A derrubada de mais uma das decisões liminares que impediam a assinatura da venda da Corsan, na quarta-feira (17), simplificou o caminho para concretizar a privatização da companhia, mas restam pelo menos três obstáculos legais a serem enfrentados pelo governo do RS e pela empresa vencedora da licitação, a Aegea.
A principal pendência, na avaliação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), é a medida cautelar do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que mantém suspensa a assinatura da venda da companhia enquanto se analisam temas como a adequação do preço mínimo de R$ 4,1 bilhões exigido no negócio. Há ainda decisões envolvendo a Justiça do Trabalho, que também barrou temporariamente a desestatização e promove reuniões de conciliação com representantes dos funcionários. Por fim, mesmo depois de eventualmente assinada a venda, deverá ser julgado o mérito da ação cuja liminar foi revertida nesta semana.
A oferta da Corsan teve um percurso atribulado desde março de 2021, quando o governo gaúcho anunciou a intenção de vender o controle da empresa e manter 30% das ações. Após pedidos de correção na modelagem econômico-financeira por parte do TCE e questionamentos legais, o Piratini optou por oferecer integralmente a companhia a um investidor privado. O leilão realizado em dezembro do ano passado também chegou a ser alvo de decisões provisórias determinando adiamento, mas ocorreu na data prevista.
Depois disso, duas liminares concedidas na Justiça comum impediam o acordo entre governo e Aegea: em março, foi derrubada cautelar de uma ação envolvendo a suposta necessidade de o Estado ter um órgão de saneamento básico. Nesta semana, caiu a medida relacionada a questionamentos sobre o valor pelo qual a companhia foi negociada. Advogado da parte autora nessa ação popular que contestou as condições da privatização, Manoel Neuberth Trindade afirma que espera a publicação do acórdão (com a íntegra dos votos dos magistrados) para avaliar se recorre ao Superior Tribunal de Justiça.
Já o foco do governo estadual, agora, é reverter a suspensão determinada pelo TCE. O procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, acredita em uma solução "em breve" baseado no fato de que um parecer técnico recente do próprio tribunal defendeu que a cautelar fosse revista. O texto sustenta que "a procrastinação da conclusão do processo de acompanhamento da desestatização é contra o interesse público e contra a preservação do meio ambiente, haja vista o atraso nas obras de esgotamento sanitário causado pela incerteza quanto ao futuro da Companhia".
— Ainda temos que enfrentar alguns pontos, como a medida cautelar no TCE. Mas, como o Tribunal de Justiça se baseou em uma análise da auditoria técnica do próprio TCE (na recente anulação da liminar), imaginamos que a relatora (da ação no TCE) vá na mesma linha — argumenta Costa.
Trindade observa que, em sentido oposto, o Ministério Público de Contas emitiu parecer apontando "inconsistências" na venda da Corsan.
— Não somos contrários à privatização, mas precisa ser bem feita — argumenta Trindade.
O advogado sustenta que a avaliação de R$ 4,1 bilhões teria levado em consideração valores de 2021, enquanto o leilão foi realizado no final do ano seguinte, além de ter desconsiderado um reajuste tarifário que ocorreu nesse intervalo e investimentos que seguiram sendo feitos pela empresa – o que diminuiria o montante de melhorias a serem realizadas pelo comprador e, consequentemente, aumentaria o preço da Corsan. A PGE argumenta que os estudos realizados para nortear o negócio já levavam em conta que o leilão seria realizado em um intervalo de tempo razoavelmente longo e consideraram essas variáveis.
Ação envolvendo a Corsan também corre na Justiça do Trabalho
Outro ponto no caminho da privatização da Corsan é uma ação na Justiça do Trabalho questionando como ficam questões sociais e previdenciárias se for concretizada a negociação com a Aegea. Uma liminar do Tribunal Superior do Trabalho (TST) também suspendeu a assinatura que formalizaria a negociação até seja julgada a "solução final da ação civil pública" a respeito desses temas. Enquanto isso, estão sendo feitas audiências de conciliação com representantes de funcionários da companhia – mais uma delas está prevista para ocorrer nesta sexta-feira (19).
O procurador-geral do Estado afirma que o entendimento jurídico atual da PGE é de que a decisão cautelar não teria mais validade. A assessoria de comunicação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), porém, informou que a medida suspensiva segue em vigor e com prazo em aberto para manifestação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua/RS) – uma das partes do processo. A divergência deverá ser discutida em um segundo momento, segundo a PGE.
— Em relação à Justiça do Trabalho, vamos nos debruçar sobre esse tema em momento adequado. Por agora, entendemos que a posição vigente não impediria a assinatura (da venda em favor da Aegea) — afirma Costa.
Uma terceira etapa a ser enfrentada no percurso da desestatização é o julgamento do mérito envolvendo o processo que questiona as condições de privatização da companhia, como a avaliação de seu valor. Na opinião do advogado dos proponentes da ação, Manoel Neuberth Trindade, se houver uma decisão final contrária à forma como a negociação foi feita, a Aegea (que passou a ser considerada ré) poderia ter de ressarcir valores aos cofres públicos caso se entenda que a venda ocorreu por preço abaixo do que deveria, ou até mesmo o negócio poderia ser anulado.
A PGE acredita que o julgamento do mérito irá confirmar as últimas decisões na esfera judicial sobre o caso:
— O histórico recente das decisões judiciais é favorável (à negociação feita entre Estado e investidor), e o significado dessa última, que derrubou a liminar que suspendia a assinatura do contrato de venda, é mais um indicativo — diz o procurador-geral.
Costa acredita que a formalização do acordo deve sair em pouco tempo, mas não prevê uma data específica.