Após 15 anos trabalhando na área financeira de uma indústria de pães de Porto Alegre, a administradora Rita Jesus Brandão achou que era hora de se dedicar a um negócio próprio. Ao lado do marido, Eduardo Borges, abriu no início deste ano, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, uma loja de queijos especializada em produtos artesanais brasileiros — a Borges Queijos Artesanais, que também vende vinhos nacionais. Ambos já vendiam as iguarias em feiras e eventos e viram oportunidade de abrir uma loja para receber clientes e ampliar os negócios.
— Quando se trabalha para os outros, ainda que o salário seja razoável, sabemos que não vamos passar muito disso. Eu queria ter uma empresa para conhecer coisas diferentes, encontrar produtos e pessoas interessantes. Então, decidi dar este passo ousado — explica Rita.
O casal faz parte de um contingente crescente de moradores do Rio Grande do Sul que se tornam empresários. A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM 2018), realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado (Sebrae-RS), mostra que a população adulta do Rio Grande do Sul que tem negócio próprio passou de 26% para 31,6% entre 2016 e 2018. O estudo foi feito por amostragem, com 2.094 entrevistados entre 18 e 64 anos.
De acordo com os dados, dois em cada três empreendedores o fazem em razão de terem visto uma oportunidade de mercado. Apenas um em cada três abriu um negócio por necessidade, ou seja, por não ter encontrado outra fonte de renda.
— Esses dados são positivos porque o empreendedor por oportunidade tende a se preparar melhor, analisa mais o mercado. E a chance de o negócio dar certo é maior — avalia André Vanoni de Godoy, diretor-superintendente do Sebrae-RS.
Ele sugere que o crescimento de quase seis pontos percentuais na taxa de empreendedorismo (ou seja, a proporção de adultos que têm negócio próprio) gaúcha pode indicar que os trabalhadores estão enxergando com mais confiança a retomada da economia.
— Os dados compreenderam um período de alternância no governo federal, em que algumas mudanças foram feitas na economia. Como o empreendedor vive de expectativas, é possível que estas mudanças tenham encorajado mais gente a abrir sua empresa — afirma Godoy.
Reflexos da crise
Apesar do crescimento, os dados gaúchos estão distante dos nacionais. O Sebrae Nacional apontou que a taxa de empreendedorismo brasileira passou de 36% para 38% no mesmo período. Na avaliação de Godoy, a situação financeira fragilizada no Estado pode ter travado o crescimento mais exponencial dos números nos últimos anos.
Especialista em mercado de trabalho, Lucia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que o movimento empreendedor reflete uma nova realidade, na qual trabalhadores procuram uma via alternativa para superar os baixos índices de contratações no país.
Este fenômeno seria puxado por pessoas que estavam desempregadas ou em empregos de baixa remuneração, e passaram a optar por atividades autônomas como motorista de aplicativo, entregador de encomendas ou cuidador de animais, por exemplo. A pesquisa do Sebrae apontou que a grande maioria dos empreendedores (69%) estão na informalidade, e 74% dizem não ter intenção de se regularizar.
— A situação da economia continua calamitosa, com um freio nas contratações. O trabalho por conta própria, possibilitado pelas novas tecnologias, se tornou uma alternativa sem as barreiras da economia tradicional — afirma Lucia.
A reforma trabalhista também pode ter influência nos dados, afirma a especialista, uma vez que teria estimulado a chamada "pejotização" — contratação de profissionais como pequenas empresas.