Mais de 27 mil alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) retomaram as aulas na manhã desta quarta-feira (19). Em função da pandemia de coronavírus, o sistema presencial de aulas foi substituído pelo Ensino Remoto Emergencial (ERE). Nessa modalidade, os alunos que já estão com acesso a computadores, tablets e internet podem acompanhar o conteúdo ministrado pelos professores de forma síncrona – simultânea – ou assíncrona – quando o material fica salvo ou gravado para acesso posterior. Esse primeiro dia de aula foi positivo para alguns estudantes, mas há relatos de pessoas que não conseguiram acessar as salas de aula virtuais.
Para a retornar aos estudos, o estudante de Biblioteconomia Felipe Prestes, 25 anos, manteve a rotina que seguia nas aulas presenciais. Acordou cedo, tomou café e acessou a plataforma de ensino. Felipe relata que o sistema é bem intuitivo e não enfrentou nenhum problema para acompanhar o andamento da aula inaugural deste semestre atípico.
— A princípio, parece que tudo vai fluir sem grandes problemas, mas temos que esperar o decorrer do semestre. Há um processo de adaptação curricular para as disciplinas mais práticas, teremos que ver como isso será trabalhado. Essa situação não é a ideal, mas é o melhor que podemos ter dentro deste contexto de pandemia. Teve uma luta forte dos alunos para o fornecimento de auxílios financeiros e também iniciativa de estudantes e professores para promover o acesso a computadores, com o qual, inclusive, fui beneficiado — diz o jovem.
A iniciativa citada por Felipe é o Reconecta UFRGS, projeto do Instituto de Informática da universidade que destina computadores para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O estudante ficou muito feliz em ter sido sorteado no programa. No sábado passado (15), ele recebeu a sua máquina, doada e restaurada por voluntários. Como mora com a namorada e eles dividiam um notebook, a situação de volta às aulas de forma online seria complicada, já que ela também é caloura da Fonoaudiologia da UFRGS.
Há outros programas para reduzir a desigualdade de acesso na instituição: a UFRGS disponibilizará cerca de 9,5 mil auxílios financeiros aos alunos mais pobres — incluindo R$ 70 para pagar internet, R$ 360 para comprar tablet, R$ 300 para alimentação e R$ 200 como auxílio-covid. Além disso, todas as aulas deverão ser gravadas e será proibido rodar por falta.
Em uma realidade diferente daquela de Felipe, o reinício foi tranquilo para o estudante de Ciências da Computação Gustavo Kremer, 21 anos. Com computador próprio e acesso à internet banda larga, ele assistiu à primeira aula deste semestre, assim como outros 30 colegas. O jovem é ciente da posição privilegiada que ocupa e destaca que faltam políticas de inclusão e promoção de acesso às ferramentas tecnológicas por parte da universidade:
— Acredito que foi uma boa decisão termos voltado às aulas. Mas a UFRGS precisa implementar mais políticas de acesso a computadores. Pode ser que os R$ 70 reais até ajudem na contratação de um plano de internet móvel, mas com R$ 360 tu não compras um tablet que suporte nossas demandas acadêmicas. Neste momento, é preciso atingir os alunos com políticas para tentar minimizar os prejuízos causados por este cenário e não aumentar ainda mais a desigualdade.
O que diz o DCE
Ana Paula Santos, coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRGS, aponta que os auxílios financeiros que visam à inclusão digital dos universitários em situação de vulnerabilidade são de baixo valor.
— Os planos de internet fixa custam mais do que R$ 70, na maioria das vezes, e algumas regiões, até mesmo, não têm infraestrutura para rede. Na opinião do DCE, esse semestre, na modalidade remota, não foi construído com a comunidade, o calendário dado pela UFRGS foi muito curto, não houve tempo para um planejamento pedagógico adequado e o escasso auxílio pode afastar pessoas da universidade de forma definitiva — pontua.
A coordenadora relata ainda que chegaram até o DCE relatos de pessoas que não conseguiram acessar a plataforma de ensino, de alunos que ainda estão esperando o resultado do ajuste de matrícula e de outros que tiveram alteração no horário de uma disciplina:
— Temos casos de alunos que tiveram professor e horário de aula alterados sem aviso prévio e, agora, alguns têm duas disciplinas síncronas, que requerem presença simultânea, no mesmo horário.
Em relação ao nível de acesso geral de estudantes à internet, a coordenadora-geral do DCE da UFRGS afirma que, com base em pesquisa feita pela própria universidade e das comissões de graduações das faculdades, o resultado não é satisfatório.
— Não temos um dado oficial, mas nos baseamos neste levantamento promovido pela universidade. Aproximadamente 60% dos estudantes não responderam a esse formulário da UFRGS, que foi enviado diversas vezes por e-mail. Acreditamos que esta porcentagem de pessoas esteja sem acesso ou com acesso limitado. As comissões das faculdades também fizeram um estudo neste estilo e nenhum curso obteve resposta de 60% dos seus alunos — ressalta.
