Em março, durante o lançamento do arcabouço, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, enfatizou que iria “caçar os jabutis tributários” para obter ganhos de arrecadação e, assim, cobrir a flexibilização da nova norma fiscal do Brasil. Um deles esteve na mira da Câmara dos Deputados, ao longo desta quarta-feira (4), mas após reunião com lideranças no final da tarde acabou adiado para a próxima semana pelo presidente da Casa Arthur Lira. Trata-se dos chamados fundos offshore, ou seja, aqueles com investimentos e lucros fora do país.
De um lado, o governo Federal quer encontrar receitas de R$ 20 bilhões – hoje inexistentes – até 2026. Para isso, apresentou via medida provisória, incorporada mais tarde no Projeto de Lei (PL) 4.173/23, algumas alterações nas regras e no momento em que ocorrerá a incidência do imposto sobre os valores, estimados em R$ 1 trilhão nesse tipo de estrutura de investimentos montada em outros países e paraísos fiscais (com baixa ou nenhuma incidência de imposto).
No outro, investidores da chamada "indústria de fundos" brasileira – a quarta maior do mundo, conforme a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Iosco na sigla em inglês), com 36 milhões de cotistas e ativos de R$ 8 trilhões – contestam e expõem argumentos contrários à proposta.
Em síntese, o que está sob a mesa é a tentativa de taxar anualmente, de acordo com lucro contábil, os valores de pessoas com domicílio fiscal no país com aplicações no Exterior. Hoje, isso acontece somente quando esses valores são sacados dos fundos abertos no exterior.
Significa que, de acordo com as regras vigentes, se uma quantia ficar por 10 anos sem ser sacada das contas no exterior, esse dinheiro (estoque) deixará de gerar tributos por uma década no Brasil e só será taxado quando o investimento for integralizado.
Em contrapartida, um dos argumentos pró-manutenção do atual modelo é que o fato gerador do tributo ocorre quando o valor investido lá fora volta ao país (integralização).
Alteração pode gerar passivo, mas não acabar com a modalidade
CEO e fundador da Privatto Multi Family Office, Eduardo Tellechea Cairoli, percebe apreensão dos investidores e comenta que, na prática, hoje há o fato gerador do tributo no momento em que o dinheiro aplicado fora se transformar em investimento no exterior e for integralizado no Brasil.
Com a mudança, acrescenta, o governo apura o ganho contábil e aplica o imposto, o que torna o processo complexo e pode gerar, segundo ele, mais uma “anomalia tributária entre tantas já existentes” no sistema tributário.
— Isso também fere um princípio, porque quando se cria uma estrutura se faz com base em regras e legislações que podem ser alteradas retroativamente, deveriam valer apenas para o futuro. Caso isso não ocorra, a União pode estar criando um passivo de ações judiciais —antevê.
Bruno Castro, advogado que atua na Allshore, especializada na abertura e manutenção de empresas de investimento no Exterior, principalmente, nos Estados Unidos e em paraísos fiscais, identifica a necessidade de reformular algumas estratégias de clientes e riscos para que o governo atinja as cifras pretendidas com a medida.
Isso porque, percebe um incentivo para que haja a mudança em definitivo do domicílio fiscal por parte dos investidores que atualmente mantém contas offshore. Ainda assim, não crê que a aprovação da Lei possa ser encarada como o fim dessa modalidade de investimentos.
— Não estamos falando de cenário catastrófico. A regra não inviabiliza o investimento no Exterior, mas ele deverá ser ratificado dentro de cada estrutura escolhida. Não acredito que teremos repatriação de todo o dinheiro, mas o que pode acontecer é uma manutenção dos investimentos sem que o governo amplie a arrecadação da maneira que gostaria — pontua.
O que está em debate
Pelas regras atuais, os lucros obtidos com ganhos em aplicações no exterior só são tributados quando distribuídos no brasil ou pagos dividendos para os cotistas com domicílio fiscal no país, explica Dalton Dallazen, advogado tributarista, que atua com direito e tributação internacional.
O que prevê o PL 4.173/23
De acordo com o texto, a cada ano esse lucro deverá ser tributado mesmo que não tenha sido distribuído no país. Significa que se permanecer aplicado, não terá mais o diferimento tributário que é um dos atrativos para a constituição desse tipo de estrutura em outros países, afirma Dallazen.
Como ficam as alíquotas
Hoje, paga-se um imposto que pode chegar 27,5%, mas aplica-se a taxação somente no momento da distribuição dos lucros. Com base no texto, alerta Dallazen, a alíquota será de 22,5% para todos os lucros no exterior superiores a R$ 50 mil e cobrada com base no lucro contábil anual, a partir de janeiro de 2024.
Quais os atrativos de um fundo offshore
Os investimentos realizados fora do país de domicílio fiscal se beneficiam com o diferimento do pagamento de impostos, o sigilo da identidade de seus proprietários e permitem acesso aos mercados internacionais.
Por que o assunto é polêmico
Por muitos desses fundos offshore estarem em "paraísos fiscais", ou seja, aqueles em que o imposto é reduzido ou há isenção, esse tipo de estrutura tende a gerar entendimento negativo por facilitarem a lavagem de dinheiro para atividades ilegais e criminosas, em uma série de casos do escândalo conhecido como Panama Papers, um esquema de ocultação de dinheiro que envolve políticos, empresários e terrorista divulgado em 2016.