Entenda a reportagem em quatro pontos:
- Mais de 290 mil gaúchos que tiveram contrato de trabalho suspenso podem ter redução do 13º salário.
- Por lei, a gratificação corresponde ao salário de dezembro, dividido por 12 e multiplicado pelo número de meses trabalhados.
- MP que instituiu possibilidade de suspensão de contrato não prevê dispositivo que garanta o valor integral do 13°.
- Para quem teve a jornada de trabalho e o salário reduzidos, só haverá impacto no valor caso a redução ainda esteja em vigor em dezembro.
Leia a reportagem completa:
Trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho suspenso em razão da pandemia do coronavírus podem ter uma surpresa negativa na hora de receber o 13º salário. Isso porque a Medida Provisória (MP) 936, que trata sobre a redução e a suspensão dos contratos, não prevê dispositivo que garanta o valor integral para o trabalhador.
Só no Rio Grande do Sul, pelo menos 291 mil pessoas podem ter a gratificação reduzida.
A informação foi confirmada pela Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, ligada ao Ministério da Economia, que afirmou que "o valor será reduzido nos termos da legislação vigente". A lei a que se refere a secretaria é de 1962 e prevê que a gratificação corresponde ao salário de dezembro, dividido por 12 e multiplicado pelo número de meses trabalhados.
O secretário da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), Felipe Carmona, ressalta que o impacto poderá ocorrer não só no 13º salário, mas também nas férias:
— A suspensão do contrato de trabalho atinge imediatamente a contraprestação que o trabalhador tem, que é o salário. Se não há salário, não entra para o cálculo de férias nem de 13º salário. Temos uma situação que é a regra geral hoje, todo o 13º e as férias são calculados pelos meses trabalhados, que teve a contraprestação de salário.
Carmona não descarta que a questão pode ser levada à Justiça:
— A expectativa do trabalhador é de que, com o contrato vigente com a empresa ao longo de 2020, apesar da suspensão, ele pode imaginar que não deixou de trabalhar para a empresa e, portanto, vai receber o 13º de forma integral. E essa expectativa pode ser frustrada, dando margem a muitas ações judiciais. Advogados dos trabalhadores vão discutir isso na Justiça, certamente. Nesse panorama atual, como carece de legislação apropriada, quem vai decidir se a redução do 13º e das férias é legal ou não, vai ser a Justiça.
Outro ponto que também pode parar na Justiça é a contribuição previdenciária. Com a suspensão do contrato de trabalho por 90 dias, por exemplo, esses três meses podem faltar na hora da aposentadoria. O trabalhador ainda pode se sentir prejudicado em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que deixa de ser recolhido durante a suspensão do contrato.
Trabalhadores com jornada reduzida
Para os trabalhadores que tiveram a jornada de trabalho reduzida e, consequentemente, o salário, só haverá impacto no valor do 13º caso a redução ainda esteja em vigor em dezembro — que é o mês base para o cálculo do benefício.
O advogado Camilo Gomes de Macedo, sócio do escritório Macedo & Pochmann Advogados, reforça que as empresas não estão cometendo nenhuma irregularidade e estão cumprindo o que está previsto em lei. Mesmo assim, acredita que trabalhadores irão à Justiça:
— Quanto à judicialização, não tenho dúvidas que ocorrerá, pois quem for buscar direito diverso trará como fundamento uma possível violação de direito constitucionalmente assegurado, o que, em particular, entendo não ocorrer.
O pagamento do 13º salário é disciplinado pela Lei 4.090/1962. No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST), decisões da 8ª Turma (em 2016 e 2019) apontam que a suspensão do contrato de trabalho implica a interrupção de algumas das principais obrigações recíprocas do contrato de trabalho, entre elas o pagamento da remuneração pelo empregador e o cômputo do tempo como de serviço. Neste contexto, o período de suspensão não é computado para fins de 13º salário. No entanto, nenhum caso concreto que trate da suspensão do contrato nos termos da MP 936/2020 foi analisado pelas turmas do TST até o momento.
De acordo com dados do Ministério da Economia, no Rio Grande do Sul já foram fechados 450.748 acordos para suspensão de contratos de trabalho com 291.961 trabalhadores, que poderão receber 13º menor. Como a suspensão pode chegar a até 180 dias (seis meses), o corte pode ser substancial. Uma pessoa com salário de R$ 4 mil e com suspensão de contrato por seis meses — máximo permitido —, por exemplo, receberia R$ 2 mil (valor bruto, sem descontos como INSS e IR) como 13º.
O RS é o quarto no país com o maior número de acordos de suspensão, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. No país, o número de brasileiros que tiveram o contrato suspenso chega a 5,316 milhões.
Pela MP, o governo federal assume parte do salário suspenso ou do valor reduzido, com parcelas que podem variar de R$ 261,25 a R$ 1.813,03 — é o chamado Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda. O valor é calculado com base no seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito em caso de demissão. Em contrapartida, as empresas precisam garantir a estabilidade do funcionário pelo mesmo período que utilizou o expediente, que pode chegar até 180 dias.
Acordos por tipo de adesão no Rio Grande do Sul*
- Suspensão: 450.748, envolvendo 291.961 trabalhadores
- Redução de 70% da jornada de trabalho: 224.055, envolvendo 160.085 trabalhadores
- Redução de 50% da jornada de trabalho: 244.699, envolvendo 170.277 trabalhadores
- Redução de 25% da jornada de trabalho: 193.750, envolvendo 141.116 trabalhadores
Acordos por tipo de adesão no Brasil*
- Suspensão: 7.854.860, envolvendo 5.316.737 trabalhadores
- Redução de 70% da jornada de trabalho: 3.997.884, envolvendo 2.933.535 de trabalhadores
- Redução de 50% da jornada de trabalho: 3.393.723, envolvendo 2.437.552 de trabalhadores
- Redução de 25% da jornada de trabalho: 2.631.652, envolvendo 1.927.978 de trabalhadores.
* Dados de 16 de setembro de 2020.