Um novo movimento ganhou notoriedade nesta semana, ao promover um protesto diante do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre. Batizado de Escola Sem Doutrinação, o grupo surgiu em novembro do ano passado, logo após o processo eleitoral, e está alinhado com o movimento Escola Sem Partido. Defende "uma educação livre, plural, que mostre todas as versões de um fato, acontecimento ou evento histórico, sem doutrinação política ou ideológica".
Originalmente, a iniciativa surgiu como um grupo de pais do Colégio Rosário, mas ampliou seu escopo e hoje abrange também pessoas de outras escolas de Porto Alegre e do Interior. Segundo um dos fundadores, o médico Paulo Leite, 50 anos, com três filhos estudando no Rosário, os participantes se definem predominantemente como de direita, conservadores ou católicos. O Escola Sem Doutrinação mantém uma página no Facebook, com cerca de 500 seguidores, e vários grupos de WhatsApp, o maior com aproximadamente 180 participantes.
Na segunda-feira, integrantes da comunidade foram para a frente do Colégio Rosário com faixas e cartazes que traziam dizeres como "Marista, sim! Marxista, não!", "Mais Champagnat! Menos Frei Betto e Leonardo Boff" e "Por mais Cristianismo nas aulas". O estopim para o protesto foi uma briga entre dois adolescentes do segundo ano do Ensino Médio, ocorrida no último dia de aula antes do recesso, 23 de julho. O conflito ocorreu durante uma aula de Sociologia, após a exibição de uma entrevista em que o sociólogo Sergio Adorno afirmava que "não pode ter uma polícia que protege brancos de classe média e uma polícia que lida com a repressão quando tem jovens negros na periferia". O tema desencadeou um debate que acabou em troca de socos. A escola cancelou as matrículas dos dois alunos envolvidos na briga e demitiu o professor.
Segundo Paulo, o grupo surgiu a partir da polarização que teria ocorrido antes, durante e depois do processo eleitoral. Um grupo de pais ficou preocupado com manifestações políticas a favor e contra Bolsonaro feitas por estudantes após o segundo turno da eleição.
— Quero deixar claro que ninguém tem nada a ver com a opção política das pessoas, mas manifestações políticas, partidárias e ideológicas estão proibidas dentro da escola — defende o médico.
De acordo com ele, cerca de 100 pais se mobilizaram, com a finalidade de manter vigilância sobre eventuais manifestações ideológicas em sala de aula e de apresentar propostas para o ensino. Alguns exigiam mais aulas sobre cristianismo e catolicismo como parte do ensino religioso. O médico afirma que o movimento se opõe a qualquer tipo de doutrinação em sala de aula, seja de esquerda ou de direita, mas identifica que predominaria hoje um viés esquerdista.
— Escola Sem Doutrinação não significa que as pessoas não podem ter partido, mas que a imposição política não pode estar dentro da sala de aula. Defendemos uma escola independente, com pensamento livre — diz o médico, que votou para presidente em Geraldo Alckmin no primeiro turno, em Jair Bolsonaro no segundo e hoje apoia o governo federal.
Políticos participaram de ato em frente ao colégio
Com o passar do tempo e a realização de atividades, a iniciativa foi ganhando adesões de pessoas ligadas a outros colégios. Na manifestação da segunda-feira, o primeiro ato de rua realizado pelo grupo, houve presença também de políticos, como os deputados estaduais Eric Lins (DEM), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Escola Plural e Contra a Doutrinação, e Luciano Zucco (PSL), tenente-coronel da reserva do Exército, e a secretária municipal de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre, Nádia Gerhard (MDB). Paulo afirma que essa participação não significa que o movimento quer uma escola ligada a partidos de direita. O diálogo com parlamentares, segundo ele, é necessário para conseguir a aprovação dos projetos defendidos pelo grupo.
GaúchaZH também falou com outra integrante do grupo, uma empresária que é mãe de um dos estudantes que foram convidados a sair do Rosário após a briga do dia 23 — depois do episódio, ela também retirou um segundo filho do colégio. Ela pediu para não ser identificada, em razão de uma ameaça que teria sofrido. Liberal em economia e conservadora nos costumes, como se define, é filiada ao PPS. Ela diz que a pauta do movimento tem a ver com garantir que as crianças terminem o Ensino Médio com boa formação, o que não aconteceria hoje, na avaliação que faz.
— Os propósitos do grupo são que a gente tenha uma escola livre de ideologias e que os professores tenham contraponto. O principal motivo da nossa indignação é que não seja colocado para as crianças só um viés. Se citarem um escritor do lado socialista, que citem também um autor liberal, conservador. Temos provas de professores com camiseta de candidato dentro de sala de aula. É doutrinação pura. Não queremos saber o que as pessoas fazem da porta para fora do colégio ou qual posição sexual vão assumir. O que importa é que o professor não coloque só um dos lados, que é o que a gente sabe que está acontecendo. Quero que meu filho saiba que o comunismo não deu certo em lugar nenhum do mundo, que é um regime canalha, e que o outro lado, liberal, conservador, tem valores de família — defende.
Em nota sobre o protesto da segunda-feira, o Rosário afirmou que o ato foi organizado "por um grupo formado em sua maioria por pessoas sem ligação com o colégio", acrescentando: "Defendemos a liberdade de expressão e respeitamos as diferentes opiniões, fortalecendo a nossa missão de formar cidadãos comprometidos com a promoção da vida e da cultura de paz. A respeito do ocorrido no dia 23/7, o colégio tomou as medidas previstas em seu Regimento Escolar, priorizando os encaminhamentos com as pessoas diretamente relacionadas. (...) Para as associações políticas que foram feitas em relação ao episódio, reiteramos que somos apartidários e não nos vinculamos a candidato ou ideologia político-partidária, o que foi evidenciado em diferentes momentos de diálogo com pais e responsáveis atendidos".