Sentado sobre o cavalo Regalo, Adriel Panisson da Roza, seis anos, apoia o rosto no pelo do animal, o abraça com força e fica em silêncio, como se estivesse conectado às batidas de seu coração. Depois de alguns segundos na posição, o menino, que tem autismo, é convidado pela fisioterapeuta e pela equitadora a escovar as crinas de Regalo e a auxiliar na limpeza de suas patas.
— Escova, escova tudo! Muito bem, Adriel! — incentiva a tecnóloga em ciências equinas Juliana Biazus da Silva, 34 anos, que recebe um “joinha” do menino como resposta.
Finalizado o serviço, ele sorri e comemora o próprio avanço em mais uma sessão de equoterapia destinada a pessoas com necessidades específicas. A atividade é oferecida gratuitamente pela ONG Passo Amigo, de Vacaria, nos campos de cima da Serra.
Há nove anos, a partir de um pedido das mães de pacientes com indicação médica para a atividade, Juliana deu início ao projeto usando o cavalo da família e o espaço cedido pela Associação Rural de Vacaria no Parque de Rodeios Nicanor Kramer da Luz. A grande procura pelo método terapêutico — a entidade passou a atender também a pacientes dos municípios de Muitos Capões e Bom Jesus — exigiu a ampliação da equipe e a busca por parcerias que possibilitassem a continuidade sem custos às famílias. Pela ONG, passam crianças e adultos com autismo, paralisia cerebral, mielomeningocele, sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), síndrome de Down, síndromes raras, hidrocefalia, transtorno de personalidade, transtorno global do desenvolvimento e deficiência intelectual.
Adriel chegou ao projeto há três anos. Agitado, costumava cair quando tentava caminhar. Desde as primeiras sessões no lombo de Regalo e da égua Domingueira, porém, começou a ter mais equilíbrio e a ficar mais calmo, como constata a mãe do menino, a avicultora Angelita Panisson, 40 anos. Ele é um dos 60 pacientes que frequentam a Passo Amigo uma vez por semana.
— O mágico da equoterapia é o movimento tridimensional que o cavalo proporciona. Quando se coloca a criança no centro de gravidade do cavalo, ela recebe estímulos. O passo do cavalo estimula o deslocamento do corpo no espaço e, com isso, exercita o equilíbrio, a coordenação, o tônus muscular e a postura — explica Juliana, entusiasmada.
Basta uma tarde acompanhando o trabalho na ONG para conferir de perto os exemplos de superação que passam pelo local. Vítima de um AVC severo aos cinco anos, Ezequiel Pereira da Silva, hoje com sete, chegou a ser diagnosticado pelos médicos de que poderia não voltar a caminhar.
A avó do menino, Cirlei Oliveira Pereira, 60 anos, levou o neto à fonoaudióloga, à fisioterapia e à equoterapia. O menino não conseguia ficar sentado sobre o cavalo. Agora, com força suficiente no tronco, dá voltas no parque no lombo do animal — com o devido acompanhamento da equipe.
— O amigo cavalo parece compreender a situação e não mede esforços para ajudar cada um da sua maneira — emociona-se Juliana, apaixonada pelos animais.
Na ONG desde os dois anos, Brayan Marafigo Ostzyzek, diagnosticado com autismo, era agitado e disperso. A prática sobre o cavalo o tornou menos agressivo e mais focado nos exercícios propostos. Se, no início, ele pouco se comunicava, hoje, aos sete, conta histórias aos terapeutas enquanto é conduzido pela floresta de eucaliptos existente no local.
– Ah, eu gosto muito desta floresta! – comenta o menino, enquanto abre os braços sobre o manso Regalo, para os cuidados redobrados de Juliana e da fisioterapeuta Ana Paula Guedes Martins, que caminham ao lado dele.
