Um relatório recente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstra a dura realidade uma força de trabalho bastante afetada pela pandemia: as domésticas. Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar Contínua (Pnad C), 1,257 milhão de postos de trabalho doméstico foram perdidos no Brasil de março a junho deste ano. Esse número aponta para uma redução de 21,1% nas vagas de emprego no setor, passando de 5,9 milhões de pessoas ocupadas em março para 4,7 milhões em junho.
O problema é ainda maior para quem vive na informalidade. Pelos dados da Pnad C, dos 4,7 milhões de trabalhadores domésticos que seguiam empregados em junho, 3,3 milhões não tinham carteira assinada. Isso significa que, do total de empregados nesta área – que são em sua maioria mulheres – cerca de 70% estão na informalidade.
Com a perda dos postos de trabalho, essas domésticas sem carteira assinada não têm acesso a benefícios como indenização, seguro-desemprego e FGTS. E elas foram as mais afetadas por demissões. Analisando o grupo das pessoas demitidas, entre as domésticas com carteira assinada a redução de vagas ficou na casa dos 14%, com 229 mil pessoas perdendo o emprego. Entre os domésticos informais, foram mais de 1 milhão de postos fechados no mesmo período, redução de 23,7%.
A situação só não é pior, especialistas apontam, graças ao auxílio emergencial concedido pelo governo federal. Os R$ 600 mensais injetados na renda de diversas famílias brasileiras beneficiaram também os lares de quem vivia na informalidade e conseguiu obter o benefício.
– O auxílio foi fundamental, principalmente, pelo estímulo do Congresso de alterar o valor inicial, que era baixo, indo para os atuais R$ 600. Isso é o mínimo dos mínimos para uma família – aponta a economista Virginia Donoso.
Consultora do site Democracia e Mundo do Trabalho em Debate (DMT), Virginia analisou os números da Pnad C à pedido do grupo Themis – Gênero, Justiça e Direito Humanos. Para ela, o retorno das domésticas aos postos de trabalho informais pode ocorrer em uma situação com ainda mais precarização.
– A maioria dessas domésticas que perdeu o emprego estava numa ocupação precária, portanto, já tinha um emprego frágil. Para a volta, a tendência é voltar numa mesma situação informal – projeta a economista.
Redução do auxílio emergencial preocupa
A redução nos valores do auxílio emergencial compromete a situação das domésticas sem emprego, na visão da economista Virginia Donoso. Para ela, o benefício deveria se manter no patamar atual até, pelo menos, a virada de ano.
– É lamentável que se diminua o auxílio para R$ 300, pois continuamos no olho do furacão. A pandemia tende a arrefecer, mas o governo deveria manter essa política até o final do ano, até para organizar melhor um retorno da atividade econômica.
Segundo Virginia, mesmo que o consumo ainda esteja aquecido, principalmente, pelo dinheiro do auxílio, a inflação no preço dos alimentos já é um alerta para o risco de reduzir o benefício, mesmo num momento em que o país tem baixas taxas de juros.
Diarista viu clientes sumirem
Moradora do bairro Costa e Silva, na zona norte de Porto Alegre, a diarista Roselaine Santos de Souza, 31 anos, viu os clientes sumirem com a pandemia. No final do ano passado, ela e duas amigas formaram um time de diaristas que atendia clientes na Capital e Região Metropolitana.
Porém, com o avanço do coronavírus, as oportunidades foram sumindo e as Amigas da Faxina, como se autointitulavam nas redes sociais, tiveram de se separar.
– Os clientes foram desmarcando, até que não sobrou mais nenhum. Começamos a correr cada uma por si, o que foi bem triste, pois estávamos com tantos pedidos que até repassávamos para outras colegas – recorda Roselaine.
Com Ensino Médio e alguns semestres do curso de Administração, a diarista garante que adora o trabalho que a sustenta, mesmo com a desvalorização das profissionais no mercado. Morando com o marido, que também perdeu o emprego, e três filhos, a diarista precisou pedir ajuda de parentes para se sustentar nos primeiros meses de pandemia:
– Demorou até meu companheiro conseguir ter acesso ao seguro-desemprego e eu ao auxílio emergencial. Agora, o marido tem feito bicos na construção civil e Roselaine está com apenas um cliente semanal.
A informalidade mostra o lado da necessidade por trabalho. Antes da pandemia, os serviços incluíam até o custo de deslocamento das trabalhadoras. Agora, com as oportunidades mais escassas, o deslocamento deixou de ser incluído:
– Quando é mais próximo, consigo ir com carro de aplicativo. Mas, se aumenta a distância, temos de nos arriscar no transporte público mesmo, usando máscara e álcool gel.
Cuidados no retorno ao trabalho
A entidade representativa da classe tem prestado esclarecimentos sobre os direitos de quem atua na área. Conforme Luiza Batista, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), no momento o foco está no auxílio a quem ficou sem trabalho.
Um exemplo de orientação da entidade foi a participação de trabalhadoras num curso gratuito oferecido pela Themis, batizado de Domésticas com Direitos. A presidente da Fenatrad é mais uma a criticar as reduções no valor do auxílio emergencial:
– Eu fico imaginando as famílias que vão ter R$ 300 para pagar aluguel, água, luz e alimentos. É uma total falta de compromisso do governo. Quem tinha carteira assinada, ainda pode ter aquela suspensão temporária de contrato. Mas, quem fica na informalidade, está sofrendo bastante.
Conforme Luiza, para aquelas domésticas que seguem trabalhando ou estão em busca de um retorno ao mercado, as orientações da entidade são para que as profissionais busquem acordar com os patrões horários de trabalho diferenciados e uso de equipamentos de proteção.
– A trabalhadora pode se deslocar fora dos horários de pico, evitando as aglomerações do transporte público. E o uso de máscara e álcool gel deve ser estendido também para o ambiente de trabalho, pois é essencial que a segurança esteja em primeiro lugar – pontua Luiza.