Entra em vigor nesta segunda-feira (2) o novo marco regulatório dos fundos de investimento no Brasil. A pretensão da Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, também responsável pela regulação desse mercado) é abrir oportunidades, diz Lúcio Feijó Lopes, sócio-fundador do escritório de advocacia empresarial que leva seu nome. E também embute riscos, para os quais é preciso estar atento.
No Brasil, a chamada "indústria de fundos" é a quarta maior do mundo, conforme a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Iosco na sigla em inglês): são 29,9 mil fundos, mais de 36 milhões de cotistas e ativos de R$ 8 trilhões.
Um dos principais focos da mudança é a regulação dos Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs, pronuncia-se algo como "fidics"). Como gosta de deixar tudo bem claro, a coluna já avisa: trata-se de investimento em dívida. Como assim? É uma modalidade que cresceu muito nos últimos anos, especialmente na época em que o juro básico andou em níveis historicamente baixos no Brasil.
Até agora, fundos com esse tipo de "ativos" (entre aspas porque, de certo ponto de vista, são "passivos") só podiam ter como cotistas investidores profissionais ou qualificados. Agora, podem ser vendidos no varejo, ou seja, para qualquer pessoa com recursos e apetite para esse tipo de investimento.
A coluna lembrou das perdas que sofreram os "compradores de dívida" de uma empresa que até a véspera do "evento" tinha ótima avaliação de risco - sim, é uma menção às debêntures das Americanas. Mas, segundo Feijó, os Fdics liberados para o varejo são apenas os que oferecem "recebíveis performados", ou seja, em tese que já estariam garantidos.
— São os decorrentes de compras e vendas entre empresas e alguns tipos de precatórios federais. Essa indústria cresceu 108% de 2020 até agora. Conforme dados da Anbima até agosto, havia 2,4 mil Fdics no Brasi, que somavam R$ 375 bilhões. A regulação anterior era de 2001, ou seja, tinha 22 anos. A CVM analisou e decidiu abrir, mas de maneira limitada, com regras e travas — detalha Feijó.
Um dos motivos, explicita, é que os Fdics têm benefício fiscal: enquanto o fundo está comprando e vendendo títulos e não distribui ganhos, não é tributado. Ou seja, escapa do come-cotas, mecanismo que cobra impostos antecipadamente da maioria dos cotistas de fundos. Além disso, o especialista em Direito que também virou expert em finanças aponta uma vantagem macroeconômica:
— Quando as instituições vendem dívida, liberam a carteira e conseguem dar mais crédito. E disponibilidade de crédito é o que o mercados precisa para se desenvolver. Também ajuda a pulverizar o risco, porque seria pior manter toda a dívida concentrada nas instituições financeiras. Isso mantém o sistema solvente, líquido.
É fato, mas tanto a coluna quanto Feijó advertem: para investir sem grandes perdas, é essencial ter mínima educação financeira mínima. Se não for assim, o risco é "investir em cripto" e acabar pagando o prejuízo de mais um esquema fraudulento de pirâmide financeira.
As grandes mudanças gerais
1. Responsabilidade do investidor: as regras deixam claro que os cotistas de varejo só respondem por perdas no fundo até o valor de seu aporte. A responsabilidade ilimitada, que significa que o investidor pode arcar com prejuízos para além da fatia que tinha no fundo só vale para os superqualificados, que têm condições de avaliar o risco. Além da caracterização do investidor, a responsabilização também vai depender do tipo de fundo. Nos de altíssimo risco, como os formados por derivativos - como opções de ações -, caso haja perdas os investidores poderão ser chamados a cobrir com recursos acima dos aportados.
2. Fundo socioambiental: se um produto se identifica com práticas sociais e ambientais, terá de cumprir critérios e explicitar quais os benefícios esperados pelos investidores, com base em certificação. A medida reconhece o crescimento da chamada "greenfinance" no Brasil - investimentos financeiros com finalidade ambiental e age para evitar um dos mecanismos da chamada "greenwashing" - maquiagem verde, ou seja, algo que vende - mas não entrega - ações ecológicas.
3. Uso de informação privilegiada: com base na regulação americana, disciplina esse ponto especificamente para gestores e prestadores de serviços essenciais para os fundos.
4. Fundo de criptoativos: permite a criação de produtos com base em ativos virtuais, créditos de descarbonização (emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis que adotam práticas sustentáveis e reduzem as emissões de carbono em suas atividade), e créditos de carbono, desde que registrados em um sistema supervisionado por CVM ou BC.