Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a atual crise de financiamento da pesquisa atinge um dos grupos brasileiros de maior relevância internacional, a pós-graduação em epidemiologia. Trabalham no local dois dos 12 cientistas atuantes no Brasil listados no ranking Highly Cited Researchers, que elenca os pesquisadores cujos artigos científicos figuram entre os mais citados por colegas: Ana Baptista Menezes e Cesar Gomes Victora.
Primeiro e único brasileiro a receber o prêmio Gairdner de Saúde Global, um dos mais importantes da área, Victora é cotado ao Prêmio Nobel, por descobertas como a relação direta entre amamentação exclusiva e prevenção da mortalidade infantil.
Mesmo com essas credenciais, o centro vive um momento de insegurança. Dos três pesquisadores do pós-doutorado, dois ficarão sem as bolsas da Capes no fim do ano. A previsão era de que essas bolsas fossem renovadas, para que as cientistas pudessem dar continuidade ao seu trabalho, mas isso não poderá ser feito, segundo as regras baixadas pelo governo. As bolsas serão encerradas.
— A gente vai ter menos produção de conhecimento e menos estudos sobre a população local. E há um outro impacto, que é um desânimo e uma incerteza do que poderá acontecer com os demais alunos. Isso está gerando uma grande angústia sobre como será a vida de pesquisador no Brasil — diz Helen Gonçalves da Silva, coordenadora da pós-graduação em epidemiologia da UFPel.
Uma das causas da apreensão são os bolsistas do CNPq. Eles eram seis até recentemente. Um saiu do programa, e não houve liberação para repassar a bolsa a outro pesquisador. Os cinco restantes estão sob ameaça de deixar de receber os recursos — o CNPq informou não ter dinheiro para honrar os compromissos de outubro em diante.
— Não sabemos se eles continuam trabalhando sem a bolsa. Alguns dependem dela, se organizaram para isso, e a regra mudou durante o percurso. É tudo incerto. Ficamos pensando no que podemos fazer, em como sair disso, em como seguir com os estudos — lamenta Helen.
Também está em risco, na UFPel, o programa de internacionalização, por meio do qual pesquisadores e pós-graduandos são enviados ao Exterior e cientistas de fora são trazidos para passar temporadas em laboratórios da instituição. No ano passado, a Capes aprovou um financiamento de R$ 16,5 milhões para a UFPel gastar de 2019 até 2022. Os valores referentes a este ano tiveram um corte de 30%, e as novas diretrizes apresentadas pelo governo não dão segurança de que a verba prometida para o futuro será repassada, já que envolve bolsas.
— Um dos pontos que mais nos afligem é que não conseguimos planejar. Não há uma indicação se essas bolsas serão respeitadas. O ministério parece ter escolhido economizar nas bolsas, mas todo o nosso sistema de produção de conhecimento e formação de pós-graduação se baseia em bolsas. Não há pesquisadores contratados nas instituições. Quem faz a pesquisa são os pós-graduandos. Da mesma maneira, se quisermos avançar, interagindo com o Exterior, não tem como fazer isso sem essas bolsas de mobilidade acadêmica. O impacto se dá na nossa capacidade de produzir conhecimento em alto nível — afirma Max Cenci, coordenador de relações internacionais da UFPel.
A ZH, o MEC, que responde pela Capes, disse que avalia “alternativas para recompor o orçamento de 2020. Todas as possibilidades estão sendo estudadas para garantir o pleno funcionamento dos serviços prestados”.
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, responsável pelo CNPQ, não deu retorno até a publicação desta reportagem.
ZH também procurou a Finep, mas não obteve resposta até o fechamento de publicação.
BOLSAS DA CAPES
A situação
Quando a bolsa de um pesquisador chega ao fim, conforme determinação do Ministério da Educação, ela é considerada ociosa e fica congelada. Não pode ser passada a outro aluno, como era a praxe. Dessa forma, reduz-se o número de bolsistas nos laboratórios, com impacto na produção científica.
Os números
A Capes anunciou no começo de setembro o congelamento, até o fim do ano, de mais 5.613 bolsas no Brasil, um corte de R$ 37,8 milhões.
No Rio Grande do Sul, as novas bolsas suspensas são 725, o que significa menos R$ 4,7 milhões destinados ao fomento da pesquisa.
Somando as bolsas da Capes cortadas neste ano, o total no Brasil chega a 11.560. No Rio Grande do Sul, foram 1.065 bolsas perdidas.
Ao longo de todo o ano, a economia com bolsas chegará a R$ 94,8 milhões de reais, segundo a Capes.
BOLSAS DO CNPQ
A situação
Por causa de cortes em seu orçamento, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações ficou sem recursos para pagar os bolsistas.
O ministro Marcos Pontes anunciou ter feito um remanejamento interno de R$ 82 milhões para honrar os pagamentos de setembro.
Os números
O CNPq tem 80 mil bolsistas no país, ameaçados de ficar sem receber recursos a partir de outubro
O Ministério precisa de cerca de R$ 250 milhões para bancar os pagamentos até o fim de 2019, mas ainda não há definição se terá dinheiro para isso.
Um acordo firmado entre governo federal, Congresso e Procuradoria-Geral da República indicou que esse valor virá de um total de R$ 2,6 bilhões reavidos pela Petrobras após um acordo com os Estados Unidos.
Para 2020, o orçamento do CNPq prevê um aumento no valor destinado a bolsas (de R$ 784,7 milhões para R$ 1 bilhão), mas a verba de fomento à pesquisa cairá 87% (de R$ 127,4 milhões para R$ 16,5 milhões).