Talvez o sobe e desce de São Marcos, com todos os aclives e declives típicos de uma cidade da serra gaúcha, tenha motivado seus moradores a mirar o céu. É no alto que fica o ponto símbolo do município, o Monte Calvário, de cima do qual se pode ver todo o território em que vivem 21 mil são-marquenses. E é também para o alto que um grupo de estudantes da Educação Básica mira quando constrói e lança seus minifoguetes.
A atividade educativa com cara de diversão mobiliza alunos de diferentes turmas de Ensino Fundamental na Escola Estadual Maranhão. São alunos entre 12 e 17 anos que reservam até dois turnos por semana, nas quartas e sábados, para aprender sobre a construção, lançamento e trajetória de foguetes. Em meio a esses exercícios bem práticos, muitas lições teóricas sobre Física, Matemática e Química são ensinadas pelo professor de Ciências Marcos Grizzon – biólogo por formação, mas apaixonado por foguetemodelismo – ou aprendidas pelos próprios alunos, que adoram pesquisar mais sobre o assunto no colégio e em casa.
– Essa experiência ajuda muito nos estudos. E nos motiva bastante. Se eu presto mais atenção nas aulas, principalmente de Matemática e Física, que não são o meu forte, tenho mais facilidade nos foguetes também – explica a estudante do 9° ano do Ensino Fundamental Ana Carolina Bertolazzi, 14 anos.
As atividades do Grupo de Foguetes São Marcos são realizadas de maneira extracurricular, e qualquer aluno da escola pode participar. A ideia começou em agosto de 2018 e, desde então, tem levado a aprendizados constantes de todos os envolvidos. Os participantes, todos leigos no tema, se esforçam para aprender mais e tornar seus modelos cada vez melhores. Com frequência, a fonte de informações são tutoriais feitos por aeromodelistas e publicados online em sites como o YouTube.
– Vou aprendendo junto com os alunos – confessa Grizzon, animado em explicar cada passo da evolução dos minifoguetes.
O entusiasmo dos jovens é nítido. Mesmo nas etapas aparentemente menos recompensadoras do projeto, como o recorte de papéis a serem utilizados nos modelos, as discussões sobre os cálculos e a seleção do material a partir do qual serão fabricados os foguetes, cada um dos participantes demonstra prazer em estar ali e orgulho do que o grupo faz em conjunto.
– Ver algo que você construiu, que tem muita potência, pode ir muito longe, algo que foge do comum, é muito bom. Eles têm a oportunidade de fazer um foguete, algo que eles só costumavam ver pela televisão. Isso atrai esses demais jovens – explica o professor, ele mesmo extremamente contente por ver um hobby transformado em atividade de ensino na sua cidade.
Quando chega a hora de deixar a sala que a escola dedica exclusivamente ao grupo de foguetes, os adolescentes se movem agitados.
– Pega o capacete!
– Não esquece os ignitores!
– Quem leva o foguete?
– Alguém pega óculos de proteção para mim?
– Hoje quem vai lançar sou eu!
E assim chegam até um campo aberto, distante cerca de três quadras do colégio, de onde costumam fazer os lançamentos. Em clima de companheirismo, os colegas ficam animados para montar tudo, ver como cada modelo vai se sair, tentar bater seus próprios recordes. Tudo em um clima amistoso, de aprendizado para todos. Em uma tarde típica, três grupos de cinco alunos lançam, cada um, dois minifoguetes diferentes. E depois o grupo avalia o desempenho, conversa sobre o que foi bom, o que poderia melhorar. Com isso, o ensino ultrapassa o território do colégio e os motiva para além das horas escolares.
O grupo foi formado a partir do incentivo de alunos de cursos de engenharia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) que integram o projeto Phoenix Rocket Team – esses, responsáveis por foguetes mais complexos, mas que também começaram por lazer, e sem a experiência que a turma de São Marcos tem desde a Educação Básica.
