O programa do governo federal anunciado para baratear veículos e reanimar as vendas do segmento no país foi recebido com ressalvas por entidades e especialistas do setor. A principal delas é o ponto “paliativo” da medida. Preocupa a possibilidade de os recursos se esgotarem muito antes do prazo máximo de quatro meses estipulado, fazendo com que o programa tenha efeito apenas compensatório sobre a baixa nas vendas observada nos últimos meses.
Do R$ 1,5 bilhão em descontos concedido ao programa, R$ 500 milhões são reservados para carros. Para o presidente do Sincodiv-RS e diretor regional da Fenabrave, Paulo Ricardo Siqueira, a limitação leva à estimativa de que o recurso se esgote em cerca de três semanas.
A projeção do dirigente leva em conta um valor médio de desconto para automóveis e comerciais leves (que pode variar de R$ 2 mil a R$ 8 mil) e a média mensal de vendas no país, de cerca de 160 mil carros. Nesta projeção, o programa seria suficiente para a venda de 100 mil veículos, apenas.
— Especialmente para carros de passeio e comerciais leves, as medidas podem trazer alguma dúvida em relação aos resultados que são projetados. Se considerarmos o limite de crédito de R$ 500 milhões associado a um bônus médio de R$ 5 mil, a alavancagem de vendas pode ser frustrada — avalia Siqueira.
Além disso, segundo o dirigente, embora a gama de veículos que se enquadra no programa seja ampla, a limitação antecipa uma corrida, “quase uma gincana entre as montadoras por esse crédito”, antevê Siqueira.
Outros critérios do programa foram detalhados com a publicação de uma medida provisória (MP) nesta terça-feira (6). Conforme a MP, o desconto para carros populares será concedido por um esquema de pontos somado a partir de quatro critérios: fonte de energia, consumo energético, preço e densidade produtiva.
Para que um carro tenha o desconto máximo de R$ 8 mil, é necessário atingir, pelo menos, 90 pontos. Já para a faixa mínima, de R$ 2 mil, a pontuação deve ficar abaixo de 69.
Pelo menos 70% dos modelos comercializados hoje no Brasil se enquadram nos critérios estabelecidos, segundo estima o economista e consultor do setor automotivo Raphael Galante. Embora abrangente em termos de oferta, o entendimento sobre quais modelos se encaixam no programa não é de entendimento simples por parte do consumidor e depende de informações que só podem ser detalhadas pelas montadoras, como a origem das peças, por exemplo.
No critério de preço, o presidente do Sincodiv-RS cita que, dos 20 modelos mais vendidos no país, apenas seis atendem ao valor de ponta de entrada, o que abrange cerca de 30% desse total. Como os limites do programa vão até R$ 120 mil, a ampliação do leque pode chegar a 50%. Já no quesito eficiência energética, Siqueira diz que 80% dos carros novos que circulam atualmente no país são flex (combinam etanol e gasolina), atendendo a um dos itens de sustentabilidade do programa.
Disputa por descontos
Outro ponto do programa que mira atenção do setor se refere ao público que pode se beneficiar das medidas. Para o sindicato que representa concessionárias e distribuidoras no RS, a tendência é de que haja forte disputa entre locadoras (que compram em grandes quantidades) e consumidores finais. Isso tornaria o desconto ainda mais distante do bolso dos usuários comuns.
Para o Sincodiv-RS, o benefício deveria ser direcionado para pessoas físicas, considerando que 50% das vendas são para esse público, ou, em média, 80 mil unidades.
— Já que o objetivo claro é movimentar o mercado, mas em benefício da população consumidora de automóveis no Brasil, talvez fosse mais adequado direcionar esse crédito exclusivamente para pessoas físicas ou, ainda, ampliar o prazo (de 15 dias a partir do decreto para vendas exclusivas a este público). Porque, até que isso se torne mais operacional, que todas as regras tenham sido definidas, é capaz que esse tempo se torne pequeno — diz Siqueira.
Demanda pode acelerar corrida
A demora no anúncio oficial do programa, cuja prévia havia sido indicada em evento no fim de maio pelo vice-presidente e ministro Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, travou a comercialização de carros no país nas últimas semanas. A expectativa pelas medidas que viriam no pacote fez com que entre 25 mil e 30 mil vendas fossem adiadas.
A demanda represada também deve acelerar a corrida pelos descontos.
— Houve um volume muito grande de pessoas que cancelaram a compra no final do mês passado para poder comprar com benefício. Se imaginamos uns 100 mil veículos para o pacote, um quarto disso já vai para uma demanda reprimida — diz o economista e consultor Raphael Galante.
Conforme Paulo Siqueira, a demora na divulgação fez reverter a expectativa que o mercado tinha para as vendas no mês de maio, que esperava crescimento de 8% sobre maio do ano passado. A invertida levou a uma queda de 5% no comparativo anual.