O Rio Grande do Sul passou a amargar a ingrata posição de ser o segundo Estado brasileiro a ter o maior número de bolsas de pesquisa – entre mestrado e doutorado – cortadas. Do congelamento de 5.613 bolsas anunciados na segunda-feira (2) pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), 725 são de universidades gaúchas, informa o órgão.
Com a interrupção, R$ 4,7 milhões deixarão de ser destinados ao fomento de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no RS. São Paulo foi o que mais perdeu bolsas, 1.673, o que significa R$ 11,4 milhões a menos no investimento em pesquisa naquele Estado.
Quando é feito o recorte da região Sul, a medida significa que deixarão de ser ofertadas 1.407 bolsas de estudo nos três Estados.
Conforme a Capes, em todo o Brasil, o corte significa a não transferência de R$ 37,8 milhões em novas bolsas, somente em 2019. Contudo, esse valor pode alcançar os R$ 544 milhões nos próximos quatro anos.
O corte anunciado deixou em estado de alerta e de preocupação reitores de universidades federais gaúchas. Paulo Burmann, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), diz que não tem certeza se os cortes incluem aqueles que foram anunciados para os cursos com nota 3 nas avaliações nacionais de desempenho ou se eles serão discricionários no que diz respeito às notas dos cursos. Porém, adiantou que das 603 bolsas de mestrado, 52 foram cortadas. No que tange o programa de doutorado, 15 foram congeladas entre 467.
— Esta é a situação atual. E a preocupação se acentua quando observamos o fechamento do sistema para a renovação de novos bolsistas. Nominalmente, são 68 pessoas fora dos programas de pós-graduação da nossa universidade. Isso, sem contar as outras 1.283 que, dentro deste novo cenário, não serão redistribuídas conforme os pesquisadores fazem suas defesas de teses e dissertações. Esses cortes são um equívoco gravíssimo e levaremos décadas para retomar a produção de conhecimento — sinaliza.
Na Universidade Federal de Rio Grande (Furg), serão perdidas nove bolsas de doutorado, 16 de mestrado e quatro de pós-doutorado somente no mês de setembro. A expectativa é de que, até dezembro, outras 13 bolsas de pós-doutorado sejam suspensas. Cleuza Dias, reitora da entidade, diz que os cortes são um retrocesso:
— Considero estes cortes de bolsas um grande retrocesso para a pesquisa brasileira, que vinha crescendo consideravelmente nos últimos anos. É inadmissível que um governo reduza drasticamente os investimentos da educação, pois isso afeta diretamente o desenvolvimento da nação brasileira.
O pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Joviles Trevisol, afirma que das 32 bolsas de mestrado, cinco serão perdidas com o corte. Ele ressalta que o impacto deste congelamento é “gigantesco, porque se soma a um conjunto de cortes que o governo federal promove no setor da educação”. Trevisol aponta para o efeito cascata que o anúncio desta decisão tem para outras agências de fomento à pesquisa no Brasil.
— Quando a Capes, que deveria incentivar a pesquisa, perde, progressivamente, seu orçamento, agências estaduais de financiamento também sentem este impacto e começam a apresentar dificuldades para amparar o desenvolvimento da ciência no país — disse o pró-reitor de pesquisa e pós-graduação.
Ele faz um apelo à comunidade acadêmica e brasileira ao conclamar a sociedade a “lutar em defesa dos investimentos públicos na ciência e na tecnologia”:
— É um momento difícil este que estamos enfrentando. Os cortes desestabilizam e desmotivam aqueles que querem desenvolver soluções para os problemas do país. A sensação é de que o sistema está ruindo, se fragilizando, levando embora nossa esperança de um futuro promissor. Mas precisamos lutar para não viver um retrocesso ainda maior.
Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica que a instituição tem 76 bolsas de mestrado, 59 de doutorado e 13 de pós-doutorado. Com o anúncio do novo congelamento, serão encerradas três bolsas da universidade, uma de mestrado e uma de doutorado da área de Ciências da Saúde e uma de mestrado do setor de Biociências.
— Parecem pouco três bolsas, mas são trabalhos que vêm sendo desenvolvidos há anos, que envolvem o desenvolvimento de vacinas, estudos genéticos, epidemias etc. Este corte é trágico, porque pesquisa está ligada à soberania nacional. Quando uma nação não faz pesquisa, ela vai em busca de tecnologia estrangeira e não pensa em soluções próprias. A pesquisa e a educação são investimento, é preciso investir nestes pilares para sair da crise. Por isso, vejo esses cortes como um retrocesso que não sei quanto tempo levaremos para recuperar — afirma.
Na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), foram suspensas 54 bolsas de pesquisa entre mestrado e doutorado. Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), afirmou que ainda não é possível mensurar quantitativamente o impacto no número de bolsas fechadas, porque isso depende do prazo de entrega das teses e das dissertações de cada um dos programas de pós-graduação da instituição.
A assessoria de imprensa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) informou que o sistema da Capes está fechado e que eles não conseguem verificar se realmente não é possível cadastrar novas bolsas, nem conseguem mensurar o número de benefícios que podem ser perdidos.
A Capes, que informou sobre as 725 bolsas cortadas no RS, não soube informar a distribuição delas por instituição de ensino.
Universidades privadas também são afetadas
O fomento à pesquisa em instituições particulares também é impactado. Por meio de nota, Evilázio Teixeira, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), afirmou não ter contabilizado o número de bolsas que poderão ser cortadas diante do novo movimento da Capes, mas alerta que a suspensão de novos cadastramentos resultará em grandes impactos.
— Precisamos ter em mente que, embora possa parecer um problema exclusivo das universidades, a redução drástica no custeio e nos investimentos em pesquisa afeta a sociedade brasileira — disse.
A Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) revelou que, até o momento, somente uma bolsa na modalidade por taxa – na qual a Capes paga ao bolsista a quantia de R$ 800, que deve ser repassada à instituição de ensino – foi cortada. Isso, em um universo de 51 bolsas de mestrado e 46 de doutorado. Para Nádia Schröder, diretora de pós-graduação e pesquisa da entidade, o país vive “um retrocesso desesperador”:
— É o desmonte da pós-graduação e da pesquisa no Brasil, que são, justamente, as áreas de onde surgem o avanço e a inovação. Um país sem conhecimento se perde.
Por meio de nota, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) não informou o número de bolsas que foram congeladas, mas informou que a instituição “não foi impactada de maneira significativa. Além dos recursos do governo, a Universidade procura desenvolver projetos de pesquisa com empresas buscando outras alternativas para proporcionar aos alunos o acesso à pesquisa".