Em 2017, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) inaugurou um novo prédio, voltado a abrigar a pesquisa feita por 13 programas de pós-graduação. Batizado de Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Artes e Linguagem (Cehus), o empreendimento foi financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Passados mais de dois anos, essa estrutura é aproveitada apenas parcialmente, porque recursos complementares não foram repassados. A grande lacuna é uma subestação de energia elétrica, necessária para colocar em funcionamento o elevador e vários equipamentos. No ano passado, a Finep aprovou R$ 600 mil para esse fim. Por causa dos contingenciamentos promovidos pelo governo federal, o dinheiro não veio e não há perspectivas sobre quando chegará.
Em consequência disso, cadeirantes precisam ser carregados para chegar ao piso superior, e eventos e videoconferências que ocorreriam nos três auditórios do edifício não são realizados.
— O orçamento da Finep está zerado, e não veio nada. O centro funciona hoje como um grande lugar para reuniões, mas não tem estrutura elétrica para mais do que isso — afirma Rafael Vetromille Castro, coordenador de pós-graduação da UFPel.
Enquanto os cortes na Capes e no CNPq ganham o noticiário, o exemplo da UFPel revela que a Finep, empresa pública que gere os recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), também atravessa momentos difíceis. Recentemente, sete ex-presidentes do órgão divulgaram um manifesto "alertando a sociedade para uma situação da maior gravidade para o sistema de fomento à pesquisa científica, tecnológica e de inovação em nosso país".
— É quando o país está em crise que mais precisa investir em ciência e tecnologia, mas estamos vendo uma desestruturação completa de todo o sistema de ciência, tecnologia e inovação, que é por onde poderíamos tirar o Brasil do fundo do poço — observa o gaúcho Odilon Marcuzzo do Canto, um dos ex-presidentes que assinaram o manifesto.
Criada em 1967, a Finep funciona como secretaria-executiva do FNDCT, fundo abastecido por taxas de diferentes setores da economia — os chamados fundos setoriais. Esses recursos servem para financiar a pesquisa dentro de empresas e universidades. GaúchaZH não obteve dados oficiais junto à Finep, mas apurou que esses fundos giram em torno de R$ 6 bilhões ao ano.
Nos últimos anos, no entanto, sob a justificativa do ajuste fiscal, o governo estaria retendo uma fatia cada vez maior dessa verba. O pior ano foi 2019, quando o contingenciamento ficou em torno de 60% de um total próximo dos R$ 5,6 bilhões.
Teriam sido consignados R$ 1,4 bilhão em crédito para empresas. Sobrariam R$ 4,2 bilhões para investir em instituições de pesquisa, mas só cerca de R$ 800 milhões teriam sido liberados. Um problema adicional é que, por causa de contingenciamentos anteriores, a Finep ainda está pagando projetos que foram assumidos em exercícios passados. Universidades que esperavam recursos para 2019 não estão recebendo nada. Em consequência, há estudos parados, grupos em desmonte e pesquisadores aceitando propostas do Exterior.
Existe também um temor de que a Finep perca os recursos do FNDCT, sem garantias de que eles continuem sendo usados para financiar a pesquisa. No começo do ano, o governo enviou ao Congresso uma proposta que passava a administração do fundo para a alçada do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. A proposta foi rejeitada, mas os ex-presidentes temem que novas tentativas sejam feitas, o que significaria um esvaziamento da Finep.
— Isso é uma ameaça real. O que se ouve nos bastidores é que a mudança pode ser tentada de outra forma. Se acontecer, os recursos do FNDCT ficariam dentro do ministério, que não tem estrutura e condições de fazer o que a Finep faz. Na Finep, os projetos são submetidos a critérios rigorosos de análise da qualidade científica e tecnológica — afirma Odilon.
Em seu manifesto, os ex-dirigentes dizem que a Finep e o FNDCT passam por "uma das maiores provações de sua trajetória" e dizem temer a "extinção" da empresa. Ex-presidente da Finep e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Machado Rezende explica que o termo "extinção" foi usado porque os movimentos realizados pelo governo dão a entender que esse é o plano para a agência — não apenas pela tentativa de retirar dela o FNDCT, mas também por rumores de que poderia ser privatizada.
— No fundo, são ameaças de extinção. Estando vendo tudo com extrema preocupação. Não só a situação da Finep, mas de órgãos como a Capes e o CNPq. O CNPq não tem recursos para pagar as bolsas até o final do ano, uma coisa inusitada, que nunca aconteceu na história. A Capes, pelo que soubemos, vai ter uma redução de 50% no orçamento do próximo ano. A Finep, segundo informações que obtivemos de pessoas que estão trabalhando lá, não aprovou nenhum projeto novo de pesquisa neste ano. Essas situações fazem que jovens que estariam pensando em ser cientistas mudem de ideia e que professores vão embora do país. É uma ameaça ao futuro no Brasil. Terá efeitos a longo prazo — prevê Rezende.
GaúchaZH solicitou dados oficiais e entrevista à Finep, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Confira um trecho do manifesto de ex-presidentes da Finep:
"A despeito de seu papel histórico, a Finep e o FNDCT passam por uma das maiores provações de sua trajetória, diante do desmonte do Plano Nacional de CTI e drástico contingenciamento de seus recursos. Vemos um atual cenário marcado por um crescente movimento de descrédito do conhecimento científico ao lado da ausência do Estado para com o desenvolvimento intelectual, social e produtivo de seu povo. Tudo isso ocorre num momento extremamente desafiador, quando uma nova onda de inovações radicais está em processo no mundo, alterando padrões de consumo, produção e qualidade de vida. A não prioridade desta agenda aumenta nossas assimetrias em relação à fronteira tecnológica e torna nossas instituições, como a Finep, fragilizadas para responder aos anseios da sociedade brasileira. Neste contexto, uma ameaça à Finep vem sendo persistentemente veiculada, a de sua extinção ou fusão com outros órgãos."