Os atendimentos são realizados de segunda a sexta-feira, ao longo dos 12 meses do ano. Cada paciente tem 30 minutos semanais de terapia. Quem chega para o tratamento não tem data para receber alta. O processo costuma ser lento. Por isso, há uma fila de espera, que atualmente conta com 15 pacientes. Até hoje, mais de 200 já realizaram a terapia – que é gratuita. A faixa etária varia dos dois aos 45 anos, e mais da metade dos atendidos são do sexo masculino.
Para manter a instituição, que conta com oito funcionários (uma coordenadora, duas psicólogas, uma fisioterapeuta, dois equitadores, uma assistente social e uma auxiliar administrativa), são gastos, mensalmente, R$ 22 mil. O dinheiro é captado por meio de projetos realizados junto à prefeitura de Vacaria, incentivos fiscais, doações e eventos promovidos pela instituição. Juliana destaca que a maior dificuldade da ONG é a falta de uma sede própria, principalmente no inverno, quando as temperaturas chegam a 0ºC na região serrana.
Sem uma área coberta e, por isso, tendo de ser realizadas ao ar livre, às vezes as sessões acabam reduzidas. Neste ano, porém, a entidade recebeu a informação de que a empresa Resfriar construirá a nova sede em uma área de aproximadamente 150 metros quadrados. A meta, a partir daí, é ampliar o número de beneficiados pela instituição.
Além do cuidado com quem tem necessidades específicas, a Passo Amigo também se preocupa com os familiares dos atendidos no local. Uma vez por mês, as mães e os pais são convidados para uma roda de conversa, quando trocam experiências. A entidade ainda dá assistência social às famílias. A idealizadora acredita que o fortalecimento do vínculo familiar é fundamental para o sucesso de todo o tratamento. Antes de conseguir apoio financeiro para gerenciar a ONG, Juliana fazia voluntariamente o trabalho com equoterapia. Dessa ação, tirou uma lição:
— Ser voluntário é fazer muitas coisas, mesmo tendo pouco recurso. Acredito que a gente consegue tocar nas pessoas, fazendo a diferença na vida delas.
Mãe de Lavínia, 10 anos, e casada há 11 anos com o tecnólogo em ciências equinas Leonardo Lisboa, 39 anos, que também atua como equitador na ONG, Juliana se sente uma privilegiada por ter conseguido tirar a instituição do papel. Seu sonho é de que a Passo Amigo seja um exemplo de como a equoterapia faz diferença na vida de quem busca pelo tratamento.
“Ele vem faceiro” para a terapia, diz mãe de Bernardo
Com menos de dois anos de idade, Bernardo Fonseca Volpato foi diagnosticado com epilepsia, crises convulsórias e autismo. Sem reações a qualquer estímulo, o menino não falava, não caminhava e vivia num mundo à parte. A mãe, Danielle Pedroso da Fonseca, 35 anos, recebeu a recomendação de buscar auxílio na equoterapia. No primeiro ano, Bernardo começou em pé sobre o cavalo porque não conseguia sentar e não tinha equilíbrio para manter ereto o próprio pescoço. Aos poucos, a família foi percebendo a evolução dos movimentos e a comunicação do filho.
Acreditando que o menino seguiria melhorando, seus pais se mudaram para uma cidade na qual não havia o tratamento. Seis meses depois, vendo a regressão de Bernardo dia a dia, Danielle e o marido decidiram voltar a Vacaria para o filho retomar a equoterapia.
— Ele não é muito carinhoso. Mas, quando digo que vamos ver o cavalo, ele vem faceiro. Não tem preço que pague ver o meu filho feliz — comenta.
A convite de Juliana, e com o consentimento dos membros da direção, Danielle tornou-se presidente da ONG. Dessa forma, fica ainda mais próxima de Bernardo, que está com 11 anos. A meta dela é, junto à criadora da instituição, ter uma nova sede.
— A Juliana não faz por dinheiro e tem um coração imenso. Ela e a Passo Amigo transformam a vida dos pacientes e das famílias desses pacientes — resume Danielle.
PARA AJUDAR
A ONG Passo Amigo aceita doações que podem ser deduzidas do Imposto de Renda. Para mais informações, os contatos são: (54) 3232-4713.