O que diz o sindicato dos professores
Lúcio Vieira, presidente do Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (Adufrgs), diz que a retomada das aulas é a alternativa viável para que a universidade possa cumprir seu papel social, que é o ensino. Ele pontuou ainda que alguns professores precisarão passar por um processo de adaptação à nova modalidade:
— Em função disso, criamos uma comissão para identificar os gargalos do sistema remoto de ensino e estamos confiantes de que vamos superar esse desafio. Os professores estão mobilizados e temos um corpo docente extremamente qualificado.
O que diz a UFRGS
O pró-reitor de Graduação Vladimir Nascimento comentou sobre o início das aulas a distância. Professor no curso de Medicina Veterinária, ele argumentou que "não consideramos como um 'novo normal', pois queremos, assim que possível, voltar a ter o contato pessoal e presencial com nossos alunos, como sempre fizemos".
— Minha primeira aula ocorreu de maneira muito tranquila, com um número de alunos semelhante ao que costumávamos ter em sala de aula antes da pandemia. Os alunos ficaram até o fim, inclusive fazendo perguntas. Estamos comprometidos com essa nova tarefa — relata.
Por meio de nota, a universidade respondeu às perguntas enviadas por GaúchaZH sobre o início do ERE e fez uma avaliação sobre esse primeiro dia de aulas do primeiro semestre, que vão até 2 de dezembro. Confira abaixo:
Como está sendo a avaliação da UFRGS deste primeiro dia de aula?
De acordo com depoimento de dezenas de professores que fazem parte de um grupo de Ferramentas Tecnológicas UFRGS, as primeiras impressões são positivas. Muitos testes foram feitos, cursos para os docentes foram promovidos, além de serem oferecidos diferentes canais e grupos de apoio, com redes que fortalecem e dão mais segurança a esse processo inédito na Universidade. Além disso, cabe informar que existe uma Comissão de Acompanhamento do Ensino Remoto Emergencial com representação de alunos, docentes e técnico-administrativos. Os alunos tiveram como alternativas de acesso o Moodle, o Rooda e o SAV. Alguns professores que iniciaram as aulas hoje pela manhã perceberam a participação de estudantes que, além de Porto Alegre, estão fora do Estado ou no Interior.
O DCE afirmou que recebeu relatos de alunos e professores que não conseguiram acessar o sistema de aula. A universidade chegou a receber algum relato do tipo? Se sim, o que pretende fazer?
Nem a Secretaria de Educação a Distância (SEAD) e nem no CPD receberam relatos de problemas de acesso. Caso haja problemas, é necessário fazer contato através dos canais disponíveis no site da UFRGS para que se possa adotar as ações cabíveis para a resolução.
Há relatos de disciplinas que tiveram seu horário trocado, sem aviso prévio, e alguns estudantes estão, agora, com duas disciplinas síncronas no mesmo horário. O que acontecerá nestes casos?
Todas as alterações de oferecimento das Atividades de Ensino passam pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e, até o momento, 20 processos foram encaminhados. Destes, apenas um solicitou alteração de horário apresentando, conforme a determinação da Prograd, a manifestação de concordância dos alunos matriculados. A ampla maioria dos processos trata de oferecimento de novas turmas e, nestes casos, a matrícula dos alunos está condicionada à manifestação de concordância destes. Qualquer intercorrência, os estudantes devem buscar a Comissão de Graduação de seu curso para orientação e eventuais correções que sejam necessárias.
Há perspectiva de retomada de aulas práticas presenciais?
Ainda não. A UFRGS, desde o dia 16 de março, está mantendo, presencialmente, apenas atividades essenciais. Para uma retomada integral, depende de decisões tomadas pelo Governo do Estado e pelo comitê da UFRGS responsável pelo Plano de Contingenciamento frente ao novo coronavírus.
Os auxílios dados pela universidade vão cobrir quantos alunos? O DCE afirma que somente mil alunos serão beneficiados, sendo que 50% das vagas da universidade são para cotistas. O que geraria um descompasso e poderia aumentar a desigualdade e afetar a permanência dos estudantes na academia. Se o número de pessoas beneficiadas for realmente mil, há previsão de expansão dessa assistência?
A Pró-reitoria de Assuntos estudantis (PRAE) mantém vários auxílios. O mais abrangente nesse momento é o auxílio internet, que vai contemplar 3.690 estudantes. A PRAE atua por meio de editais, todos os alunos com renda per capita familiar menor do que 1,5 salário-mínimo podem solicitar os auxílios, mas menos do que 4.000 solicitam. Ou seja, o fato do aluno ser cotista de renda (25% das vagas) não implica que ele necessita dos auxílios. Este ano, a partir do entendimento que alguns estudantes podem ter a renda das suas famílias afetada pela pandemia, a PRAE abriu um edital extra para todos os alunos cotistas (mas, que não estão entre os 3.690 já atendidos) oferecendo um auxílio de R$ 200 mensais, e apenas 402 alunos solicitaram esse auxílio.
Sobre a falta de espaço para armazenar as atividades assíncronas, lembramos que esse material fica armazenado na nuvem e não há necessidade de tê-lo armazenado nos tablets.