Quase quatro meses após o início do terceiro mandato presidencial de Lula, foi apresentado ao país o esboço do que pretende o atual governo na condução da política fiscal, ou seja, para controlar gastos, potencializar a arrecadação e reduzir a dívida pública e seus encargos. A nova regra fiscal foi revelada na manhã desta quinta-feira (30) e tem como principal característica o foco prioritário na elevação das receitas para que seja possível abrir margem de investimentos e custeio dos serviços públicos e sociais.
Crítico do teto de gastos, por ocasião de sua implantação, em 2017, Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) percebe condições mais “realistas” no novo modelo. Segundo ele, a principal correção de rumo está em permitir que o orçamento público tenha espaço para acompanhar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o que era vedado pela antiga regra.
— Evita o engessamento e trabalha com metas e na margem, traz um fator bem mais realista para a política fiscal — sintetiza.
Por outro lado, o professor da UFRGS aponta que os parâmetros a serem adotados significam que o governo federal aposta “todas as suas fichas” na evolução da reforma tributária, atualmente em tramitação no Congresso. Ele explica ao indicar que as receitas públicas dependem da consolidação de um novo fluxo que só seria viabilizado por uma revisão do sistema de arrecadação:
— É uma proposta arrojada, e não é pouca coisa a pretensão de zerar déficit em 2024. Se conseguir sair do buraco atual para zero será uma façanha que, mais uma vez, dependeria da reforma.
O economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin concorda que, a partir do novo marco, a reforma ganha maior relevância. E faz um alerta: o problema pode residir em contratar despesas fixas, ainda que amparadas pelo crescimento do PIB e da arrecadação, e ter de sustentá-las nos períodos de retração.
Ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartsman comenta que ainda faltam detalhes a serem elucidados, mas que ao vincular o nível de despesas a uma fração das receitas, esse marco fiscal corre alguns riscos. Um deles seria o de não alcançar os chamados mecanismos anticíclicos (mais gastos para contornara os ciclos de baixa atividade e formação de reservas nos momentos de crescimento econômico para investir em cenários adversos).
Para Schwartsman, caso as receitas não sejam elevadas, como o pretendido, arcar com despesas fixas e que tendem a ter certo crescimento orgânico anual traria um efeito oposto ao desejado.
— O problema é projetar gastos obrigatório em ambiente de baixa arrecadação, vai ter que contrair pra caramba a despesa discricionária. Esse movimento representaria um engessamento igual ou maior do que no teto de gastos — analisa.
Por essa razão, o ex-diretor do BC, especula que sem mexer em PIS e Cofins – como já feito em outras oportunidades por serem cobranças exclusivas da União e não repartidas com os demais entes da federação – a tentativa seria potencializar os recursos originados no imposto de renda (IR). Em contrapartida, ele argumenta que para cada R$ 10 arrecadados nas pessoas física ou jurídicas R$ 5 ficam com o fundo de repartição com Estados e Municípios.
— E a reforma tributária não traria efeitos imediatos. O Bernard Appy (secretário Extraordinário da reforma) deu a pista e, se aprová-la em 2023, as leis complementares só virão no outro ano, com vigência em 2025.
Horizonte sem aumento na carga tributária
Quando o tema arrecadação toma o centro das atenções, a tradução imediata costuma ser aumento de impostos. Por essa razão, o ministro da Fazenda Fernando Haddad tratou de apaziguar os ânimos:
— Se por elevação da carga tributária se pensa em aumentar alíquotas ou criar novos tributos, isso não está no nosso radar. Mas citando a frase do presidente Lula, vamos incluir os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda. Temos uma lista de setores que possuem benefícios e vamos cobrar essa batalha contra o que pode se chamar de paternalismo brasileiro.
Haddad completou o raciocínio ao citar a tentativa de taxação das apostas esportivas no Congresso, o que por si só não teria efeito sobre a arrecadação. Por outro lado, já corre à boca de economistas consultados por GZH alguns segmentos que poderiam ser taxados (como de bebidas e cigarros), que gozam de benefícios fiscais (alguns setores industriais), carecem de regulamentação (caso da energia utilizada nos pontos de recarga de veículos elétricos) ou contam com subsídios: o agronegócio, que, neste caso, além de ter influência direta para as receitas e o PIB nacional traria na esteira um custo político bastante alto ao atual governo no momento.
Saiba mais sobre a nova regra
- Sempre que arrecadar mais do que gasta, gerando o que se chama de superávit, o governo usará 70% do montante extra no orçamento e o restante para amortizar a dívida pública federal.
- O governo deverá fixar metas para o resultado primário (diferença entre as receitas e as despesas, excetuando gastos com pagamento de juros).
- O percentual a ser perseguido em cada ano, até 2026, adotará o chamado regime de banda, ou seja, com intervalos percentuais de flexibilidade, como ocorre com as metas de inflação.
- No caso do novo marco, o intervalo previsto para 2023, por exemplo, para o déficit primário fica entre 0,25% e 0,75% do PIB, com o centro da meta estipulado em 0,5%.
- Para 2024, o objetivo é será zerar o déficit, com a previsão de intervalo entre um déficit (resultado negativo) equivalente a 0,25% do PIB ou superávit (resultado positivo) de 0,25%.
- Se cumprir as metas, abre-se a possibilidade de elevar despesas, ou seja, atingir a meta primária significa autorização para ampliar despesas no equivalente a 70% da alta das receitas.
- Na prática, de cada R$ 1 bilhão a mais arrecadado no exercício vigente, o governo poderá incluir R$ 700 milhões a mais nas despesas orçamentárias do ano seguinte.