Passados três meses do anúncio do corte de 30% no orçamento anual das universidades federais pelo Ministério da Educação (MEC), as instituições de ensino começam a sentir os efeitos da decisão do governo federal. No Rio Grande do Sul, os reitores das sete entidades de Ensino Superior demonstram preocupação com o futuro devido à falta de recursos.
Em entrevista à reportagem de GaúchaZH, os gestores informaram temer que, em setembro, não haja verba de custeio. Quer dizer, segundo eles, que não haverá dinheiro para a manutenção de contratos com empresas terceirizadas, para o pagamento de bolsas estudantis e de contas básicas, como luz e água. O bloqueio dos repasses também inclui os institutos federais, mas somente nas universidades gaúchas o corte ultrapassa os R$ 193 milhões. Confira a situação de cada instituição do RS:
UFPel
O reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, revela que duas semanas atrás a instituição ficou com o caixa zerado. O respiro surgiu com o pagamento de uma parcela de R$ 3,9 milhões, ou seja, 5% do orçamento de custeio que foi utilizada para pagar a assistência estudantil — bolsas e aluguel — e sanar a dívida de dois contratos, de junho, com empresas terceirizadas.
— Hoje, estamos em dia, mas, quando virar o mês estaremos em dívida com nossas nove prestadoras de serviços, com o pagamento de bolsas e com contas de luz e água. Até agora, foi liberado 58% do nosso orçamento de custeio. Porém, o que foi anunciado em maio é que nosso limite é de 70%. Quando alcançarmos este patamar, não teremos como pagar as contas. Não tem de onde tirar. Por isso, tememos que nossas atividades sejam seriamente comprometidas ou paralisadas a partir de setembro — sinaliza Hallal.
Para a UFPel estava previsto pela Lei Orçamentária Anual (LOA), de 2019, um repasse no valor de R$ 74,23 milhões. Com o corte, o valor ficou em R$ 51,96 milhões. Até agora foram recebidos R$ 42 milhões. O reitor explica que os quase R$ 10 milhões restantes mantêm a universidade somente até o próximo mês. Isso mesmo com as readequações que resultaram na queda pela metade dos gastos em telefonia, na economia de mais de R$ 10 milhões em contratos com terceirizados e na redução de aluguéis que, desde 2017, gera economia de 1,2 milhão por ano.
Hallal relata que a comunidade acadêmica, de 20 mil estudantes, e externa da cidade está "em pânico". Isso porque o único hospital que oferece atendimento integral via Sistema Único de Saúde (SUS) é o da universidade. Além disso, quatro Unidades Básicas de Saúde (UBSs) dependem do orçamento da UFPel para seguir em funcionamento, afirma o reitor:
— O serviço de radioterapia precisa que a Faculdade de Medicina esteja com as portas abertas, caso contrário a lista de pacientes com câncer vai entrar em colapso. O MEC criou um cenário de caos para quem estuda e trabalha em Pelotas. Porque, além de prestar serviço, ajudamos a injetar R$ 700 milhões na economia da cidade. Hoje, o inimigo número um da Educação é o próprio MEC.
UFRGS
Rui Vicente Oppermann, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que a entidade sofreu um corte na ordem de R$ 55,83 milhões. Seu orçamento inicial era de R$ 166,65 milhões, passou para R$ 116,65 milhões e, até o momento, foram repassados, aproximadamente, R$ 96 milhões à universidade. A última parcela liberada pelo MEC permitiu que a instituição pagasse os terceirizados (de limpeza, de segurança e portaria), comprasse os insumos necessários para as salas de aula e laboratórios para o início deste novo semestre e pagasse os auxílios estudantis. Porém, o gestor relembra que a universidade já atrasa o pagamento integral da conta de luz junto à Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE):
— Estamos em falta e contamos com a compreensão da CEEE. Chegamos a 58%, dos 70% que o governo federal disse repassar. Estamos preocupados porque, sem a liberação do orçamento em sua integralidade, teremos dificuldades para manter as atividades, já que não conseguiremos pagar as terceirizadas e chegaremos a uma dívida que a CEEE não terá como aceitar e isso seria o caos — ressalta Oppermann.
O reitor afirma que, há dois anos, a instituição — que tem 45 mil estudantes, 2,6 mil professores e 2,6 mil técnicos-administrativos — vem implementando políticas de economia. Foram diminuídos gastos com combustível, locomoção de servidores, energia elétrica entre outros. O pente fino nos gastos foi colocado em prática porque os tempos difíceis estavam no radar do gestor. Porém, ele se mostra confiante de que o MEC fará o desbloqueio da verba.
