Depois de 23 anos guardando vagas para veículos que trafegavam pela Rua Riachuelo, no Centro da Capital, Antônio Carlos Silva, 41 anos, procura uma nova colocação profissional. Desta vez, a busca é por uma vaga no mercado de trabalho. Silva é um dos alunos de um curso promovido pela prefeitura e pelo Sindicato de Lojistas de Porto Alegre (Sindilojas) nesta quarta (19) e quinta-feira (20), voltado a ex-flanelinhas que procuram uma oportunidade de emprego formal após a proibição da atividade.
Doze pessoas estiveram presentes na aula, realizada em uma sala do Edifício Santa Cruz, no Centro de Porto Alegre. Durante três horas, os presentes receberam dicas sobre o desenvolvimento de técnicas de varejo, como a importância do atendimento, da gestão de carreiras e das metas pessoais.
— É uma expectativa nova de poder pagar minhas contas e me sustentar — afirmou Silva, sobre o curso.
Apesar de ser voltado aos ex-guardadores, apenas duas pessoas presentes disseram à reportagem que já exerceram a atividade. Conforme o diretor-geral do Trabalho, Emprego e Renda da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (SMDSE) e diretor do Sistema Nacional de Emprego (Sine) em Porto Alegre, Nelson Beron, não houve preenchimento das 20 vagas disponibilizadas e a turma foi completada com pessoas que se encontram em outras situações de vulnerabilidade e já possuíam cadastro com o Sine.
— Nós temos uma dificuldade de encaminhar para o mercado de trabalho. Se eles não chegam no Sine, nós não conseguimos encaminhar — lamentou Beron.
O diretor do Sine em Porto Alegre explica que a Guarda Municipal tem distribuído panfletos informativos durante abordagens a flanelinhas, que hoje atuam na clandestinidade. Entre as informações, constam os horários e os serviços oferecidos pelo Sine.
— Temos todo um material na rua que está sendo divulgado pela Guarda Municipal e pela Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania), e nesse material tem que eles procurem o Sine de segunda a sexta, das 8h às 17h. Nós temos um guichê exclusivo à disposição da população em condição de vulnerabilidade. Eles não precisam pegar fila. Lá estão os cursos e as oportunidades de emprego — esclarece.
O curso não garante uma vaga de emprego automaticamente: a ideia é que os alunos sejam encaminhados para o sistema Sindi Vagas, onde os currículos são encaminhados para parceiros do sindicato. Conforme Paulo Kruse, presidente do Sindilojas, a rotatividade dentro do mercado varejista e os períodos de maior demanda podem auxiliar nas contratações.
— É um primeiro emprego, algo que muitas pessoas vivem a partir dali. A venda é algo muito positivo no mercado de trabalho — avalia.
Conquistar uma nova oportunidade de emprego é o objetivo do também ex-guardador Rodrigo Franco Collares, 33 anos. Ele trabalhou durante 13 anos na região da orla do Guaíba e conta que o dinheiro obtido com a atividade correspondia a 100% da renda da família. Eram aproximadamente R$ 150 por dia com a atividade, realizada de quinta-feira a domingo, conforme seus relatos. Collares, que é pai de seis, vive com a companheira e dois dos filhos.
A situação é semelhante à relatada por Silva, que lucrava cerca de R$ 1,6 mil por mês com a atividade de flanelinha e a lavagem de carros. O montante, segundo ele, também correspondia a todo o orçamento da família.
— Foi um baque que nos deixou com as calças na mão. Todo mundo tinha uma expectativa com a atividade de guardador. Era a minha atividade de trabalho. Eu vivia em função daquilo ali — conta.
Proibição e reclamações
Para os dois ex-guardadores, a proibição da atividade colocou todos que exerciam a função em um lugar de criminosos. Enquanto Silva reclama das abordagens realizadas pela Guarda Municipal, que seriam mais truculentas do que educativas, Collares afirma que já esperava pelo desfecho.
— Não foi surpresa. Colocaram todo mundo no mesmo lugar, sendo que é uma minoria que comete (infrações). É a mesma coisa que dizer que todo político é ladrão. Assim como tem flanelinha que comete crime, tem os que não cometem. Teve gente que perdeu seu direito como cidadão de exercer a atividade de flanelinha e sustentar a sua família — reclama.
Conforme estimativa divulgada pela prefeitura no último mês de agosto, existiam 1,1 mil flanelinhas na Capital, cerca de cem deles sindicalizados. O número de pessoas em situação de rua cadastradas, porém, era de 1,5 mil, e grande parte dessas pessoas também trabalhava cuidando de carros nas ruas. A atividade foi regulamentada pela Lei Municipal nº 5.738, de 1986, e depois modificada pela Lei nº 6.602, de 1990. A proibição, via projeto de lei, veio após diversas denúncias e reclamações de condutores sobre cobranças abusivas praticadas pelos então guardadores, principalmente após a inauguração da Orla Moacyr Scliar, em 2018.
Como acessar as vagas e as capacitações do Sine em Porto Alegre
- Pelo site do Sine
- Presencialmente, pelo endereço Avenida Sepúlveda, s/nº
- Horário: das 8h às 17h