Quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, venceu a primeira batalha para manter a meta de déficit zero no orçamento de 2024, a coluna observou que outras viriam pela frente. Nesta quinta-feira (28), em um anúncio confuso, o que ficou mais claro foi o esforço para demonstrar que toda desoneração tem custo.
Foi o que Haddad reforçou ao comunicar o envio de uma só medida provisória que altera três pontos, dois dos quais relacionados a renúncia fiscal, outros de planejamento de arrecadação: limites anuais à compensação do pagamento de PIS/Cofins definida pela chamada "tese do século", redução na isenção tributária para o setor de eventos e reoneração gradual da folha de pagamento, com nova medida para estimular a geração de empregos.
Como ministro do governo Lula, Haddad é acusado de não reduzir despesas para alcançar a meta de déficit zero em 2024, tão cobrada pelo mercado. No anúncio desta quinta-feira (28), fez um esforço para mostrar que está, sim, cortando gastos: os tributários, representados por renúncia fiscal. Ao justificar a medida, o petista usou um discurso muito semelhante ao disseminado pelo liberal por Milton Friedman, segundo o qual "não há almoço grátis":
— Se um setor não vai pagar tal coisa, outra pessoa vai pagar. Toda renúncia precisa ser acompanhada de uma compensação. Quando se falava em R$ 1 bilhão na Esplanada, era algo extraordinário. Hoje, se fala de R$ 10 bilhões, R$ 20 bilhões. Será que o Brasil enriqueceu tanto? É preciso voltar à disciplina, ver quanto custa, se está funcionando. De uns anos para cá, perdemos um pouco essa prática. Largamos mão de fazer conta. Os Estados perderam R$ 80 bilhões por leis complementares do Bolsonaro que produziram uma inflação artificialmente baixa em 2022. Deram presente com chapéu alheio, e nós é que tivemos de pagar a conta.
Haddad afirmou que "não há economista" que discorde dessa posição. De fato, como a coluna já relatou, há crescente questionamento com as políticas de incentivos fiscais que reduzem a arrecadação, tornando mais desafiador o equilíbrio do orçamento. A desoneração da folha de pagamento foi adotada no governo Dilma Rousseff e, como lembrou o ministro, deveria ser temporária, para estimular a geração de vagas de trabalho. Acabou se estendendo e, conforme Haddad, o nível de emprego nesses setores hoje é inferior ao da época. O ministro sustentou que a medida não foi um erro na origem, mas se tornou ao não ser revisto:
— Sempre que se favorece um setor que não traz benefício social, está prejudicando toda a sociedade. É difícil encontrar um economista sério que defenda esse tipo de privilégio. Não tenho nada contra tentar, pode tentar e errar. O erro está em não reconhecer que precisa rever se as decisões tomadas não produziram os melhores efeitos.
Também insistiu que as medidas apresentadas agora não se destinam a "abrir espaço" no orçamento para mais despesas - os mesmos economistas que ele cita costumam criticar a visão "gasto é vida" de parte do PT:
— As medidas só repõe o que não vai se confirmar, para manter o orçamento equilibrado, repondo novas renúncias não previstas no orçamento de 2024, para manter os objetivos do marco fiscal (leia-se o famoso déficit zero).
As novas medidas de Haddad
- Limite anual de 30% para compensações no pagamento de impostos decorrente da aprovação da exclusão do ICMS do valor sobre o qual incidiu a arrecadação de PIS/Cofins.
- Redução no prazo de cinco anos de isenção de tributos para o setor de eventos, que havia informado renúncia tributária de R$ 4 bilhões ao ano mas somou R$ 16 bilhões em 2023. Reoneração será gradual: alguns impostos voltam a ser cobrados em 2024, outros em 2025. O ministro não esclareceu quais.
- Reoneração parcial da folha de pagamento para os 17 setores que podem trocar o pagamento de imposto para sustentação da previdência de 20% do valor dos salários por até 4,5% da receita bruta.
O que é déficit zero e por que é importante
A meta de déficit zero adotada pelo Brasil é um compromisso relacionado ao chamado "resultado primário", Isso quer dizer que o governo não vai gastar mais do que arrecada, sem considerar as despesas com a dívida pública. Significa que, ao não comprometer recursos que não tem (o que significa, na prática, gastar mais do que arrecada), não vai aumentar a dívida do Brasil. Ter déficit zero representa disposição de não elevar o já pesado endividamento público. Quanto maior a dívida, maior seu custo, o que dificulta a redução do juro.