— Estou otimista, acredito que haverá responsabilidade de gestão pública por parte do MEC. Nossas despesas estão aumentando, não tem como manter as atividades, temos o custo dos dissídios, reajustes da inflação, etc. Não tem como sobreviver a um bloqueio de 30% porque ele é letal — diz Oppermann, que já prevê, para setembro, nova onda de demissões no quadro de terceirizados.
UFCSPA
Os cortes em custeio foram de R$ 29,5 milhões para R$ 19,9 milhões na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), que tem 4.653 estudantes.
Um segundo agravante para as finanças da entidade foi o recolhimento dos R$ 8 milhões que havia na reserva por parte do governo federal para honrar a folha de pagamento dos aposentados.
Lucia Campos Pellanda, reitora da instituição, afirma que não há atraso no pagamento de contratos ainda, mas que a sentimento de preocupação ronda a universidade desde o anúncio do bloqueio feito pelo MEC, visto que R$ 18,1 milhões já foram utilizados.
— Não queremos reduzir mais postos de trabalho e aumentar ainda mais a crise gerando desemprego, mas pensamos em reduzir contratos de limpeza, segurança e portaria. Outros cortes já fizemos: por exemplo, cancelamos assinaturas de periódicos científicos, reduzimos a compra de livros para nossa biblioteca — relata Lucia que afirma ainda que a aquisição de insumos para os laboratórios também está racionada.
Parcerias com outras universidades federais foram firmadas para que não seja necessário contratar serviços externos — exames laborais periódicos agora são feitos pela UFRGS e não mais por uma empresa, por exemplo. Porém, apesar dos esforços, os prejuízos da decisão do MEC são sentidos pelos estudantes.
— Por sermos uma universidade especializada em saúde, nossos cursos exigem investimento tecnológico alto. Precisamos de determinados materiais e, se eles não forem adquiridos, teremos de suspender as aulas. Atualmente, já trabalhamos com uma proporção menor de aulas práticas — relata a reitora.
Ela afirma que a universidade tem mantido os projetos de extensão, como o de atendimento a vítimas de violência, pelo menos, por enquanto:
— Projetos como este serão afetados sem o desbloqueio. Pesquisa e extensão em saúde precisam de recurso público. Vivemos dias preocupantes, que estão fora da normalidade acadêmica, mas não queremos paralisar as atividades. Aposto na reversão do quadro, não quero entregar os pontos, porque o impacto na sociedade será imenso — diz Lucia.
UFSM
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o baque foi de R$ 37,6 milhões. Ou seja, de um total de R$ 130 milhões para custeio, está previsto o repasse de R$ 92,4 milhões. Porém, até o momento, a instituição recebeu R$ 50 milhões, afirma o reitor Paulo Burmann, que vê o cenário com preocupação e afirma não ter nenhuma outra reserva disponível.
— Nós ainda temos expectativa de liberação de recurso durante o mês de agosto para que possamos cumprir o pagamento dos contratos com fornecedores e também as contas correntes da universidade. Porém, se não houver, ficaremos inadimplentes, inclusive, já estamos com alguns — diz Burmann,
Segundo ele, a instituição não consegue repor qualquer equipamento ou insumo demandado por professores, alunos e técnicos-administrativos. Na tentativa de tentar sobreviver ao bloqueio, a universidade reduziu as viagens a campo de estudantes extensionistas e implantou mudanças para reduzir o consumo de energia elétrica, entre outras ações. Burmann teme a paralisação da instituição, visto que o único hospital público da região, com 410 leitos e pronto-socorro, é o da UFSM:
— Estamos apostando que governo (federal) vai liberar os recursos. Não apostamos na paralisação total, mas a preocupação é permanente. Ninguém descansa diante deste cenário. Com todas as mudanças para nos adequarmos diante da nova realidade financeira, tivemos redução de contratos que trouxeram prejuízo à limpeza, redução aparente de segurança e até furto de equipamentos.
FURG
A reitora da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Cleuza Dias, explica que dos
R$ 40,49 milhões prometidos pela LOA, estão previstos somente 25,98 milhões e que, até agora, foram liberados R$ 23 milhões. Ou seja, a instituição poderá contar com somente mais R$ 3 milhões para atravessar os quatro últimos meses do ano.
