A decisão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de voltar às aulas em 19 de agosto, divulgada na segunda-feira (27), dividiu a comunidade acadêmica.
GaúchaZH ouviu, nesta terça-feira (28), diferentes entidades representativas de estudantes e professores. A impressão é de uma divisão entre a ansiedade por retomar as aulas e os receios de quem não tem acesso à internet.
Para reduzir a desigualdade de acesso, a UFRGS disponibilizará cerca de 9,5 mil auxílios financeiros aos alunos mais pobres — incluindo R$ 70 para pagar internet, R$ 360 para comprar tablet, R$ 300 para alimentação e R$ 200 como auxílio-covid. Além disso, todas as aulas deverão ser gravadas e será proibido rodar por falta.
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) reclama de falta de diálogo com a reitoria, avalia que a cobertura dos auxílios está abaixo do necessário e defende que o semestre seja apenas de disciplinas não obrigatórias, em modalidade de teste.
— Boa parte das pessoas entram por cotas, então são estudantes da periferia com condição de vida diferente. O ensino remoto, como foi aprovado, vai aprofundar ainda mais as desigualdades. Os auxílios não contemplam todas as pessoas que precisam — afirma a coordenadora-geral do DCE e estudante de Matemática, Ana Paula Santos, 22 anos.
Na Odontologia, dos cerca de 500 alunos, 84% era a favor da volta às aulas, mostra levantamento feito pelo Diretório Acadêmico. Cerca de 40 pessoas afirmaram ter baixa qualidade de internet.
O ensino remoto, como foi aprovado, vai aprofundar ainda mais as desigualdades. Os auxílios não contemplam todas as pessoas que precisam
ANA PAULA SANTOS
Coordenadora-geral do DCE e estudante de Matemática
— A maioria dos alunos estava favorável à volta às aulas. Provavelmente, nesses três meses a gente vai ter só as matérias (teóricas) de sala de aula. Só que a decisão demorou muito. O pessoal estava bem chateado pela demora — afirma a presidente do Diretório Acadêmico e aluna do sétimo semestre, Luana Marques, de 23 anos.
Moradores da Casa do Estudante reclamam da internet de baixa qualidade nos prédios — há relatos de estudantes que precisam ir para a rua em busca de sinal — e afirmam que o valor do auxílio-inclusão digital é insuficiente.
— Com o valor do auxílio-tablet, o aparelho não roda os programas necessários e nem dá para ter Wi-Fi. Os R$ 360 não servem para comprar um equipamento individual — diz Sarah Domingues, 24, moradora da Casa do Estudante e integrante do Diretório Acadêmico da Arquitetura.
Na avaliação do Centro Acadêmico André da Rocha (Caar), entidade representativa de estudantes de Direito da UFRGS, uma parcela dos alunos acabará excluída desse processo pela falta de condições para participar das atividades.
— Isso prejudica a construção de uma universidade pública acessível e democrática para todos — lamenta Pedro Nogueira, vice-presidente do Caar.
Na Engenharia da Produção, pesquisa realizada com um terço dos alunos mostrou que 95% era favorável à retomada. O presidente do Diretório Acadêmico, Bruno Padilha, comenta que muitas disciplinas já eram ministradas remotamente por iniciativa dos professores.
— Tirando a linha de frente no combate ao vírus, identificar quem está passando por dificuldades e que tipo de problemas são esses é, provavelmente, a maior dificuldade enfrentada pela universidade no momento — avalia o representante, que também afirma que os auxílios da universidade são insuficientes.
Na Medicina Veterinária, um questionário respondido por 550 alunos mostrou que a maioria dos estudantes desejava retornar às aulas de forma remota – cerca de 40 contavam apenas com celular.
— Está bem dividido: uns acham que tem que ser assim mesmo, outros acham que não. A gente entende que é o que dá pra ser feito agora. Não dá para se expor (ao coronavírus), mas também não pode atrasar muito a graduação. Não é a melhor forma de acontecer, mas tem que acontecer, porque não dá para ficar um ano sem aula — comenta Giulia Acerbi, 23 anos, estudante do quarto semestre e tesoureira do Diretório Acadêmico.
Não dá para se expor (ao coronavírus), mas também não pode atrasar muito a graduação
GIULIA ACERBI
Tesoureira do Diretório Acadêmico da Medicina Veterinária
A avaliação dos professores representados pelo Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande Do Sul (Adufrgs) é que este período para a retomada no formato emergencial foi necessário para que as instituições pudessem avaliar as necessidades dos estudantes em relação as suas condições de acesso as ferramentas tecnológicas.
De acordo com Sônia Mara Ogiba, diretora de Comunicação da entidade, a preocupação fundamental foi com a inclusão dos alunos:
— Se sabe que o perfil da comunidade dos nossos estudantes universitários revela uma realidade na qual nem todos têm acesso à internet de qualidade e com que parte destes esses estudantes dividam com as suas famílias computadores, tablets etc.
Na avaliação do Sindicato, a universidade tomou todas as precauções para que as aulas fossem retomadas com a garantia de que tanto os docentes quanto os estudantes tivessem um regramento justo e democrático também no período de excepcionalidade.
O que diz a UFRGS
Procurada pela reportagem, a vice-reitora da UFRGS Jane Tutikian disse o modelo de Ensino Remoto Emergencial "é uma alternativa e não se configura como uma nova política de ensino na UFRGS". Destaca que a "proposição é uma possibilidade alternativa de retorno às aulas da graduação e tem como objetivo evitar a desmobilização da comunidade discente, reduzindo com isso o risco de evasão".
Ela explicou ainda que, antes de definir sobre o modelo remoto, foi feita uma "pesquisa entre alunos para saber o número daqueles que possuem ou não computador e acesso à internet". Ela explica também que um mapeamento de moradia de estudantes beneficiários e consultas a centros comunitários de bairros, "com a ideia de permitir que o estudante, que por alguma razão, não puder trabalhar em casa, possa usar esses centros".
Na manhã desta terça-feira, em entrevista à Rádio Gaúcha, o reitor da universidade, Rui Vicente Oppermann, afirmou que a demora da retomada ocorreu pela complexidade da decisão e porque a instituição aguardava financiamento do Ministério da Educação (MEC) para custear os auxílios-estudantis. Ele afirmou que o atraso nas aulas será recompensado.