Os primeiros dias de ensino a distância (EaD) foram tensos para a estudante Martina Leão, 14 anos. As aulas remotas, uma imposição do distanciamento social determinado pelo governo do Estado desde março para frear a expansão do coronavírus, traziam desafios tecnológicos, e as lições chegavam em um ritmo difícil de acompanhar.
— Eram vários trabalhos, e de todas as matérias, entrando no portal ao mesmo tempo. Foi difícil organizar tudo e saber por onde começar — diz Martina, estudante do 9º ano do Colégio Santa Inês, em Porto Alegre.
A aula de física, por exemplo, ocorreria apenas na sexta-feira, mas na segunda Martina já imprimia pilhas de exercícios para resolver. A mãe da estudante, a fonoaudióloga Juliana Leão, percebeu a ansiedade da filha e rapidamente entrou em cena. Ajudou a organizar uma tabela de horários e diluir as tarefas ao longo da semana. Assim, diminuiu o ímpeto da filha de resolver tudo imediatamente, em noitadas na frente do computador.
— Ela tem muita organização e capacidade de resolver as tarefas, mas quando essa autonomia é exagerada, pode levar à ansiedade — percebe Juliana.
As pausas entre as aulas online passaram a respeitar os horários de intervalo que tinha presencialmente, assim como as refeições. Juliana orientou a adolescente a reservar momentos para atividades familiares, como brincadeiras com o cãozinho Billy e até banho de sol na janela, absorvendo a vitamina D, importante para a saúde do corpo e da mente.
Martina passou a marcar em uma planilha todos os trabalhos, exercícios e lições pendentes. Isso a ajuda a visualizar as tarefas e definir o que é prioridade a cada dia. Aos poucos, a escola também foi se adequando ao ritmo dos estudantes, percebem mãe e filha. Na segunda semana de EaD, os professores passaram a realizar mais videoaulas e reduziram a carga de trabalhos. Agora, na quarta semana, há mais vídeos ao vivo com os professores e espaços para interação em tempo real.
— É o desafio de adaptação que vale para os dois lados, professores e alunos. Tenho utilizado tecnologias que há duas semanas nem sabia que existiam, e isso tem facilitado o aprendizado — explica o professor de física do Santa Inês Gustavo Kessler, que atende a turma de Martina.
Essa transição de método tem levado Kessler a explorar mais a fundo ferramentas digitais antes usadas com pouca frequência, como transmissão ao vivo pela internet, compartilhamento de tela, chat com microfone e vídeo e repositórios de exercícios. O professor tem aproveitado um simulador computacional online que gera gráficos para representar valores de campo elétrico e força elétrica, o que deixa as lições visualmente mais atraentes.
Se o desafio do EaD forçado já é grande para crianças, pais e professores, imagine para quem se prepara para as prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Laura Bonini, 16 anos, aspira ingressar na faculdade em um curso de exatas, mas ainda não sabe exatamente qual. Antes de as escolas fecharem, ela havia organizado um plano de estudos conforme o calendário das provas do Enem, a princípio agendadas para outubro e novembro, mas sob risco de serem adiadas em razão dos imprevistos trazidos pela covid-19.
— Esta indefinição sobre os prazos atrapalha bastante, e ainda há a fase de adaptação com o estudo a distância — afirma ela, estudante do Colégio Marista Ipanema, na zona sul da Capital.
Embora se considere estudiosa, Laura sente falta de mais contato com os professores para tirar dúvidas pontuais que surjam nas videoaulas, sem ter que esperar o espaço para perguntas. Por outro lado, o distanciamento possibilita mais tempo para se dedicar ao aprendizado. Suas aulas de dança, que ocupavam 20 horas semanais antes da reclusão, foram reduzidas a menos da metade com a migração para a internet. Assim, sobra mais tempo para os livros.
— Consigo me concentrar até mais nas aulas pelo EaD, sem algumas distrações da sala de aula — afirma.
Mãe de Laura, a psicóloga Carolina Blom Sperb avalia que a nova rotina tem ajudado a filha a equilibrar os estudos com um período maior de convívio familiar, o que pode ser saudável para o aprendizado e o alívio da tensão destes tempos. A família almoça junta e todos dão caminhadas diárias de 30 minutos pelo pátio do condomínio - um luxo que não tinham antes da quarentena.
— O desafio do isolamento está aí, podemos escolher entre remar contra ou nadar a favor. E estamos tentando dar um olhar positivo — diz Carolina.
Professora de biologia de Laura, Camila Poli afirma que as aulas online exigem do estudante mais proatividade e foco. Entretanto, para alunos do 3º ano, prestes a migrarem para as universidades, a ansiedade pode atrapalhar nessa almejada concentração.
— Temos procurado dar um ar de informalidade às aulas online, sem lista de chamada e com mais momentos de descontração. É preciso entender que eles já estão em um ano tenso, e toda essa situação traz uma pressão ainda maior — afirma Camila.
Em sua rotina de aulas, que envolve transmissão de vídeo online seguida de espaço para perguntas e envio de tarefas, Camila tem aproveitado para familiarizar os estudantes ao uso de ferramentas digitais e organizar o preenchimento de provas pelo computador, já que neste ano o Enem será digital.