— A situação é muito crítica, porque, além de tudo,o orçamento está sendo liberado em parcelas de 5%. Honrar todos os compromissos com as empresas contratadas, fornecedores e estudantes é impossível. R$ 3 milhões não bastam, a gente precisa do desbloqueio para conseguir ir até o final de 2019, precisamos que o MEC cumpra seu compromisso conosco — diz Cleuza.
A gestora afirma que a universidade reduziu o máximo que pode seus gastos com vigilância, limpeza, portaria, energia elétrica, telefone, deslocamentos de professores, estudantes e técnicos. Agora, alguns prédios estão sem recepcionista no turno da noite, diversos setores não contam com manutenção diária de higiene e a participação de alunos em congressos (que tem o deslocamento pago pela universidade) está cortada, o que prejudica a divulgação das pesquisas e descobertas feitos pela entidade.
A reitora faz ainda o alerta para o efeito cascata que a diminuição das atividades da Furg pode provocar:
— Causamos um impacto grande na economia do município. Se paralisarmos por falta de dinheiro, o número de desempregados na cidade vai aumentar, o comércio vai diminuir e assim por diante.
Unipampa
Com 10 unidades espalhadas pelo Rio Grande do Sul, a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) colocou em prática um plano de contingenciamento em 2016. A decisão foi tomada, porque, desde 2015, o orçamento da entidade é o mesmo, apesar dos reajustes e dissídios das prestadoras de serviços. Estava previsto para a instituição o recebimento de R$ 46,8 milhões, porém foram repassados somente R$ 26,5 milhões.
O pró-reitor de Planejamento e Infraestrutura da instituição, Luis Hamilton Tarragô Pereira Jr, afirma que a Unipampa ainda não está no vermelho porque o plano de redução de gastos — como queda no número de viagens a campo feitas por extensionistas — deu conta das necessidades, porém diz estar aflito em relação ao futuro.
— Nossas economias vão se esvaindo. A situação é preocupante, porque a partir de setembro chegaremos no nosso limite orçamentário pós-corte e não teremos como manter os atuais contratos firmados. Se não houver o desbloqueio, teremos grandes dificuldades para manter as aulas porque não temos como deixar um campus aberto sem segurança, limpeza e manutenção predial. A situação é dramática — aponta.
O pró-reitor aponta a relevância que a Unipampa tem para a região, por promover pesquisa e conhecimento. Para ele, o governo federal tem de assumir sua responsabilidade frente às universidades:
— Ele precisa assumir o papel de mantenedor das instituições federais e não ser o agente que coloca em risco o patrimônio da sociedade, que prejudica a pesquisa e a formação acadêmica de estudantes.
UFFS
Diferentemente de outras instituições federais, a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que tem seis unidades diferentes distribuídas entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, apresenta quadro menos dramático, segundo Jaime Giolo, reitor da instituição.
Assim como as já citadas, a entidade traçou um plano de economia anos atrás. O número de funcionários terceirizados diminuiu, placas de energia solar foram instaladas para que a conta de luz diminuísse, lampadas de LED foram implementadas nos prédios e reuniões presenciais foram substituídas por chamadas de vídeo para evitar gastos com combustível.
Giolo observa que o fato da UFFS ter sido criada em 2009 fez com quem o corte na verba de custeio — que foi de R$55,27 milhões para R$38,65 milhões — não afetassem, neste primeiro momento, o funcionamento básico da universidade que já recebeu R$ 32,4 milhões do orçamento pós-corte.
— Por termos edificações novas, exigimos pouca manutenção. Nossa estrutura é mais enxuta e singela e está restrita aos cursos superiores. Não temos museus e prédios históricos como a UFRGS, por exemplo — mas ele faz o alerta para os meses que se aproximam:
— Se os cortes forem mantidos, não daremos um passo à frente, mas não daremos um passo atrás. Chegaremos ao final do ano com as contas em dia, mas sem investimento no fomento à pesquisa e extensão. Ou seja, ficaremos estagnados.
Por meio de nota, o MEC anunciou que "mantém diálogo permanente com os dirigentes delas (universidades), estando à disposição para intermediar a resolução de questões pontuais concernentes à liberação de limite orçamentário necessário à execução das atividades, observadas as diretrizes de gestão fiscal responsável e a eficiência do gasto público, que podem ser objeto de descontingenciamento na medida de uma evolução positiva do cenário fiscal do país."