Na manhã de quarta-feira, representantes de diversas entidades reuniram-se em Porto Alegre com os ministérios públicos Federal e Estadual para assinar um termo de cooperação que tem como propósito combater o assédio moral a professores — o objetivo é garantir aos docentes a liberdade de ensinar, sem constrangimentos.
Entre os signatários estava a Associação Mães & Pais pela Democracia, uma entidade que nasceu no final do ano passado, numa espécie de reação das famílias a movimentos como o Escola Sem Partido, e que conta atualmente com 500 associados pagantes e mais de 5 mil simpatizantes nas redes sociais. O grupo se contrapõe à ideia de que existiria uma doutrinação em sala de aula, atribuindo esse discurso ao desejo de impor um pensamento único aos estudantes.
A associação surgiu no contexto da polarização que tomou o país durante o processo eleitoral do ano passado. Presidente da entidade, a socióloga e especialista em segurança pública Aline Kerber, 34 anos, conta que a mobilização começou com pais do Colégio Marista Rosário, da Capital, no dia 29 de outubro, um dia após a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência. Naquela segunda-feira, conforme o relato de Aline, vários estudantes foram à escola vestidos de preto e carregando bandeiras do movimento LGBT.
— Nossos filhos fizeram essas manifestações, sobretudo no Colégio Rosário, e houve pessoas que usaram indevidamente as imagens deles nas redes sociais, para ofender. Trouxeram nossos filhos para o palco da polarização e do ódio. Na mesma manhã, passamos a nos organizar por WhatsApp e começamos a ser acionados também por pais de outras escolas privadas de Porto Alegre que foram vítimas da mesma exposição. Na primeira reunião, já surgiu a ideia de que seria um grupo de pais e mães pela democracia — relata a socióloga, que tem um filho matriculado no Rosário.
Um outro grupo de pais do colégio marista, alinhados ao Escola Sem Partido, começou a se mobilizar no mesmo dia em torno de ideias opostas. Formado predominantemente por pessoas que se definem como conservadoras ou de direita, esse movimento acredita que existe uma doutrinação esquerdista em muitas escolas. Batizado de Escola Sem Doutrinação, o grupo tem cerca de 500 seguidores no Facebook e promoveu um protesto diante do Colégio Rosário na última segunda-feira, carregando cartazes com dizeres como "Marista, sim! Marxista, não!"
Dias depois da manifestação na escola, quando vereadores alinhados ao Escola Sem Partido convocaram uma audiência sobre o tema na Câmara Municipal de Porto Alegre, integrantes do Mães & Pais pela Democracia se organizaram para comparecer e defender seus pontos de vista. Aline Kerber afirma que isso ajudou a aglutinar o grupo. Em fevereiro deste ano, o movimento constituiu-se formalmente como associação. Contava já com pais ligados a cerca de 60 escolas públicas e privadas.
Aline Kerber afirma que nem todos os integrantes são de esquerda e que 90% não têm militância partidária. Ela própria se define como de centro-esquerda e diz que não é filiada a nenhuma agremiação política. O que os participantes compartilham, afirma, é a defesa da democracia e da liberdade.
— Nos posicionamos no lado oposto ao que defende o Escola Sem Partido. Propomos a pluralidade de ideias, não o pensamento único. Quem está no poder hoje defende o Estado mínimo, os cortes na educação, o patrulhamento ideológico e a militarização das escolas. Não consideram importante educar sobre gênero e sexualidade. Nosso movimento é não só de resistência a isso, mas também de propor políticas que sejam prioritárias, não essas políticas do delírio apresentadas pelo Escola sem Partido — afirma a presidente da associação.
Esses pais e mães veem contradições no discurso dos integrantes do Escola Sem Partido ou do Escola Sem Doutrinação. Se existe uma doutrinação esquerdista nos colégios, questiona Aline, então como Bolsonaro conseguiu se eleger?
— No Rosário, essas pessoas fizeram faixas dizendo "Marista, sim. Marxista, não", o que revela uma grande contradição. Porque quem escolhe uma escola confessional como o Rosário está escolhendo uma ideologia marista, que é uma ideologia de empatia, de solidariedade, de olhar para o próximo. Quando eles dizem "Marista, sim. Marxista, não", estão dizendo que uma ideologia pode e a que outra não pode. Tudo é ideologia, tudo é posicionamento de mundo. O que eles querem na verdade é o pensamento único, o pensamento deles, de direita, que não se alinha à ideia de direitos humanos e da compreensão social.
Integrante da comissão jurídica da associação, o advogado Renato Nakahara, 45 anos, tem um filho na Escola Amigos do Verde e também se define politicamente como de centro-esquerda, mas sem militância partidária. Na eleição passada, seu candidato foi Ciro Gomes (PDT). Nakahara diz que há uma tentativa de grupos contrários de distorcer a realidade e apresentar os integrantes do Mães & Pais pela Democracia como esquerdistas:
— A associação é uma reação pela liberdade dos nossos filhos e dos professores, que vem sendo atacada. Tentam colocar uma ideologia nesse grupo, mas na verdade temos gente de todas as posições políticas. O que nós fazemos é defender as liberdades de expressão, de opinião e de participar da vida política. Sentimos que a democracia é ameaçada por ações do atual governo. Somos contra qualquer forma de doutrinação e entendemos que a Escola Sem Partido é uma forma de doutrinação, porque tenta impor um pensamento único, algo que não aceitamos. A Escola Sem Partido fala contra Marx, mas se o aluno não conhece Marx, como vai pode criticar? É um contrassenso. Brigamos pela liberdade, pelo resgate do debate democrático.
A associação tem participado de fóruns, acompanhado o Legislativo para se contrapor a projetos de lei na linha do Escola sem Partido, promovido cursos em colégios de periferia e realizado encontros entre os participantes, para troca de ideias. O termo de cooperação com os ministérios públicos — que também foi assinado por Adufrgs-Sindical, Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Cpers-Sindicato), Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) e Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) — teve como objetivo ajudar os professores diante de eventuais tentativas de tolher a sua liberdade. Um canal específico foi criado para que denúncias sejam encaminhadas aos órgãos responsáveis.
— Esse termo dá apoio e sustentação para os professores desenvolverem a liberdade de cátedra, que hoje está abalada. Para nós este é um momento histórico, em que os pais devem estar na linha de frente e dizer aos professores: vocês não são doutrinadores — afirma Aline.