
Avançavam rapidamente as primeiras notícias sobre o contágio do coronavírus no Brasil e a necessidade de medidas de isolamento quando os sócios da Ipay, startup instalada no Parque Tecnológico de São Leopoldo (Tecnosinos), se reuniram às pressas.
— As pequenas empresas vão quebrar — alertou Deise Machado, consultora de negócios da Ipay.
O alarme fora acionado com base na experiência da própria startup no mercado. Escolas, cursos de inglês, empresas de segurança de bairro e associações de classe, em grande parte, ainda fazem as cobranças de mensalidades por boleto entregue em mãos. À distância, sequer poderiam contatar os usuários, ainda que mantivessem parcialmente seus serviços.
A Ipay viu espaço para amenizar o drama. Seu produto, um gerador online de boletos e registros de cartão de crédito, passou a ser disponibilizado gratuitamente para pequenas e médias empresas — a licença de uso até então custava quase R$ 500. Em apenas dois dias, a base de usuários da Ipay aumentou mais de 10%.
— As empresas se viram obrigadas a mudar da noite para o dia. Muitas vezes, o empresário não sabe das tecnologias à sua disposição, e resolvemos ajudar neste momento —afirma Celso Júlio da Silva, sócio da startup.
Iniciativas como a da Ipay têm se multiplicado entre as startups em meio à tensão com o coronavírus e a necessidade de isolamento social. Diversos negócios digitais passaram a abrir seu conteúdo pago — desenvolvido à base de pesado investimento — para ajudar pessoas e empresas a atravessarem com menos sofrência os tempos de reclusão.
O serviço de streaming Amazon Prime Vídeo liberou globalmente seu conteúdo infantil por período indeterminado. A empresa também abriu centenas de livros digitais para download grátis na loja virtual Kindle. Já a Adobe disponibilizou sem cobrança alguns de seus aplicativos para facilitar o ensino à distância. No Brasil, a Globoplay liberou a não assinantes alguns conteúdos voltados para crianças e adolescentes.
— As empresas de tecnologia trabalham muito com a ideia de propósito, como seus serviços podem melhorar a vida das pessoas. E este é um momento em que ganhar dinheiro ficou em segundo plano em relação à saúde e segurança de famílias e comunidades — avalia Jorge Audy, superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS.
No Parque Científico e Tecnológico da universidade (Tecnopuc), negócios de jogos e entretenimento abraçaram a causa de estimular as pessoas a permanecerem em casa. A Rockhead Games, desenvolvedora da série Starlit Adventures, com 14 milhões de downloads em smartphones e no console PlayStation 4, passou a distribuir em suas redes sociais códigos para isentar conteúdo pago dentro do game. Jogadores que enviam fotos brincando em casa são brindados com cupons de gratuidade.
— É um jogo de aventura e sem anúncios que consideramos saudável para pais e filhos brincarem juntos. Queremos que sirva de estímulo para que as pessoas continuem em casa se protegendo do coronavírus — afirma Christian Lykawka, um dos fundadores da Rockhead.

Nas últimas semanas, a quantidade de usuários do jogo, que é oferecido sem cobrança, cresceu 20% em razão do isolamento domiciliar. E a receita com a venda de acessórios ou personagens pagos aumentou na mesma proporção.
— Achamos justo retribuir aos jogadores esta proximidade — diz Lykawka.
Tecnologia para a saúde
Os negócios digitais têm se movimentado para oferecer tecnologias que possam frear a propagação da doença. Startups gaúchas têm mergulhado na criação de softwares e aplicativos que ajudem equipes médicas a fazerem consultas remotas, organizem plantões hospitalares com alto número de funcionários e até gerem questionários com embasamento científico para identificar possíveis infectados.
A Stargrid, instalada no Tecnopuc, acrescentou novas funcionalidades a sua plataforma de gestão de escalas em hospitais. A empresa, com clientes como Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, usou Inteligência Artificial para filtrar funcionários de áreas operacionais e médicas nos grupos de risco para manter distância dos infectados. Pelo programa, enfermeiros e técnicos poderão avisar ao gestor da escala se estão com algum sintoma da covid-19, e então serem imediatamente afastados.
— Passamos os últimos dias trabalhando até 15 horas para atualizar a plataforma com funções que possam achatar a curva de transmissão do coronavírus — explica Guilherme Bunse, CEO da Startgrid.
Até esta sexta-feira (27), mais de 80 programadores voluntários de diferentes países estão mobilizados para pensar em tecnologias que ajudem a healthtech (startups da área da saúde) Eagle Care, instalada no Tecnosinos, a ajustar sua plataforma para contribuir no combate ao coronavírus. Ao final do processo, a empresa oferecerá chat online entre pacientes e voluntários da área da saúde, incluindo médicos e psicólogos, serviço de consulta à distância por vídeo e questionários que indicarão risco de o usuário estar com o coronavírus, feitos com suporte de professores da Faculdade de Medicina da Unisinos.
— Os serviços serão disponibilizados gratuitamente por seis meses às prefeituras — projeta Moisés Lima, diretor da Eagle Care, ao informar que municípios como Rio Grande e São Leopoldo já manifestaram interesse pelo uso.
Iniciativas como esta, que buscam colaboração para conter a pandemia, têm se alastrado pela comunidade da inovação no país. A 100 Open Startups, plataforma aberta que conecta empresas e startups, lançou um chamado emergencial para o desenvolvimento de ferramentas que resolvam problemas trazidos pelo coronavírus. Mais de 300 startups e 70 instituições já se inscreveram para trabalhar em ideias que melhorem tratamento de pacientes, distribuição de informação, logística de medicamentos, entre outros.
Diversas organizações de tecnologia e empreendedorismo gaúchas, ao lado de governo do Estado e prefeitura da Capital, se uniram para promover o projeto Start.Health: Startups vs Covid, uma seleção de startups que possuam soluções capazes de ajudar no combate imediato à doença. As inscrições ocorrem até 31 de março neste site.
Já o Tecnopuc abriu seus laboratórios para a comunidade testar produtos, processos ou serviços que ajudem a combater o coronavírus. O local tem equipamentos de ponta para fazer maquetes, impressoras 3D e ambiente de modelagem de projetos.
— É natural que as startups, que são muito ágeis no desenvolvimento de soluções e responsivas às demandas do mercado e da sociedade, estejam mobilizadas para ajudar a combater o coronavírus — avalia Jorge Audy, do Tecnopuc.