No início do ano letivo o Colégio João XXIII, em Porto Alegre, recebeu os alunos com um cartaz de boas vindas escrito "Mentes livres. Corações abertos". O pensamento que prega respeito e a diversidade agora dá a linha de um evento que vai trazer seis educadores renomados, do Brasil e do exterior, para debater os riscos e desafios da educação no atual momento histórico brasileiro.
O Seminário Educação em Tempos de Conflito, que marca também os 55 anos da escola, será no dia 31 de agosto, no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. A atividade é aberta para educadores de universidades, de escolas públicas e privadas, estudantes, além de demais interessados. As inscrições podem ser feitas no site do evento, neste link.
Ao longo do evento estão previstas apresentações artísticas com música, poesia, teatro e intervenções pensadas junto com segmentos da comunidade escolar. O seminário, com tradução inclusiva em Libras, custará R$ 70 para público em geral e R$ 35 para estudantes universitários e de outras instituições de ensino. Alunos do Colégio João XXIII têm gratuidade e profissionais da Escola pagam meia entrada. Todos os inscritos receberão certificados de participação.
"Entender o jovem que chega na escola em condições inumanas"
Autor de oito livros acadêmicos voltados para professores, o espanhol Miguel Gonzalez Arroyo é um dos convidados para palestrar no evento. PhD em Educação pela Stanford University, ele trará ao encontro sua experiência na área de educação, com ênfase em Política Educacional e Administração de Sistemas Educacionais, ao abordar o tema Imagens quebradas — trajetórias e tempos de alunos e mestres. Confira um pouco sobre o pensamento do professor da UFMG.
Qual o maior desafio do educador momento político do Brasil?
Conhecendo os professores, pois fui secretário de educação e convivi com eles, eu penso que o maior desafio é tentar entender os jovens que antes não chegavam, mas agora chegam nas escolas. As infâncias são outras e os adolescentes são outros e conhecemos muito pouco deles. Eles chegam do trabalho, das vilas, dos campos, da pobreza e não sabemos quem são. Eles são diferentes dos jovens que fomos preparados para educar. Sabemos muito de parâmetros e diretrizes, sabemos o que e como ensinar, mas precisamos saber quem são os estudantes. Por causa do Bolsa Família eles vão para escola porque precisam do benefício para comer, para viver. Tenho escrito bastante nessa direção. O maior problema da educação hoje são os educandos que vem para escola de formas inumanas de sobreviver: como vamos fazer para acompanhá-los e educá-los e para que superem a desumanização que eles chegam?
Grupos como o Escola Sem Partido ajudam ou prejudicam a educação?
Prejudicam. Por que escola sem partido? Por que se ataca ciências humanas? Por que se ataca a educação? Por que diz que a educação tomou partido? Bom, de fato ela tomou partido, mas tomou partido das crianças que chegam na escola de processos inumanos. A escola agora ajuda as crianças a tomarem consciência da desumanização que elas padecem do Estado e da sociedade. O fato da escola ter tomado partido pelos oprimidos é que incomoda profundamente os opressores.
O cenário conservador no Brasil é consequência da educação no país?
Não. Ao contrário. A nossa sociedade e nossa cultura politica é extremamente conservadora. Inclusive estamos em momento em que esse conservadorismo é assumido como politica de Estado. Por exemplo, a justiça que deveria fazer justiça está preocupada em um pacote anticrime que criminaliza jovens, adolescentes, negros, favelados, militantes que lutam por teto, terra e gênero. Isso não foi produzido pela escola, pelo contrário. A escola é atacada por ter resistido a essa cultura politica conservadora.
Onde é necessário mudar o planejamento para a educação evoluir no Brasil?
Eu diria que as politicas educativas tem sido controladoras. Em outras áreas, como a saúde, não existem políticas tão controladoras. O que eu defendo é menos controle, menos planejamento controlador e maior confiança na capacidade dos educadores de inventar pedagogias capazes de ajudar os educandos a se libertar dos processo de desumanização. Aqui tudo é controlador. Tudo vem de cima. O professor sabe o que tem de ser ensinado ao aluno que vem da pobreza e nada disso está nos planejamentos oficiais e na Base Nacional Comum Curricular. Se você pega essa Base Nacional a realidade da escola não aparece. É preciso confiar mais em educadores que estão em contato direto com o educando para garantir o direito deles a saber por que o pai é desempregado, por que a mãe sofre, porque o negro e a mulher são segregados. Temos que ajudá-los a entender essa realidade e ninguém fará isso melhor que os professores que estão em contato com eles. Acredito em menos planejamento controlador e mais confiança nos educadores que conhecem e convivem com os educandos.
É possível melhorar os índices e qualificar a educação com contingenciamento de gastos?
É impossível. Este ponto é muito interessante. Eu prefiro falar de cortes, afinal são cortes. O último feito pelo governo foi, justamente, na área de educação. Os cortes são, justamente, nas áreas de cidadania. Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, educação, saúde... Por que se corta gastos públicos justamente nessas áreas? Estamos no momento não mais do Estado de direito. Estamos no Estado que favorece o mercado e a economia.
Seminário Educação em Tempos de Conflito
Quando: 31 de agosto, das 8h às 19h
Onde: Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa do RS (Praça Marechal Deodoro, 1101, Centro Histórico)
Quanto: R$ 70 para público em geral e R$ 35 para estudantes universitários e de outras instituições. Alunos do João XXIII não pagam, profissionais da escola pagam meia entrada.
Inscrições: clique aqui
Educadores participantes: confira aqui