O projeto de lei complementar da nova regra fiscal que deve substituir o teto de gastos foi foi entregue ao Congresso no começo da noite desta terça-feira (18). O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniram com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para protocolar a matéria. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por problemas na agenda, não conseguiu comparecer. Ele foi representado por 1° vice-presidente da Casa, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
Haddad disse que a mudança vai trazer equilíbrio às contas públicas:
— É uma mudança de regra que, na minha opinião, vem para melhorar a gestão pública. Nós temos, além da regra em si, um conjunto de medidas para garantir o equilíbrio fiscal o ano que vem, e depois a reforma tributária que vem garantir a sustentabilidade de longo prazo da base fiscal do Estado brasileiro — disse o ministro.
Além disso, Haddad diz que com a proposta, pretende rever R$ 600 bilhões de renúncia fiscal no orçamento federal.
— Estamos querendo rever um quarto dessa renúncia para garantir a sustentabilidade fiscal deste país. Cada renúncia fiscal indevida, é uma pessoa passando fome, sem médico — afirmou Haddad.
O sistema que deve substituir o teto de gastos, implementado em 2017 e que limitava o crescimento das despesas à inflação oficial, tem como principal referência o resultado da arrecadação. Se aprovado o projeto, a alta dos gastos no ano será restrita a 70% do crescimento da receita nos 12 meses anteriores. Com as despesas crescendo sempre menos que a arrecadação, o governo federal prevê alcançar superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025.
Lira disse, após receber do governo a nova regra fiscal, que quer o texto votado na Casa até o dia 10 de maio.
— Nós temos um compromisso e um desafio muito grande de discutir uma reforma tributária no primeiro semestre e é importante que nós tenhamos o arcabouço com todas as suas condicionantes discutidas e votadas antes da reforma tributária. Portanto, a gente tem prazo. Se nós pudermos cumprir o prazo de até 10 de maio na Câmara, eu acho que atende bem — afirmou Lira.
O presidente da Câmara avisou que o relator do projeto deverá ser anunciado na tarde desta quarta-feira (19).
A ausência de Pacheco se deu por conta de um compromisso do senador em Londres. O parlamentar participará do evento Lide - Grupo de Líderes Empresariais e ficará fora do País até o final da semana. Até lá, Veneziano estará como presidente em exercício. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também está previsto no evento.
Houve um desencontro de agenda desde o início desta manhã, quando era esperada a entrega do arcabouço fiscal ao Congresso. Pacheco participou de um evento no Palácio do Planalto com Lula, quando também era esperado Lira. Contudo, por conta de um atraso no voo a Brasília, o deputado não chegou a tempo, o que fez com que o horário de entrega do arcabouço fiscal ao Legislativo fosse adiado inúmeras vezes.
Entenda o passo a passo
1 – Apresentação
Um projeto de lei complementar (PLC) pode ser apresentado por qualquer deputado ou senador, comissão da Câmara ou do Senado, pelo presidente da República, pelo procurador-geral da República, pelo Supremo Tribunal Federal, por tribunais superiores e cidadãos. Esse tipo de projeto estipula regras para cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, em temas especificados pela Constituição Federal.
2 – Entrada
Via de regra, a tramitação começa pela Câmara. A exceção é para os PLCs apresentados por senadores. O Senado funciona como a Casa revisora para os projetos iniciados na Câmara e vice-versa. Se o projeto da Câmara for alterado no Senado, volta para a Câmara. Da mesma forma, se for alterado pelos deputados, volta ao Senado. Ou seja, a Casa onde o projeto se iniciou tem a palavra final sobre seu conteúdo, podendo aceitar ou não as alterações feitas na outra Casa.
3 – Comissões
Após protocolados, os projetos são distribuídos nas comissões temáticas. Além das que avaliam o mérito, existem duas que podem analisar outros aspectos, a de Finanças e de tributação (análise de adequação financeira e orçamentária) e de Constituição e Justiça (análise de constitucionalidade). Só então o PLC estará habilitado a ser votado em Plenário.
