Em cenário marcado por inflação perdendo ritmo e ambiente econômico estável, a recomposição salarial fechou o ano passado com resultado positivo no Rio Grande do Sul. Em 2023, 75% das categorias registraram negociação com reajuste acima da inflação no Estado. O dado faz parte do boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O levantamento usa informações extraídas da página Mediador, do governo federal.
Foram anotadas 2.638 negociações em 20 categorias com 10 instrumentos ou mais no Estado em 2023, segundo recorte do boletim. Desse total de atividades, 15 registraram reajuste acima da inflação. Ou seja, tiveram aumento real. O restante ficou no mesmo patamar. Em 2022, o movimento foi diferente, com apenas 23,80% dos ramos conseguindo ganho real.
O Salariômetro usa como base de inflação o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), indicador que baliza as negociações. Queda no índice após período estacionado em alta é o principal movimento que ajuda a explicar o cenário melhor para acordos e convenções, segundo especialistas.
O professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Salariômetro da Fipe, Hélio Zylberstajn, afirma que a perda de ritmo da inflação observada em 2023 criou ambiente melhor para as mesas de negociação:
— A inflação de 2023 foi baixa para o nosso padrão histórico. Isso abre espaço para recuperar a inflação e ainda algum ganho.
Supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Rio Grande do Sul, Ricardo Franzoi também cita a diminuição da pressão inflacionária dentro desse processo. Além disso, ambiente econômico mais estável ante anos anteriores distensiona a discussão nas mesas de negociação, segundo Franzoi:
— Em 2023, teve um câmbio estável, uma inflação mais baixa e sem expectativa de estouro. Tem também uma perspectiva de vendas, porque se está sustentando uma demanda das famílias por baixa inflação que garante renda e medidas como aumento de salário mínimo e as próprias negociações. Isso acaba dando um suspiro para os rendimentos.
Maurício Weiss, professor do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da UFRGS, afirma que a manutenção da retomada no mercado de trabalho é outro fator que ajuda a explicar negociações em patamar igual ou acima da inflação:
— O mercado de trabalho continua se recuperando com cenário de baixa taxa de desemprego. Isso aumenta o poder de barganha dos sindicatos, que conseguem obter patamares de reajustes mais altos.
Dados recentes mostram essa tendência de recuperação do mercado de trabalho no país, citado pelo professor da UFRGS. Dados do IBGE, divulgados na semana passada, mostram que a taxa de desemprego caiu 0,3 ponto percentual no último trimestre de 2023 e fechou o ano em 7,4% no Brasil. A média da desocupação no ano foi de 7,8% — menor índice desde 2014.
O extrato das categorias informadas pelo salariômetro mostra cenários distintos. No topo, com maiores reajustes, estão os ramos de indústria metalúrgica, da agropecuária e de hospitais e serviços de saúde (veja no gráfico).
— Na metalurgia, como os acordos aconteceram no primeiro semestre, quando ainda tinha um cenário de alta nas vendas, que vinha dos últimos anos, isso facilitou. Na agropecuária, alguns salários são próximos do salário mínimo e do piso regional, o que impacta nos reajustes — explica o supervisor técnico do Dieese no Estado.
Sobre o levantamento da Fipe
- O recorte enviado pela equipe do Salariômetro informa apenas os reajustes negociados em atividades com pelo menos 10 negociações.
- Os acertos abaixo dessa linha de corte são reunidos no grupo "outras categorias".
- Essa metodologia visa diminuir as chances de distorção em algum ramo com poucos registros. A classe "outras categorias" concentra 88 negociações.
Futuro
O professor Maurício Weiss cita ambiente econômico estável como um dos pontos que podem manter terreno favorável para os reajustes. Mesmo que o mercado de trabalho caminhe para acomodação, outros fatores ainda favorecem as negociações:
— O salário mínimo real vai subir, que é um fator benéfico, a economia vai desacelerar em relação a 2023, mas vai continuar crescendo e vamos ter também uma inflação mais baixa, que favorece tanto o consumo quanto o crescimento dos salários.
O coordenador do Salariômetro também projeta INPC ainda baixo em 2024, repetindo padrão de 2023. Já o nível de atividade está morno, mas mostra sinais de que pelo menos deve manter o mesmo patamar do ano passado. Portanto, segundo Zylberstajn, “as coisas vão ser muito parecidas”:
— Tem um ingrediente a mais em 2024, que é o fato de ser um ano de eleição, que sempre anima um pouco a atividade econômica. Então, espero para este ano um cenário muito parecido com 2023 na questão dos reajustes salariais.
Ricardo Franzoi, do Dieese, afirma que, no geral, as negociações devem apresentar cenário estável neste ano, sem grandes descolamentos da inflação. No entanto, resultados da agropecuária no Estado e impactos dos incentivos do governo federal para a indústria podem afetar setores específicos.
— Vão continuar, digamos assim, nesses arredondamentos. Não acredito em grandes saltos — pontua Franzoi.
Dados do país
- O país anotou 19.087 negociações em pelo menos 44 categorias.
- O reajuste real mediano ficou em 1% no Brasil.
- No recorte nacional, 78,2% dos reajustes ficou acima da inflação, 15,9% no mesmo patamar e 5,8% abaixo do indicador.
- Ramos de construção civil, feiras, eventos e divulgações e Indústria metalúrgica concentram os maiores reajustes reais medianos.