– A escola de São Marcos é a primeira que estamos auxiliando para desenvolver esses foguetes com motores de propulsão sólida, para aprofundar o conhecimento na área aeroespacial, difundir mais os conhecimentos da Física e de aerodinâmica. É um projeto piloto que pretendemos difundir para mais escolas da região – garante Victor Luis Bohm Kühn, 22 anos, estudante de Engenharia Mecânica na UCS.
O aprendizado envolve cada etapa de construção dos minifoguetes: desde o material a ser utilizado para o suporte das peças até quantas voltas de papel pardo é preciso dar em um cilindro, desde que cola utilizar para unir as partes até a melhor maneira de cortar uma garrafa PET que será lançada.
Com o entusiasmo dos envolvidos, a evolução foi rápida. Em poucos meses, o grupo começou a participar de competições regionais e até nacionais.
Para tanto, eles contam com apoio da escola, que garante verba para a compra de materiais como ignitores e os motores que permitem aos modelos voarem alto. Já as participações em competições, como a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica e a Mostra Brasileira de Foguetes, foram possíveis graças à realização de rifas que mobilizaram a comunidade de São Marcos.
– Os alunos estão envolvidos em um projeto que, a princípio, parece brincadeira: parece que vêm até a escola só para construir foguetes. Mas o que está envolvido nisso? É pura Física, pura Química. A escola proporciona isso e apoia isso principalmente por conta de todos os elementos conceituais que os alunos têm a oportunidade de aprender – descreve Gisele Rizzon, diretora da Escola Estadual Maranhão.
Os modelos que os estudantes constroem são pequenos, mas já voam alto: conquistaram o 3° lugar na categoria Ensino Fundamental do VI Festival Brasileiro de Minifoguetes, realizado no final de abril, em Curitiba, e as duas primeiras colocações, mais uma 2° posição e uma menção honrosa em competições realizadas em Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Barra do Piraí (RJ) no ano passado.
– Tem gente do país inteiro participando dessas competições. Tem muita gente. E, em Curitiba, eu fui a responsável por lançar o foguete. Estava muito nervosa na hora. Mas todo mundo me acolheu, sabe? E os responsáveis pelas provas nos falaram que nosso foguete era muito bom. Que, se lançássemos em outra categoria, na do Ensino Médio, nos daríamos muito bem – comemora, orgulhosa, a aluna do 9º ano do Ensino Fundamental Alana Borges Rosa, 14 anos.
Vem também da rede pública de São Marcos outro bom exemplo da qualidade da educação: a Escola Estadual de Ensino Fundamental Orestes Manfro garantiu o melhor resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre as instituições estaduais em 2017. Sinal de que mirar o topo é mesmo uma constante em São Marcos.
O projeto
O que é? Grupo de Foguetes São Marcos
Quem faz? Alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Maranhão, em São Marcos, na serra gaúcha
Desde quando? Fundado em 18 de agosto de 2018
Responsável: Marcos Grizzon, biólogo e professor de Ciências na escola Maranhão
Apoio: Grupo de Foguetes Phoenix Rocket Team, da Universidade de Caxias do Sul (UCS)
Objetivo: promover e divulgar a prática do foguetemodelismo, instigando os alunos a aprenderem mais sobre ciência e participar de competições
Saiba mais: facebook.com/grupodefoguetessaomarcos
Conquistas:
- 2° lugar na categoria maior alcance na 3ª Competição Regional de Foguetes – Universidade de Caixas do Sul (UCS, etapa Caxias); 1° Lugar, melhor vídeo demonstrativo, em junho de 2018, (foguete de garrafa PET)
- Menção Honrosa na XVI Jornada de Foguetes, categoria maior alcance, Barra do Piraí (RJ), em outubro de 2018 (foguete de garrafa PET)
- 1° lugar na categoria maior alcance na 3ª Competição Regional de Foguetes – UCS (etapa Bento Gonçalves), em novembro de 2018 (foguete de garrafa PET)
- 3° Lugar no VI Festival Brasileiro de Minifoguetes em Curitiba (PR), categoria Ensino Fundamental (foguete “convencional”, propelido a combustível sólido)