A pandemia de coronavírus foi capaz de aproximar um professor de Ciências Sociais da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade do RS (PUCRS) e representantes de sete comunidades indígenas espalhadas pelo Brasil. De um único contato surgiu uma amizade inesperada e um estreitamento de laços via WhatsApp.
O docente Hermílio Santos, que também é coordenador do Centro de Análises Econômicas e Sociais da universidade, jamais imaginou que o cancelamento de um evento internacional que seria realizado no Brasil pela primeira vez em 70 anos se tornaria a ponte entre ele e os povos indígenas. Por conta da pandemia, o Fórum Internacional de Sociologia, que estava sendo organizado por Santos e ocorreria em Porto Alegre, foi transferido para 2021 e em formato online.
Para permanecer com a verba do evento que havia sido liberada pela Capes, o docente decidiu investi-la na produção de sete documentários sobre os temas do fórum seguinte. Um deles será sobre as comunidades indígenas, e é o único que não poderá ser produzido presencialmente pelos organizadores.
— Surgiu a ideia de contatar essas comunidades com a ajuda da Funai. Acabei chegando ao WhatsApp de cada representante. Muitos deles já estão acostumados a fazer vídeos e têm redes sociais — comenta o professor.
Na conversa em português, por mensagem e por voz, Santos propôs que cada povo gravasse um vídeo falando sobre o que considerassem importante apresentar ao mundo — da história deles à situação nos dias atuais. Foram contatados os povos terena, bororo, panará e yawalapiti, no Mato Grosso, huni kuin (kaxinawá), no Acre, mebengrôke (kayapó), no Pará, e caingangue, no Rio Grande do Sul.
Foi durante esses contatos, iniciados no final do mês passado, que as conversas acabaram ganhando novos rumos. Os panarás, por exemplo, pediram auxílio para obter planos de estudo do Ensino Fundamental nas áreas de matemática, português e ciências. Santos conseguiu o material com uma escola de Minas Gerais e encaminhou pelo WhatsApp ao representante deles, Kowpy Panará. Eles também começaram a enviar dúvidas relacionadas à educação, principalmente fonética, para serem respondidas por Santos.
Já com os mebengrôkes, o professor se tornou amigo de Beprarakti Mekragnotire, 24 anos, que concluiu neste ano a faculdade de Pedagogia na Unifama, em Guarantã do Norte, no Mato Grosso. Também apaixonado por educação, Beprarakti se interessou em saber mais sobre a história do Brasil. Santos, então, foi além. Gravou um vídeo em casa mostrando como foi a chegada dos portugueses ao Brasil e enviou ao pedagogo, que voltou a morar na aldeia Mekragnotire Velho para fundar uma escola.
— É gratificante conversar com professor e ter a amizade dele. O professor Hermílio tem sido muito simpático comigo. Nós tivemos uma interação mesmo com toda esta distância. Minha vontade é de conhecer ele pessoalmente para conversarmos muito sobre educação e sobre como é a vida na sociedade dele — explicou Beprarakti à reportagem.
Expressando-se em português, o pedagogo dos mebengrôke explicou por telefone que a aldeia não tem energia elétrica, usa energia solar, fica a duas horas de voo da cidade mais próxima e está encravada no meio da floresta amazônica. Por isso, a comunidade tem dificuldades de conseguir material escolar para as crianças.
Comovido com a situação da aldeia onde vive Beprarakti, Santos reuniu amigos e organizou doações de cadernos, borrachas, lápis e canetas, que foram enviados pelos Correios e serão encaminhados à comunidade via Funai.
Sobre a experiência inesperada, Santos ainda se impressiona com as mensagens de "bom dia" e "boa noite, professor", enviadas pelos novos amigos.
— Vejo que eles têm um enorme respeito pela figura do professor. E o que eles (representantes das aldeias) estão me pedindo é na área da educação, que é o meu ofício. Jamais me imaginei fazendo um trabalho voluntário, mas estou fazendo com a maior dedicação — conta Santos, que já foi convidado por duas aldeias para visitá-las logo depois da pandemia.
O vídeo que será produzido a partir dos depoimentos das aldeias deverá ter cerca de 15 minutos e será apresentado no IV Fórum de Sociologia da International Sociological Associatinon (ISA). Ele será legendado em inglês e português, já que todos os indígenas falaram em suas próprias línguas.
Povos indígenas contatados e seus representantes
- Mebengrôke (Kayapó), no Sul do Pará: Beprarakti Mekragnotire
- Panará, no Mato Grosso: Kowpy Panará
- Terena, no Mato Grosso: Antonino Terena
- Bororo, no Mato Grosso: Paulo Ecerae
- Huni kuin (Kaxinawá), no Acre: Jósimo Huni Kuin
- Yawalapiti, no Xingu: Watatakalu Yawalapiti (liderança do Movimento de Mulheres do Xingu)
- Moisés Kaingang, no Rio Grande do Sul
População no Brasil de cada povo indígena
- Panará - 542 pessoas
- Mebengrôke Kayapó - 11,7 mil
- Bororo - 1,8 mil
- Terena - 26 mil
- Caingangue - 45 mil
- Kaxinawá - 10,8 mil