Às 10h de ontem, o sinal para o recreio tocou na Escola Estadual de Ensino Fundamental Maria Cristina Chiká, no bairro Lomba do Pinheiro, na Capital. Porém, os 16 alunos da turma 71 não reagiram a ele. Uns, por sequer associarem aquele som na metade da manhã ao começo do intervalo. Outros, por não saberem o que fazer dali em diante. Os alunos do sétimo ano da Chiká nunca tiveram recreio.
Desde que a construção de um novo prédio foi anunciada, há sete anos, para não perder alunos a escola organizou quatro turnos, sem intervalo: das 7h30min às 11h, das 11h às 14h30min, das 14h30min às 18h e das 18h às 22h – período em que só havia pausa de 10 minutos para a merenda. A obra só teve início em 2014, sendo concluída no mês passado. Durante anos, os alunos tiveram aulas em salas improvisadas, construídas em madeira compensada. Espaços pequenos, quentes e pouco iluminados.
Hoje, finalmente a escola de 760 alunos conta com um prédio novo com 15 novas salas de aula, amplas e arejadas.
— Abrimos mão do recreio pela adequação do horário e pela falta de espaço do pátio da estrutura antiga. Não tinha como comportar os alunos — explica a diretora Ivelise Camboim.
O retorno das aulas na manhã de ontem marcou o dia em que, finalmente, os alunos ocuparam o novo prédio, uma reivindicação de 18 anos dos moradores da Lomba do Pinheiro.
Durante os 15 minutos de intervalo, a gurizada não sabia bem o que fazer. Pouco habituados à integração além da sala de aula, olhavam desconfiados e cochichavam. Alguns espiavam o novo ginásio atrás da rede de contenção, encantados e curiosos com o espaço que é pelo menos quatro vezes maior do que aquele a que estavam habituados. Os menores disparavam a correr eufóricos pelo espaço.
As aulas, que nesta segunda-feira (26) iriam até o meio-dia acabaram às 11h, porque os pais também queriam conhecer a escola nova. Assim, direção e professores apresentaram a estrutura nova à comunidade:
— Para os pais, era um sonho, assim como para nós. Foram sete anos sofrendo. Hoje, eles vieram aqui se apropriar da escola — avalia a vice-diretora, Tatiane Carvalho.
Gurizada bem mais feliz
Gustavo Rodrigues da Silva, 12 anos, diz que se sente mais feliz:
— No pátio pequeno não dá para correr, né? Agora, vai dar para falar com amigos de outras turmas, mexer no celular... — comentou o menino.
Antes de tocar o sinal do intervalo, Raylaine de Oliveira também tentava decidir entre pular corda ou pular elástico.
— Nunca tivemos pátio, a sala de aula sempre foi apertada, todo mundo juntinho, agora temos escola nova e recreio — comemora a menina.
A mãe de Raylaine, Angélica, 38 anos, conta que a menina falava há dias do retorno às aulas. Estava ansiosa para estudar na nova estrutura:
— Ela acabava conversando demais na sala de aula com amigas, não prestava atenção, tudo porque não tinha um tempo para compartilhar entre os colegas.
"Um dano irreparável à infância"
Durante os sete anos em que a escola teve quatro períodos, os professores também sofreram. Muitas vezes, precisavam almoçar dentro da sala de aula. Não havia intervalo entre os turnos.
— O professor não tinha como respirar. Era um abalo psicológico para todo mundo. E um dano irreparável à infância dessas crianças. Os alunos não tinham a oportunidade de ficarem soltos no pátio — afirma Tatiane.
As crianças não tinham direito aos minutos de sol que até os presos têm, não podiam desfrutar da ânsia de correr e jogar bola.
TATIANE CARVALHO
Vice-diretora
A escola fez o que pôde para tornar a rotina escolar mais leve, com passeios a museus, idas ao cinema e ao teatro.
— As crianças não tinham direito aos minutos de sol que até os presos têm, não podiam desfrutar da ânsia de correr e jogar bola — compara Tatiane.
Embora já ocupado, o prédio ainda não está completamente em uso. A principal limitação é elétrica e depende da construção de uma subestação. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) promete que as obras para a colocação da subestação de energia devem começar ainda em março, com prazo de conclusão de 30 dias.
Com a subestação funcionando, será possível usar o laboratório de informática — que ainda não está equipado — o elevador, que dará acessibilidade ao prédio de três andares, e colocar em uso os ventiladores, que, por enquanto, não podem ser ligados.
Entenda o caso
* Em 2000, começou a batalha da direção da escola para construir o prédio que substituiria as brizoletas (antigos prédio de madeira, construídos na gestão do governador Leonel Brizola entre 1959 e 1963).
* Com a interdição de um dos pavilhões de madeira por conta das más condições, outra brizoleta também deixou de ser usada, diminuindo em oito salas de aula o espaço físico da escola.
* Para driblar a dificuldade, foram criados em 2012 turnos de aula para atender a todos os alunos. A biblioteca virou sala de aula e o espaço para educação física reduzido. De 800 vagas, houve redução para 680.
* Em 2014, foram iniciadas as obras de construção do novo prédio na escola. A conclusão ocorreu no final de 2016. Porém, a demora na implantação de uma subestação de energia fez com que os alunos permanecessem todo o ano letivo de 2017 estudando na estrutura provisória.
* No final de janeiro deste ano, a escola foi liberada após a conclusão dos últimos reparos. Para as limitações na rede elétrica, que dependem da construção de uma subestação, foram feitas adequações provisórias para que o prédio possa ser utilizado. Segundo a Seduc, as obras para a colocação da subestação de energia devem começar ainda em março, com prazo de conclusão de 30 dias.