4 – Comissão especial
Os projetos que tratarem de assuntos relativos a mais de três comissões de mérito são enviadas para uma comissão especial criada especificamente para analisá-los. Essa comissão substitui todas as outras e dará o parecer final para que a proposta vá à Plenário.
5 – Urgência
O projeto de lei complementar pode tramitar em regime de urgência se o Plenário aprovar requerimento com esse fim. Geralmente, a urgência depende de acordo de líderes, o que permite que seja votado rapidamente no Plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. Os relatores da proposta nas comissões dão parecer oral durante a sessão, permitindo a votação imediata.
6 – Presidência
O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem de ser votada em 45 dias ou passará a bloquear a pauta da Câmara ou do Senado (onde estiver no momento).
7 – Aprovação
Os projetos de lei complementar exigem quórum diferenciado para a sua aprovação, que é, no mínimo, a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 votos dos 513 deputados federais. No Senado são necessários 41 dos 81 senadores com cadeira na Casa.
8 – Sanção e veto
Quando aprovados no Congresso, os PLCs são enviados ao presidente da República, que terá prazo fixado em 15 dias úteis para a sanção ou veto. Os vetos, que podem ser totais ou parciais, têm de retornar ao Congresso para serem votados. Para rejeitar um veto, também é preciso o voto da maioria absoluta dos deputados (257) e dos senadores (41).
Como é e como ficaria com a proposta aprovada
O que diz a proposta de nova regra fiscal
- A elevação das despesas (gastos) do governo fica condicionada ao equivalente a 70% de crescimento das receitas (arrecadação) consolidada no ano anterior;
- Na prática, permite que o governo possa elevar gastos setoriais se tiver capacidade de elevar a arrecadação e potencializar os recursos para os serviços públicos e programas sociais;
- A regra permite, mas estipula um teto em 2,5% do crescimento do PIB, que o governo reforce o orçamento de setores específicos em momento macroeconômicos considerados favoráveis;
- Tem como meta zerar o déficit fiscal já em 2024, diminuir os encargos com a dívida pública e gerar superávit primário (resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros) de 0,5% PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026;
- Prevê que nos momentos de baixa atividade econômica haja um crescimento orgânico das despesas, assim como, caso ocorra o descumprimento das metas (entre 0,6% e 0,25% do PIB), as despesas possam ser elevadas em 50% da margem das receitas no primeiro ano e 30% no segundo;
- Prevê um pequeno crescimento da dívida pública bruta até 2025 e a estabilização, em 2026, em 76,54% do PIB. Essas projeções, no entanto, ocorrem no cenário em que o resultado primário fique no centro dos limites previstos para as bandas, pois caso o governo economize menos do que o esperado, a dívida aumentará de 74,11% do PIB em 2023 para até 77,34% em 2026;
- O foco do mecanismo fiscal está no nível das receitas para controlar o aumento de gastos.
Como era o teto de gastos
- O limite para a elevação dos gastos públicos setoriais era o avanço da inflação (medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA) no ano anterior;
- Na prática, o teto congelaria os gastos públicos por, pelo menos, 10 anos, já que as despesas só poderiam seguir o fluxo de altas da própria inflação;
- A regra determinava que, mesmo em situações macroeconômicas favoráveis, ou seja, com crescimento exponencial do PIB, o governo teria o orçamento limitado;
- A meta do teto era conter a expansão de gastos primários para preservar as contas públicas e, em última instância, garantir ao Estado a sua capacidade financeira para arcar com os serviços sociais;
- Impedia que nos momentos de baixa atividade fossem realizadas ampliações das despesas públicas, inclusive as que eventualmente fossem necessárias de maneira orgânica, caso, por exemplo, de reposições salariais ou investimentos em infraestrutura;
- O foco daquele mecanismo fiscal estava no nível das despesas, independentemente das receitas.