Depois de incluir alegremente na privatização da Eletrobras uma despesa pública estimada em várias dezenas de bilhões - as estimativas da exigência de construções de térmicas no Norte e no Nordeste variaram de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões - o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acredita ter descoberto "o maior jabuti da história recente".
Seria, na versão de Lira, incluir, na medida provisória que define a fórmula de reajuste do salário mínimo, a tributação de recursos de brasileiros depositados em dólares em empresas localizadas em paraísos fiscais, nas chamadas offshores. Ou Lira está com problemas de memória, ou sua "história recente" parte deste ano, no máximo em 2022.
A tributação das offshores não era exatamente um jabuti, embora de fato legislasse sobre um aspecto não diretamente relacionado a regras de reajuste do salário mínimo. Era uma forma de ocupar o vazio deixado pela ampliação da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 2.640 - sim, quem ganha a fortuna de dois mil, seiscentos e quarenta reais já é tributado.
Então, como a "liberalização" para quem ganha pouco tem impacto na despesa pública, não equivale formalmente a um jabuti - um tema totalmente desvinculado do alvo principal da legislação - incluir uma fonte de receita que permita compensar o gasto extra. E ainda que houvesse réptil envolvido, certamente não seria "o maior da história recente".
Só mereceu essa referência porque - onde já se viu? - trata-se de uma iniciativa para taxar os muito ricos, exatamente como outra que tramita aos trancos no Congresso, a que determina que quem tem recursos de pelo menos R$ 10 milhões para aplicar em um fundo exclusivo, modalidade de investimento usada por investidores profissionais, que participam de forma ativa na definição da carteira. E não pagam "um pila" de imposto. Nada. Free. Na faixa.
É bom lembrar que, no Brasil, existe um instrumento conhecido por "come-cotas". Duas vezes ao ano, a Receita Federal cobra 20% do rendimento semestral (no final de maio e no final de novembro) dos fundos com prazo de até um ano, e 15% nos com prazo superior a 12 meses. Isso ocorre de forma automática e irrecorrível para a classe média. Investiu, ganhou uns trocados, o leão vem e "nhac", dá uma mordida bem forte.
No caso dos muito ricos, porém, a Câmara só aceita discutir o assunto se alíquota sobre os ganhos dos fundos exclusivos - também chamados de "onshore" - não passar de 6% - a intenção do governo era aplicar a mesma alíquota imposta à classe média, de 15%, com redução a 10% em caso de pagamento antecipado.
Às vésperas do Natal do ano passado, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara chegou a aprovar tributação entre 7,5% e 27,5% sobre o lucro obtido por pessoas físicas com investimentos em offshores - daquele tipo que o ex-ministro da Economia Paulo Guedes tinha no Exterior. Pelo andar da carruagem, valia só para quem acreditava em Papai Noel.