O aumento da inflação no grupo dos alimentos e bebidas foi maior do que a alta verificada no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no Brasil nos últimos 12 meses, encerrados em fevereiro. Nesse período, os produtos alimentícios subiram 11,10% na região metropolitana de Porto Alegre e 9,84% no país, enquanto o avanço geral da inflação por aqui ficou em 4,74% e no país em 5,60%.
Comer em restaurantes nem sempre é uma escolha, mas, de acordo com IPCA, essa rotina pode ter ajudado a aliviar a pressão no bolso de quem, seja por vontade ou por conveniência, mantém esse hábito durante a semana. É que a inflação da alimentação fora do lar avançou 8,04% em 12 meses no país, enquanto a variação da alimentação no próprio domicílio bateu em 10,51%.
Entre as 10 localidades avaliadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na composição do indicador, a Região Metropolitana registrou o menor avanço no mês passado (0,03%, ante 0,5% no Brasil). Agora, acumula variação de 6,81%, entre fevereiro de 2022 e 2023. Já os que preparam refeições na residência enfrentam avanço de 12,68%.
No entanto, essa tendência pode estar com os dias contados e o horizonte próximo já aponta para possibilidade de reversão no quadro. Isso acontece porque boa parte dessa menor escalada verificada até aqui ainda está relacionada com a opção dos proprietários em segurar a integralidade dos repasses de custos aos consumidores, mesmo que, no final do dia, signifique derrubar a margem de lucro aos “mínimos patamares suportáveis”.
— Ou ajusta para menos e acompanha ou se perde clientes — resume Adriano Fraporti, proprietário há 14 anos, do República Grill, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Ele lembra que, desde a pandemia, as margens vêm comprimidas e, atualmente, pontua: “é melhor faturar menos do que deixar de vender”. Na ponta do lápis, em maio do ano passado, anota o empresário, o preço do prato por quilo em seu estabelecimento passou de R$ 55 para R$ 63 – acréscimo superior a 14,5%.
No buffet livre, a canetada foi mais consistente e atingiu 17,3% quando o valor foi de R$ 23 para R$ 27, cobrados ainda hoje. Só que para repor 100% da pressão dos últimos meses o preço real seria, diz Fraporti, de R$ 30 por pessoa:
— Já repassamos um pouco e vamos ter que remarcar outra vez. É sempre a decisão mais difícil e só se toma porque ficou impossível segurar. Não basta só olhar os nossos custos, tem que considerar a concorrência, o que cobram em locais próximos para não sair do padrão.
Percepção do cliente
Do outro lado do balcão, Valmi Freitas, de 56 anos, está acostumado com a rotina da alimentação fora da sua residência, em Alvorada. Pesquisar melhores preços e também a qualidade são ensinamentos que pratica e, sempre que possível, transmite aos colegas mais jovens. Profissional do ramo da construção civil, há décadas faz refeições nos bairros onde acontecem as obras da empresa onde trabalha, a Lop, com sede no Jardim Lindoia.
Em mais um de tantos cenários, nesta terça-feira, no intervalo de almoço, na região central de Porto Alegre, Freitas recorda que no último ano, não foram poucas as vezes em que percebeu o aumento de preços nos estabelecimentos que frequenta. Se dependesse dele, conta, “com inflação ou sem”, almoçaria em casa, ou levaria a comida pronta, mas, por questão de praticidade, faz o oposto:
— Na minha percepção, é mais prático e até pode ser mais em conta comer fora, mas não tem preço que pague por almoço em casa.
Na comparação entre a alimentação no domicilio e a fora de casa, existem diferentes influências. André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), explica que a estimativa de safra cheia em milho, trigo e soja, entre outras culturas agrícolas, aliada com a expectativa de menor demanda desses mesmos itens no mercado internacional, ajuda a projetar maior desaceleração na inflação dos alimentos no ambiente interno.
Essa é uma movimentação benéfica para ambos, mas a alimentação fora do domicilio também está inserida em uma dinâmica típica do setor de serviços. Em outras palavras, os restaurantes e bares necessitam arcar com a manutenção da infraestrutura, ou seja, energia elétrica para os refrigeradores e ar-condicionado, gás de cozinha, reajustes salariais de funcionários, combustíveis para entrega de produtos ou reposições de estoques etc.
— Apesar da demanda (internacional por alimentos do país) ter enfraquecido, o alto índice de endividamento (variável que pesa sobre os serviços) mina o poder de compra das famílias e força a compressão das margens nos estabelecimentos — diz Braz.
Na prática, esses fatores tendem a ampliar a pressão sobre a composição dos preços ao longo do ano, explica a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo. Ela aponta que a volta da incidência regular do tributo estadual ICMS sobre energia e combustíveis, a partir de março – assim como as cobranças de competência federal – PIS/Cofins e Cide (todos desonerados no segundo semestre de 2022) – terá impacto ampliado na alimentação fora do domicílio.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no RS, João Alberto Cruz de Melo prevê “mais equilíbrio” na recomposição do aperto de margens, que persistem desde a pandemia. O economista da FGV, André Braz, pondera:
— O IPCA da alimentação fora do lar tem sido influenciado por custo de insumos, concorrência e demanda dos consumidores. Não se trata de deflação, mas tudo indica que teremos menor velocidade da inflação dos alimentos de maneira geral, mas, pelo contrário, a exposição da alimentação fora do domicílio aos componentes que afetam o setor de serviços fará com que esse grupo tenha evolução mais rápida do que a verificada até agora.