O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta segunda-feira (22) que uma decisão do governo sobre o impasse em torno da desoneração da folha de pagamento deve sair "nesta semana ou na próxima". Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, Haddad voltou a defender um fim para o benefício, alegando que não é possível "eternizar privilégios".
A desoneração alcança 17 setores da economia, que podem substituir a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. O benefício perderia a validade no fim deste ano, mas o Congresso aprovou a prorrogação até 2027. O presidente Lula vetou a prorrogação, mas o veto foi derrubado por ampla maioria.
No dia 31 de dezembro, o governo editou uma medida provisória (MP) que estabelece a reoneração gradual da folha a partir de 1º de abril - a isenção incidiria somente sobre o primeiro salário mínimo recebido pelo trabalhador. A MP também prevê o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a fixação de um limite para as compensações de impostos por meio de créditos obtidos por empresas por via judicial.
Na entrevista, Haddad voltou a afirmar que é preciso reduzir o "gasto tributário" do governo.
— Alguém vai pagar por esses 17 setores. Você tem que financiar a previdência, ela tem que ter equilíbrio, alguém vai pagar. Se você está abdicando da receita desses 17 setores, você vai ter que onerar outros setores para fechar a conta. Então eu perguntei: alguém é a favor de eternizar isso na Constituição? Ninguém foi a favor — disse.
Haddad também afirmou que, em reunião na semana passada com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Lira propôs que a MP seja fatiada. Assim, a descontinuidade do Perse e o limite para compensações seriam discutidos separadamente da reoneração. Segundo o ministro, a proposta foi levada ao presidente Lula, que deseja agora conversar com os presidentes das Casas.
— Sinceramente, estou mais preocupado em conversar com os líderes sobre o princípio — disse Haddad.
Após a reunião, Pacheco chegou a declarar que havia um acordo para manter a desoneração da folha até 2027. Na entrevista, porém, Haddad não disse que o governo tem intenção de desistir da reoneração.
Isenção para pastores
Na entrevista, Haddad também afirmou que houve uma "baita confusão" em relação à decisão da Receita Federal de suspender um ato publicado durante o governo Jair Bolsonaro que ampliou a isenção de impostos sobre pagamentos a líderes religiosos.
Publicado em agosto de 2022, às vésperas da eleição presidencial, pelo então secretário especial da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, o ato dispensou o recolhimento de contribuições previdenciárias sobre as prebendas, um tipo de remuneração especial por meio da qual as igrejas pagam pastores. Com isso, esses pagamentos deixaram de ser considerados como salário. A medida, porém, é alvo de um procedimento do Tribunal de Contas da União (TCU).
— O secretário atual (da Receita) convalidou o ato? Não, porque está sob investigação, e o Ministério Público junto ao TCU colocou uma série de vícios possíveis. Então, não podia convalidar — alegou Haddad.
Conforme a Haddad, a decisão final dependerá do entendimento do TCU em relação ao assunto. Caso o tribunal entenda que o ato não é regular, a Advocacia-Geral da União (AGU) será acionada.
O ministro afirmou que isso "dá segurança para todo mundo".
— O auditor vai saber o que fazer, o pastor vai saber o que fazer (...). Se a gente tiver clareza do que fazer, os órgãos todos (estiverem) acordados, vai ficar mais tranquilo.
Pressão do PT e meta fiscal
Haddad também foi questionado sobre as críticas do PT à condução da política econômica. Após a aprovação em dezembro de uma resolução do diretório nacional petista que chama de “austericídio fiscal” a política de ajuste levada a cabo pelo ministro, Haddad chegou a declarar que a sigla, à qual é filiado, não pode celebrar os resultados da economia e ao mesmo tempo condenar as medidas do governo.
No Roda Viva, Haddad afirmou que o PT é um partido "muito sui generis" devido às diferentes correntes internas.
— Mas tem o governo Lula, não tem a política do Haddad. Tem a agenda do presidente e os problemas que levamos a ele. Ele compreende e tem dado respaldo às soluções propostas — alegou.
Haddad também minimizou os desalinhos com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, devido às pressões pela revisão da meta de déficit zero em 2024.
— Ele está fazendo o papel dele. Ele tem que me pressionar, e eu tenho que trabalhar. A pressão existe e eu converso com o Rui toda semana. Vamos navegando e o presidente vai nos coordenando — disse.
O ministro também negou que declarações de Lula atrapalhem a condução da política econômica e disse que não discutiu com o presidente uma eventual revisão da meta fiscal. No ano passado, Lula afirmou que a meta fiscal "não precisa ser zero" e que não iria "estabelecer uma meta fiscal que obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para esse país".
Reforma tributária
O ministro reconheceu ainda a tendência de fortes disputas em torno das leis complementares da reforma tributária, que serão discutidas no primeiro semestre, em temas como os alimentos que serão incluídos na cesta básica e as regras do cashback. Para Haddad, no entanto, trata-se de um processo natural.
— É da vida democrática. Tem o tecnicamente recomendado, mas tem o politicamente possível, e temos que conviver com essas duas coisas. Fazer o que? — disse.