Camila é uma das organizadoras de um projeto do Marista Ipanema iniciado em abril para preparar os estudantes para o Enem. Em períodos fora do horário escolar, professores reforçam o conteúdo online, simulam provas e recebem convidados para falarem sobre carreira e ingresso em universidades.
— A proposta é ter um conteúdo mais leve e que ajude a distensionar, mas que reforce a preparação para Enem e vestibular — afirma a professora.
Chance para desenvolver novas habilidades
Além do conteúdo absorvido nas aulas digitais, Pedro Martello Marques, 11 anos, aproveita o atual momento para se familiarizar com ferramentas que serão essenciais na decorrência de sua trajetória como estudante. Programas de edição de texto e apresentação de trabalhos e compreensão das funções do navegador da internet exigem tanto quando a adaptação à nova metodologia de estudos a distância.
— O conteúdo eu pego bem, mas tem essas novidades que às vezes são um pouco difíceis de dominar no início — conta ele, que é estudante do 6º ano do Colégio Anchieta, na Capital.
Nesse processo, o papel dos pais é fundamental. O casal se senta ao lado do filho para o auxiliar na ferramenta de texto, mostrando a necessidade de dar espaço após os pontos e as vírgulas e o uso da letra maiúscula em início de frases. Também o ajudam a organizar as provas, os trabalhos e as lições por pastas no navegador.
— Nos ajudamos mutuamente, nós com o computador e ele com as tarefas domésticas, estendendo roupa, lavando a louça e até aprendendo a cozinhar — brinca, orgulhosa, a mãe Sidonia Martello.
A relações públicas Rita de Cássia Becco, mãe de Benício Brusamarello, 10 anos, percebe que a facilidade desta geração em usar a tecnologia ajuda na adaptação mais rápida aos sistemas informatizados das escolas. Além da plataforma do Colégio Marista Rosário, na região central de Porto Alegre, o menino vem lidando com uma ferramenta para ter lições de inglês e outra para as aulas de bateria. Mas tantas novidades exigem um acompanhamento próximo da família.
Rita sincronizou seu próprio smartphone com o despertador e a agenda do celular do filho e alinhou o período de tarefas de ambos, com intervalos, refeições e pausas combinados. Desta forma, reforçou a disciplina de horários e colocou uma trava em um eventual exagero no uso de tecnologia.
— No início do isolamento, ele ficou um pouco solto, então fui ajudando a criar uma rotina e regrinhas para organizar o tempo, diversão e convivência com a família — afirma Rita.
Professores exploram a criatividade
Assim como Gustavo Kessler, do Santa Inês, muitos educadores têm descoberto na tecnologia novas possibilidades de enriquecer suas aulas. Estêvão Grezeli, professor de música do Marista Rosário, passou a utilizar com mais frequência e de forma mais criativa seu canal do YouTube. Lá, deixa gravadas aulas com recursos como inserção de memes, fotos dos artistas e partituras. As lições são abertas aos alunos e a quem mais se interessar pelo universo musical.
— Os canais digitais nos abrem novas fronteiras para melhorar a comunicação e prender a atenção dos estudantes — defende.
Michele dos Santos, professora de matemática do Anchieta, aproveita a plataforma da escola e os recursos das vídeo-aulas para inserir gráficos que ajudam os alunos a entenderem termos que se deparam com frequência em razão da pandemia do coronavírus: achatamento da curva, aumento exponencial e progressão geométrica. Tudo conectado aos conceitos matemáticos.
— Esta conexão com o dia a dia ajuda eles a entenderem a importância e a aplicação da matemática — explica Michele, professora dos 6º e 7º anos.
Psicóloga recomenda limitar tempo de estudo
Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) e professora da universidade, a psicóloga Andréia Mendes dos Santos vê as adequações de pais, alunos e professores como um processo natural de aprendizado em meio a uma mudança não planejada no ensino.
— Ninguém estava pronto para esta mudança. Muitas famílias estão vendo que não tinham internet preparada para ter aulas online ou não estavam familiarizadas com algumas funções dos portais dos colégios. Além, é claro, de nem sempre conseguirem dar suporte aos filhos em razão de terem que cuidar do seu próprio home office — explica Andréia.
Ela sublinha que ajudar no preparo emocional das crianças é essencial para ajudá-las a atravessar a tensão da pandemia e conseguir absorver as lições pelo EaD. Também cabe às famílias pactuar uma nova rotina com os filhos, que contemple mais tempo para atividades lúdicas mas que mantenha um período fixo para assistir às aulas e realizar os trabalhos.
— É preciso que a criança compreenda que não é uma rotina de férias, mas também não há o mesmo esquema rigoroso de horários a que estava acostumada — sugere.
Outra preocupação recomendada às famílias é que limitem o tempo de tela dos pequenos. Muitas escolas ainda estão se adequando ao ritmo de envio de temas e trabalhos, seguidamente sobrecarregando os estudantes. Isso pode fazer com que as crianças fiquem angustiadas para resolver a demanda - ou simplesmente percam o interesse em realizar as tarefas.
— A família precisa limitar o tempo de dedicação ao conteúdo escolar. Ou seja, manter as pausas, o intervalo entre as lições e o tempo de diversão — recomenda.