Com um sorriso no rosto, Gelson Marques deixa a agência itinerante da Serasa, que funciona em um caminhão estacionado em frente ao Mercado Público de Porto Alegre, se sentindo “uma tonelada mais leve”, conforme o próprio relata. O motivo? Ele havia renegociado a dívida que carrega, com o compromisso de quitar em nove parcelas de R$ 50 o saldo pendente em um cartão das Lojas Pernambucanas, utilizado por ele e por familiares.
— Hoje vou dormir mais tranquilo — resume, ao descrever a primeira sensação de ter o nome retirado do cadastro de negativados, após um bom tempo sem poder contar com crédito.
Próximo dali, em meio a dezenas de pessoas que aguardavam, abaixo de chuva, na fila formada desde as primeiras horas da manhã desta terça-feira (9), a jovem Samira Sager, tenta corrigir um “descuido” que começou com o atraso no pagamento de uma compra online de R$ 300 em um site chinês. Pouco tempo e muitos juros depois, a dívida, agora, soma R$ 1.700 – um acréscimo de 466%, que a estudante de Direito busca amenizar com desconto de 52%, por R$ 800, mas ainda assim bastante acima do valor contraído inicialmente.
— Usei o cartão de crédito e uma hora a conta a vem e, desta vez, veio alta — relata a garota, ao mostrar os gomos do casaco puffer que a veste e abriga da garoa, na mesma ocasião em que renegocia os valores da aquisição da peça.
Independentemente das razões, seja por esquecimento, gastos exacerbados ou necessidades, mais de 3,5 milhões de gaúchos estão inadimplentes. Os valores médios atingem a marca de R$ 5 mil e o volume em atraso, após alta de 26,3% a partir da pandemia, em 2019, totaliza R$ 17,9 bilhões.
A maior fatia (31,52%) está com os bancos, seguida pelas contas de água, luz e gás (19,52%). A cifra equivale a nada menos do que 40% da população adulta do Rio Grande do Sul e, para se ter uma ideia, supera em duas vezes a quantidade de habitantes da Capital.
— Pode parecer demais, só que no país chega a 44% dos brasileiros e nunca, na história recente do país, tantas pessoas deveram tanto — informa a especialista em Educação Financeira da Serasa, Clara Aguiar.
A profissional – que participa pelos próximos seis meses do projeto Serasa na Estrada – explica: no Brasil os índices de inadimplência acumulam recorde sobre recorde ao longo dos últimos sete anos. O cenário, acrescenta ela, foi intensificado a partir de setembro de 2021 e, em maio de 2023, elevou os níveis aos maiores patamares da série histórica, com 71,9 milhões de devedores, que acumulam atrasos de R$ 346 bilhões em todo o território nacional.
As explicações
Wendy Haddad Carraro, professora do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembra que desde a pandemia, o país convive com juro em elevação (o que encarece as operações de crédito) e inflação de dois dígitos concentrada nos itens de alimentação. Com base no cenário, atual, marcado pelo recomeço de um ciclo de reduções na taxa Selic (referência para as demais) e maior controle sobre os preços, iniciativas como o Serasa na Estrada e outros feirões destinados a retirar uma parcela da população dos cadastros negativos ganham relevância.
Não é por acaso, que o próprio governo Federal colocou em prática o Desenrola, um programa que em apenas duas semanas gerou a renegociação de R$ 2,5 bilhões em dívidas, com 400 mil contratos repactuados e 3,5 milhões de nomes limpos o que equivale a totalidade dos devedores gaúchos.
A ação teve reflexos nos demais cadastros. Dados da Serasa, por exemplo, identificam aumento de 60% na procura pela consulta associada ao Desenrola, ainda que a empresa não integre formalmente a lista de instituições parceiras. Para Wendy, trata-se de um movimento natural, uma vez que, a redução dos dados de inadimplência são o primeiro passo para reaquecer o consumo.
— Quando há contas em atraso as empresas deixam de receber e as pessoas de gastar. Por isso, todo movimento desse tipo, sobretudo, no momento em que esses números são tão impactantes, é extremamente bem-vindo para reativar a economia — traduz a professora.
O perfil da inadimplência
- No Rio Grande do Sul, os maiores devedores têm entre 41 e 60 anos (34,1%)
- Em seguida se destaca a população entre 26 e 40 anos (32,7%).
- Os jovens de até 25 anos equivalem a 12% dos devedores do Estado.
- Mais de 3,5 milhões de gaúchos estão inadimplentes
- As dívidas somam R$ 17,9 bilhões e, em média, cada devedor gaúcho acumula R$ 5 mil em débitos
- A maior parte das dívidas do Estado está concentrada em bancos/cartões (31,52%) e água, luz e gás (19,95%)
Dicas para evitar o endividamento
- Ter a noção exata das receitas (o que entra) e as despesas (o que sai) todos os meses
- Estabelecer um controle financeiro em agendas ou aplicativos
- Elencar o que são os gastos fixos mensais (água, luz, telefone) e os variáveis
- Na medida do possível, criar uma reserva de emergência para evitar entrar no endividamento
- Não emprestar o nome para familiares e amigos, pois essa tem sido uma das causas recorrentes da inadimplência
O que você precisa saber sobre o Serasa na Estrada
- Serasa é uma empresa privada que se consolidou como referência em análises e informações para decisões de crédito. Em outras palavras, é uma agência de crédito que reúne dados enviados por lojas, bancos e instituições financeiras, que moldam os cadastros negativos.
- O caminhão permanece na Capital gaúcha até sábado, 12 de agosto, no Largo Glênio Peres, com atendimentos diários das 8h às 17h nos dias de semana e das 8h às 13h no sábado. De lá, partirá para Florianópolis, percorrerá 22 cidades por 6 meses e a última parada será Manaus (AM).
- No local, ao informar o CPF as pessoas tomam conhecimento das contas em atraso que geram restrições a tomada de crédito e podem estabelecer renegociações com descontos e parcelamentos especiais oferecidos por mais de 500 empresas parceiras.