Bastou o anúncio da chegada de um visitante ilustre para os 34 alunos do quarto e do quinto anos da Escola Municipal Princesa Isabel começarem a bater os pés no chão, murmurarem entre si e dedicarem as atenções à porta do ginásio da instituição, em Campo Bom, no Vale do Sinos. O silêncio só dominou o ambiente, numa manhã de quinta-feira, quando ouviram, ao longe, a respiração mecânica, profunda e abafada se aproximando do salão
No momento em que a primeira botina de cor preta ultrapassou a entrada, seguida de uma capa esvoaçante de mesma cor, os olhos dos pequenos arregalaram. Teve quem segurasse a boca aberta, como se não acreditasse na imagem à frente. Era Darth Vader, o comandante supremo da Frota Imperial, um dos personagens icônicos da série cinematográfica Star Wars, ou Guerra nas Estrelas.
Se, nos filmes da saga concebida pelo cineasta George Lucas, Vader é o lado sombrio da força, na escola de Campo Bom ele surgiu mais experiente, cheio de bondade e com consciência ambiental, pedindo aos pequenos para salvarem o que ainda resta do planeta Terra. Depois da conversa rápida, as crianças pediram fotos com o comandante. Ao contrário do personagem do cinema, a versão carinhosa encantou as crianças. Algumas não desconfiaram que atrás da fantasia e da voz diferente estava o físico Cesar Eduardo Schmitt, 53 anos, morador de Sapiranga.
Uma vez por semana, ele se transforma em personagens da ficção científica para levar o projeto voluntário "Astronomia para Crianças" às salas de aula de escolas de Porto Alegre e dos vales do Sinos e do Paranhana – antes de Vader, ele se vestiu como um dos integrantes da nave estelar USS Enterprise, da série Star Trek (Jornada nas Estrelas). Criada em 2007, em parceria com o ex-professor dos tempos de faculdade e colega Renato Becker, a ação começou como um exercício teatral, no qual as próprias crianças eram convidadas a se tornarem planetas do sistema solar. Um ano depois, Becker faleceu e Schmitt seguiu com a atividade esporadicamente – ele é professor de Física nos cursos de Engenharia e Medicina na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo.
Em 2015, o docente visitou uma escola e impressionou-se com a preparação do ambiente. A professora da instituição havia montado um planetário com guarda-chuvas e criado moldes de astronautas em tamanho natural, para as crianças tirarem fotos. Era a inspiração necessária para o professor mudar o formato da palestra, colocando novos atrativos que empolgassem os alunos. Naquele instante, ele também decidiu transformar o projeto solitário em ação solidária. A única exigência para visitar as escolas passou a ser doações de alimentos não perecíveis e de pacotes de fraldas geriátricas, repassados ao Banco de Alimentos de Novo Hamburgo e à Liga de Combate ao Câncer.
Apaixonado por astronomia e cinema, Schmitt recorreu aos personagens de suas duas séries favoritas de filmes para lhe ajudarem nas explanações. A escolha de Vader, ele explica, deu-se por se tratar do vilão amado e odiado por crianças e adultos. Para ficar ainda mais próximo da ficção, comprou a roupa e o modulador de voz. Já o tripulante da USS Enterprise, com direito ao uniforme usado pelos integrantes da nave, é quem abre a aula de 90 minutos. E, se a palestra se prolongar, ainda veste a terceira indumentária: a de piloto de uma das naves de Star Wars. Ele reforça que usar elementos teatrais impacta no processo de aprendizagem, pois o aluno, ao envolver-se na história, vivencia o que está estudando. O objetivo é estimular o gosto de crianças e adolescentes pela ciência.
— Na verdade, sou um contador de uma história, de uma jornada nas estrelas. Primeiro, faço a divulgação científica em si. Depois, tento incentivar a responsabilidade ambiental de cada um deles, para termos um planeta sustentável no futuro. Hoje, com as redes sociais, os alunos têm acesso a muita informação, mas a muito lixo também — afirma.
Há três anos, Schmitt levou a iniciativa ao programa Encontro, da TV Globo. Em seguida, recebeu convites para palestrar em diferentes partes do país, mas recusou todos devido ao trabalho na universidade. Hoje, as aulas voluntárias são dadas apenas nas quintas-feiras pela manhã – único momento em que há folga na agenda do professor universitário. E, ainda assim, no ano de 2019, tem compromissos assumidos pelo projeto ao longo de todas as semanas até agosto. Anualmente, 45 escolas de Ensinos Fundamental e também Médio são visitadas por ele em mais de 20 municípios gaúchos.
É comum o físico receber, depois da palestra, mensagens gravadas pelas crianças agradecendo pela “aula diferente” ou dizendo que querem ser cientistas e até astronautas. Pais também costumam procurar o professor nas redes sociais.
— Recebo mensagens dos pais dizendo: “Bah, meu filho viu a tua palestra e achou maravilhoso!”. É muito gratificante ser encontrado no supermercado e uma criança correr para a mãe dizendo “Olha lá o Darth Vader!” ou “O tio da Nasa chegou!”. Isso não tem preço — comenta.
Para Schmitt, usar a única folga semanal para dedicar-se ao projeto não é perda de tempo ou dinheiro. Ele considera a ação um ato de amor. Há falta de empatia atualmente, lamenta. O mestre – que nas férias ama cruzar as estradas sobre uma motocicleta, carregando na garupa a esposa, a professora aposentada Cirlene, 52 anos — acredita ter vindo ao mundo para passar adiante o que aprendeu durante a vida acadêmica. Para além de qualquer rótulo, quer ser reconhecido “apenas como ser humano”.
"Quando crescer, quero ser cientista"
Estudante do quarto ano da escola de Campo Bom, Gabriel Alves, nove anos, ouviu com atenção as explicações sobre cada planeta, sobre o sistema solar e as galáxias. Ele silenciou ao surgir na tela a imagem da Terra, ao mesmo tempo em que Darth Vader reforçou ser aquele um planeta pequeno e frágil.
Logo após o encerramento da palestra, o guri correu na direção do personagem. Posicionado ao lado direito dele, fixou o olhar na direção da máscara, como se tentasse descobrir quem estava por trás dela. Tentou trocar algumas palavras, e recebeu afagos do visitante ilustre. Só saiu da cena quando as professoras insistiram para que voltasse à cadeira.
— Eu não sabia que a Terra era frágil. Gostei de saber também sobre os outros planetas. Quando eu crescer, quero ser cientista — comentou o menino, convicto.
Foi a primeira vez que Schmitt visitou a escola. Segundo a diretora, Larissa Guntchnigg, a manhã foi instigante para alunos e professores.
— Como astronomia é um assunto difícil de trazer para realidade, o convidamos para nos ajudar. Quando a gente trabalha com as crianças pequenas, precisamos encantá-los e o Cesar traz isso. As crianças adoraram, e a gente também! — finalizou.