em voltar sabendo das condições que serão oferecidas para os alunos e para mim? Prefiro ficar em aulas EAD. É mais seguro para os alunos, para mim e para meus familiares. Trabalho com alunos de Educação Especial, muitos com comorbidades sérias, que fazem muitas interações colocando objetos na boca ou ainda estão aprendendo controlar a salivação. Como dizer para os pais desses alunos que temos condições de mantê-los seguros? É muita responsabilidade dizer que a escola não será um facilitador para entrada da covid na casa dessas crianças.
Rejane Cecília Barbosa de Almeida, de Porto Alegre (RS), professora do Ensino Médio da rede pública - Sabemos que o ensino remoto nunca foi e nem será o mais adequado para crianças e adolescentes. No entanto, nesse momento, ele se mostra como a única alternativa possível para mantermos o vínculo com nossos estudantes. [A mudança para as aulas remotas] afetou muito, pois meu turno de trabalho é pela manhã, porém nossos estudantes de escolas públicas, no geral, acessam as atividades tarde da noite. Alegam que só dispõem de um aparelho celular para a família inteira e também que à noite (beirando a madrugada) a casa fica mais silenciosa e proporciona mais tranquilidade para realizar as atividades com mais atenção. Então, precisamos ficar muito além de nosso horário de trabalho para conseguir responder o mais rápido possível suas dúvidas, pois sabemos que a ansiedade gerada desse momento é muito grande. Podemos dizer que a adaptação ao distanciamento social afetou toda a sociedade. E é com tristeza que observo que ainda temos muito que caminhar para nos tornarmos humanidade e construirmos uma sociedade com mais equidade. É sabido que nossos estudantes precisam ter condições de experimentar as plataformas digitais, precisam aprender - muitos não sabem sequer escrever um e-mail. Então, se formos pensar que mesmo sendo forçados, estão aprendendo, pode-se dizer que é uma vantagem. No entanto NADA substitui o ensino presencial - que nesse momento não é recomendado pelos especialistas por trazer um enorme risco à comunidade escolar. Todos nós, professores e estudantes, temos vontade de estar nas salas de aula. Porém, nem sempre podemos fazer aquilo que temos vontade. Muitas vezes precisamos assumir nossa capacidade de tomarmos a melhor posição frente aquilo que nos aparece. Ser professora é agir com responsabilidade, olhando aquilo que a ciência nos mostra.